GRACE
Conhecia o chão que os meus pés pisavam e senti o mesmo vento gelado de antes, enquanto caminhava pelo corredor dos escritórios da firma de papai, segurando a caixa de fita amarela com o presente pra ele, por um momento eu pensei ser algo legal, mas por outro, não era nada legal, eu olhei para trás e tudo estava escuro e medonho, foi aí que voltei a olhar para frente, vendo uma porta única, de madeira escura.
Estava acontecendo de novo. Era aquele sonho, aquele que repercutiu pelos anos seguintes, que me fez m*l.
Para poupar meu sofrimento eu só pude abrir a porta, não conseguindo novamente terminar de abri-la, era um maldito inferno. Podia escutar as risadas e sentir meu estômago embrulhar com as palavras dele para alguém que ria baixo e de forma animada demais para um escritório.
Era como uma faca no meu coração como filha que via seu pai apenas com sua mãe, que de repente muda essa visão para aquilo. Os dois sobre uma mesa.
Olhei para o lado e vi a figura da minha doce mãe, ela tinha um sorriso diabólico no rosto enquanto olhava para mim. Olhava para o meu rosto que se banhava em lágrimas, agora pela cena e por ela.
- A culpa é sua Grace, ele vai fazer igual seu pai fez comigo, vai te trair, te trocar silenciosamente. Todos os homens são assim, todos vão ser infiéis na melhor oportunidade ou na sua vontade mais absurda.
A figura de Leopoldo apareceu ali, do lado da mulher, não sorria e nem fazia nada, apenas me olhava com aqueles olhos que eu tanto gostava.
- Eu - Então a mulher de longos cabelos escuros ergueu o braço e vi o vermelho.
- Olha pra mim, veja o que vocês fizeram comigo filha, faz alguma coisa, sua estúpida!
Foi aí que acordei, acordei gritando como uma maluca, pela milésima vez e sendo pressionada ao chão de um quarto escuro, sentindo minha barriga doer e o gelado do calafrio que atravessava meu corpo, coloquei a mão no rosto e fiquei parada enquanto chorava, chorava de novo por um um sonho, por pessoas.
Era dilacerante misturar o passado com o presente, a crise se multiplicava e eu só sentia aquilo com força.
Por que eu?
Sempre. Coisas ruins acontecendo, de tempos em tempos, coisas terríveis e que feriam como uma faca fincada dentro do meu coração.
Era um abate silencioso e r**m, era uma tempestade.
É eu estava no meio dessa tempestade. Eu nunca havia pedido nada para ninguém e nem para o destino, mas ele insistia em brincar comigo, uma brincadeira sádica da parte dele, fazendo. Tudo. Ficar mais complicado que tudo.
- Grace - Senti a mão no meu braço e com o impulso do medo e da angústia eu comecei e me debater sem parar, de olhos fechados, tentando não pensar no sonho ou na dor do corpo e da cara, de todos aqueles malditos hematomas. - Para p***a, você vai se machucar e vai me machucar com essas unhas!
O grito abafado me fez gritar e abrir os olhos.
Era ele.
Ele de novo.
Mas essa vez Leo não era um sonho, era real.
Estava ali.
- Me solta Leopoldo, você tem que me soltar - Eu parei na hora de me mexer, como se fosse necessário esconder tudo aquilo pra não ficar humilhante, porque era, todo o contexto. Não queria ele me olhando com pena.
- Para você, o que está acontecendo?! - Eu balancei a cabeça em negação.
- Eu preciso ir para casa.
- Você não vai pra casa Grace, esquece, são quatro da manhã, você está coberta de suor e assustada, foi só um sonho r**m, você me ouviu? Um sonho r**m. Pare com isso e fica calma, por favor, só fica calma, me ouviu?
Ele me puxou para perto dele e me abraçou.
Senti os cabelos dele roçando meu rosto e senti o quente do peito dele, que subia e descia.
Leo sabia dos sonhos, ao conviver comigo foi difícil, ele esteve comigo em momentos ruins da minha vida. Do pai infiel e da mãe narcisista. Dois péssimos pais. Aquilo já havia acontecido antes. Eu só não gostava de quando acontecia, porque mexia com minha cabeça, mexia com o que já estava pra trás.
- Era aqueles sonhos. Agora você também está aqui e lá, pelos céus! Que coisa mais estúpida. Eu tinha superado você, porque fazia tempo que não sonhava dessa forma.
Então ele se afastou de mim, fiquei longe dele e do aperto dele.
O rosto dele mudou de expressão e vi ele ficar pálido, horrorizado, como se eu tivesse dado a pior notícia da vida dele.
Era uma notícia r**m.
- O que?
- Acho melhor você ir, eu estou bem.
- Eu fui um sonho r**m? - Podia sentir a decepção na voz dele, ergui o olhar e sustente o olhar para ele. - Me desculpa por isso.
- Tudo aquilo passou. Desculpa. Você não devia ter vindo ou estar tentando isso ou estar me ajudando. Eu agradeço, mesmo achando que não devia.
- Você me abandonou do nada, foi você que não me quis, você não precisava me superar, eu estava pronto para você, eu estive lá quando você precisou Grace, você me deixou, você amor, não eu. Agora ainda diz que eu sou um sonho r**m, não é o meu sonho de palavra saindo da sua boca pra mim.
Eu encarei o rosto e me mexi, até que pudesse novamente me sentar na beira da cama.
- Vai para seu quarto, preciso dormir.
Não adiantava falar.
O que eu iria dizer?
Que aquilo tudo ficou no passado, que eu não queria passar por nada de r**m, que eu queria preservar o que sobrou depois do que passei ainda?
- Você quer conversar, Grace? Eu estou aqui.
- Não, você não é um psicólogo ou nada disso - Ele balançou a cabeça e se ergueu do chão, dando um passo para trás.
- Vou ter que marcar uma sessão para falar da minha própria mulher e do que ela não quer falar? É isso?
- Leo - Ele se aproximou e se abaixou. A única luz vinha da porta, não dava para ver o rosto dele direito agora, mas dava para ver o tronco dele exposto. - Eu terminei com você por que queria investir na minha carreira... Me mudar. Você estava começando seus casos bons na advocacia.
Menti.
- Você sabe que não foi por isso, o que foi que eu fiz pra você me deixar daquela forma? Eu sei que foi algo que eu fiz e você não gostou. Fala comigo, deixa eu entender o seu fora, estávamos desde adolescência juntos. Estive com você e depois do nada você me deixou. O que houve com a gente, qual o motivo pra você me deixar?
Eu ergui a mão é segurei o rosto dele, da mesma forma que eu fazia antes, batendo uma velha melancolia, uma saudade e um aperto dentro do peito.
Era aquela sensação que eu não queria ter, era aquele medo que eu não queria sentir novamente, era aquela insegurança.
- Vai embora daqui e me deixa em paz, já me aconteceu muita coisa, olha para mim, olha para o meu rosto. Não quero mais conflito na minha cabeça ou na minha vida.
- Eu estou olhando. Eu estou aqui também. Eu sei o que te aconteceu. Não deixe o que passou atingir o seu presente.
- Você um dia vai admitir.
- O que eu tenho que admitir para ficar com você, me dá uma maldita pista, porque já faz dois malditos anos que procuro o que tenho que admitir pra você voltar pra mim.
- 30 de novembro - Eu dei um sorriso fraco e irônico. - Comece por aí.
- Começar o que? Você terminou comigo depois disso, o que você quer dizer pra mim?
Não conseguia confiar nele.
Senti o coração apertar.
Era como se aquela garota boba estivesse atrás da porta do escritório do pai, vendo que as coisas podiam ser tudo que ela não esperava.
Que as pessoas decepcionaram pessoas ao longo do tempo.
Que eu não queria que ninguém fosse culpado da minha decepção, inclusive eu mesma.
- Para Leopoldo, para com isso e só me deixa quieta - Ele se mexeu, começando a andar de um lado para o outro dentro do quarto.
- Você fez de novo, isso é algum tipo de orgulho seu? Me responda Grace?! - Ele colocou a mão no quadril e parou. - Não seja orgulhosa, abre sua boca e fala comigo, fala, por favor. Deixa eu entender se eu errei em algum lugar.
Ele parecia que a qualquer momento iria se ajoelhar e implorar.
Eu abri e fechei a boca.
Por que ele insistia tanto?
Minha voz se calava diante algo que me atingia, não conseguia falar, nada, nenhuma palavra do que escutei na sala dele naquela tarde.
Nada.
Era como se eu fosse aquela garota boba de novo, escutando as coisas do meu pai no escritório e não tendo coragem de admitir diante minha mãe ou com alguém que eu pudesse confiar. Eu não fiz nada em relação ao papai. Até que ele foi embora com a secretária e nos deixou, minha mãe fez o inferno na minha vida e se foi também.
Ela se foi também.
Como meu pai havia ido.
Antes de ser deixada, deixe.
- Quero voltar para cama.
- Eu fiquei do teu lado quando seu pai foi embora com aquela mulher, fiquei do seu lado quando sua mãe veio para cima de você é quando aquela v***a da sua mãe se matou na sua frente, eu fiquei com você Grace, um dia vai ver o que está fazendo comigo, não quero sofrer mais por você. Mas tenho curiosidade de saber onde eu errei ou onde a gente deixou de dar certo.
- Me deixa sozinha - Em tom de negação ele balançou a cabeça.
- Eu tenho pouco tempo aqui, esse vai ser último tempo comigo, você entendeu Grace? Eu vou cuidar de você, vou cuidar de cada roxo do seu corpo, porque é isso que eu tenho que fazer, não por obrigação, mas por amor, companheirismo e gratidão que tenho por você, mas depois disso, eu vou pegar meu coração e vou embora, sem ou com você.
- Leo...
- Minha casa não é aqui Grace, sua casa também não é nessa cidade, você tem uma casa e uma cama te esperando longe daqui - Ele se aproxima da porta e segurou a maçaneta e olhou para mim uma última vez. - Seu lugar é comigo, pessoas que sentem sua falta lá, eu cuido de você é você de mim, nossa promessa, não lembra?
Senti uma lágrima deslizar pelo meu rosto.
- Me desculpe, mas você já sabe minha decisão sobre nós dois.
- A culpa não é sua, talvez seja minha e eu não sei, talvez pudesse me ajudar com isso, não? - Dessa vez notei o deboche.
- Para.
- Então fala, fala comigo, explica o que houve com a gente.
- Isso seria me humilhar.
- Quer humilhação maior que a minha? Acho que não amor.
- Vai.
- Só fala comigo Grace, por favor.
- Você não é indicado para isso.
Ele sorriu, olhou para o chão e depois para mim.
- Eu vou fazer você falar o que houve, pode anotar isso doutora Grace, anotar de caneta.