CAPÍTULO 4

2243 Palavras
NORA  Estaciono de frente ao colégio Aqualtune, o único dentro do condomínio e observo todas as mudanças visíveis no pequeno prédio, enquanto tento não prestar atenção na caçula Bragantino e na sua falta de jeito com o cinto de segurança. Ela me olha em um pedido de desculpas, solta um chiado e consegue se libertar. Seguro uma risada e me questiono sobre nunca ter reparado nessa sua característica. Não é como se eu fosse presente em sua vida antes, todas as minhas idas a sua casa tinham como principal razão Ariel, mas Tilly sempre esteve lá, não é? Mesmo que fechada em seu pequeno mundo, a menina sempre esteve por perto. —Tchau. Seguro sua bolsa pela alça e a impeço de sair. — Sobre o que aconteceu essa manhã...— Paro, tentando encontrar uma maneira de ser persuasiva e não ameaçadora. — Talía está tendo alguns problemas e a cena de hoje foi um momento isolado. — Ela usa drogas. — Me surpreende ao falar e quase engasgo. — Não é bem isso. —Pondero, dando uma rápida conferida do lado de fora. — Eu a vi ingerindo algumas cápsulas no banheiro, achei que era comprimido pra enxaqueca, mas não era. — Fecho os olhos. Que droga, Talía! Você tinha me prometido. — Vocês não deveriam tê-la tirado da reabilitação. — A menina volta a falar e ganha a minha atenção, mas não de um jeito bom. Ela está julgando uma das minhas melhores amigas sem ouvir toda a história, bem diferente de sua irmã. — Não fale o que não sabe, você ainda é muito jovem e possui poucas experiências. Talía passou por muita coisa e não soube como lidar. Ela estala a língua, revirando os olhos para meus argumentos como uma criança. Petulante. — Isso não é desculpa, tanto eu como você também passamos por muito e ainda assim escolhemos seguir por outro caminho. Sua amiga é fraca.— Sua perspicácia e agilidade com as palavras tanto me irritam como intrigam. Ah, Tilly. Se você soubesse que me dar como exemplo é uma péssima ideia. Desligo o rádio que toca em volume baixo e retiro o meu próprio cinto, virando meu corpo na direção do seu, alinhando nossos olhos. — Isadora e eu vamos cuidar de Talía, mas não a julgue sem saber de todas as partes da história. Você tem razão quando diz que todas nós passamos por momentos difíceis, mas se esquece que cada ser humano é diferente e por isso, também optam por caminhos distintos e o que dói em um pode ser a causa da morte em outro. — Suas sobrancelhas se juntam, seu rosto se torna pensativo e com esse gesto tenho certeza que entrei em sua mente. Bingo. Faz um mês desde que Isa e eu fomos até sua casa e a encontramos com o tal professor, mas não faz duas semanas desde que passamos a trocar mensagens com frequência e isso só se deu porque a encontrei sozinha no mesmo hospital que minha está internada. Ela tinha uma queimadura de segundo grau no braço, não era grande o suficiente para causar alarde, mas era feia o suficiente para mexer com a droga do meu instinto protetor. Ela afirmou que se queimou sozinha enquanto testava uma experiência da escola, mas não acreditei em uma palavra. — Sua amiga precisa de ajuda. — Diz com os olhos focados em sua saia plissada azul. — Estamos cuidando disso. — Preciso ir. — Volto a segurar na alça de sua bolsa. — Aquele sujeito voltou a te procurar? Suas íris são ampliadas na menção do homem. — Não. — Responde rápido. Rápido demais. Arqueio a sobrancelha desconfiada, mas resolvo lhe dar um pouco mais de corda e observar de longe. Apesar da aparência de bonequinha, Tilly está longe de ser um brinquedo de fácil manipulação. — Ótimo, agora vá. — Destravo a porta e a abro pra ela, com um sorriso amarelo e sem emoção a menina se despede e some em meio aos outros alunos. Eu permaneço por mais alguns minutos no portão, espero até o último adolescente desaparecer, desço do carro e vou até a árvore que fica do lado de fora do terreno da escola. Um sorrio se forma em meu rosto ao encontrar as quatro iniciais gravadas, deslizo meu dedo médio pela letra A e me n**o a me culpar por sua morte mais uma vez. Foi suicídio. Jogo o cabelo para trás, corrijo o caimento da minha blusa e checo o horário no relógio em meu pulso. Volto para meu carro. trinta e quatro minutos depois e fora dos muros que nos mantém em uma redoma de proteção entro na garagem do hospital mais caro de Santa Catarina, subo de elevador até a recepção e pego minha credencial de visitante. Sorrio para alguns enfermeiros conhecidos e paro de frente ao quarto dela, o 102 A. Fecho os olhos, ganho coragem e giro a maçaneta, mas a sensação de inutilidade vem com tudo quando vislumbro seu corpo inconsciente e muito mais magro do que costumava ser sobre a cama hospitalar, seu longo cabelo castanho está penteado e caindo pelas laterais dos seus ombros, sua pele que antes me lembrava caramelo parece agora um amarelo sem graça, desbotado. — Eu tinha certeza que estaria aqui. — Meu rosto vira no automático na direção da porta e por um segundo sinto meu corpo queimar. Ele entra no quarto e nos fecha aqui dentro, mas não passa a chave. Olho pra ele sem saber o que dizer ou fazer. Eu realmente não esperava encontrá-lo aqui, justamente aqui. Não depois do sonho de ontem. — O que foi? Você está com uma cara de assustada. Algo aconteceu, boneca? — A preocupação em sua voz é comovente e quase digo sim só pra ter mais um pouco desse cuidado. Céus... O que estou pensando? Balanço a cabeça, tomando alguns passos de distância. — Nada. Nadinha, tudo normal por aqui. — Certeza? — Hmmm… eu tenho. O que foi? Não me olhe assim. Seus lábios se curvam em um sorriso presunçoso de canto e ele dar de ombros, colocando suas duas mãos no bolso de sua calça social sem desviar as íris das minhas. Os pelos da minha nuca se arrepiam, minhas mãos começam a suar e minhas pernas a quererem se dobrar. Isso é perigoso. Muito perigoso. — De que jeito, boneca? — Como… —Limpo a garganta, lutando para manter a compostura quando percebo que minha voz quer dar indícios. — Como se pudesse ler meus pensamentos. —Concluo. Zé solta uma risada nasalada, chegando a fechar os olhos e balançar a cabeça. — Como foi a noite das garotas? — Indaga, dando um passo para mais próximo. — Boa. — Qual a situação da Talía? — Meu corpo tensiona, esfrego minhas palmas disfarçadamente por minha calça jeans e o analiso friamente. — Como sabe sobre ela? — Seu sorriso aumenta e a distância entre nós é acabada com três passadas largas. — Eu sei tudo sobre você, boneca. — Diz, a uma palma de distância do meu rosto. — Para sua segurança, claro. — Acrescenta em tom baixo, quase em um sussurro, desviando o olhar do meu para a cama de sua mulher. — Ela está sóbria. — Falo, me afastando. — Eu avisei o avô dela. — Confessa e meu punho fecha. Uma de suas mãos segue até o rosto de mamãe e acaricia sua bochecha, a ação me deixa paralisada, hipnotizada por longos segundos até que caio em mim e desvio o olhar. — Você não deveria ter feito isso, nenhuma de nós é mais criança. Sabemos nos cuidar, Talía não encontraria nenhuma melhora naquele lugar. Ele volta a me olhar, mas com mais dureza. — Aquela menina precisa de tratamento específico, Nora. Ela precisa da família dela! — Somos a família dela. — Rebato, elevando o tom de voz assim como ele. Um rosnado deixa sua garganta, mas nenhuma palavra é dita por quase cinco minutos. — Meus homens me contaram como a resgataram de lá. — Minhas pernas vacilam na firmeza e procuro a poltrona com o olhar. — Os seguranças de Isadora nos ajudaram. — Me adianto e seus olhos voltam para os meus. — Sim, eles serão demitidos por isso. O quê? — Do que está falando? Talía está sobre a minha responsabilidade, eles não tem nada com isso. Ele bufa sarcástico, deixando escapar um riso zombador. — Do que está rindo? — Eu não quero você perto daquelas garotas, Nora. A partir de hoje está proibida de manter qualquer contato com as três. Três, não duas. Específico. Ele sabe de Tilly. Eu rio, porque é a única coisa que consigo imaginar para tanta ousadia. — Ok, pode acabar com a piada. Eu já entendi que não consigo esconder nada de você. — Dou a volta, ainda com um sorriso no rosto e paro do seu lado oposto. Começo a pentear os cabelos de mamãe com os dedos, retirando os fios perdidos do seu rosto. — Não estou brincando, Nora. — Talía vai ficar bem. — Reforço, evitando olhar em seu rosto. — Que tal terminar a faculdade fora do país? Franzo o cenho, não compreendendo um A do seu comportamento. — Isadora e eu vamos conseguir colocar tudo em ordem. Não vou sair daqui, o que há de errado? — O olho, começando a me preocupar. — Elas não são boas amigas pra você. — Elas são as melhores amigas e também as únicas que tenho, isso nunca esteve em pauta antes, aliás, as conheci graças ao seu círculo de amizade. — Pode apostar que me arrependerei disso pelo resto da minha vida, mas não vou me perdoar se algo acontecer com você. — Algo acontecer comigo? Do que está falando? — Sua melhor amiga morreu, a outra usa drogas e não me faça falar do caráter de Isadora Drummond. Você não pode contar com elas, nunca pode, elas só te atrapalham. — Seu tom é tendencioso e pela primeira vez desde que o conheci não quero ter mais um minuto de sua companhia. Afasto minhas mãos da cama e vou até ele, quando estamos peito a peito, verbalizo meus pensamentos. — Se seu medo está relacionado comigo ficando como elas, quero que saiba que nesse game eu dou as cartas! — Me viro, mas ele é mais rápido e me prende pela cintura. Seu corpo se encaixa no meu por trás, a respiração quente soprando contra meu pescoço. — Não me desafie, boneca. Ouça minhas palavras e faça o que peço, não sou seu inimigo. — Um beijo é deixado próximo a minha orelha e leva tudo de mim para não inclinar a cabeça e lhe conceder mais áreas carentes. — Sinto muito, mas ceder está longe de ser uma das minhas características. Eu faço o que quero e quando quero, nenhum homem vai roubar minha autonomia. — Jante comigo. — Pede, beijando um pouco abaixo do local já beijado. Hmm... Tombo a cabeça para o lado e seus braços se fecham na minha cintura, ele inspira o cheiro do meu cabelo e sem querer me esfrego nele. — Você realmente contou para o avô de Talía que nós a ajudamos fugir? — Sim, mas modifiquei um pouco da história. — Minha orelha é mordida com suavidade e posse. — Promete que vai voltar pra casa e jantar comigo? — Não, tenho que arrumar um novo esconderijo para minha amiga. Ele rosna e aumenta seu aperto. — Os pais dela chegaram na casa dos Drummond assim que você saiu. — Gemo de surpresa e raiva. — Porém, consigo impedir que sua amiga volte para aquele lugar. — Acrescenta, me distraindo com a língua. Alguém bate na porta e chama pelo meu nome. Consigo me desvincular dos seus braços. — Como? — Indago, fingindo desinteresse ao arrumar minha roupa e cabelo. — Você só precisa me dar a noite inteira. — Minha boca cai ao chão. — O quê? — Praticamente grito, piscando atordoada. Ele sorrir sedutor, morde o lábio inferior e me olha como um pedaço de carne suculento. Meu corpo incendeia pelo desejo escancarado em seu olhar. — Te quero na minha cama, sem nenhuma peça de roupa, aberta e molhada, esperando por mim. Ninguém vai saber e vai ser gostoso. — Busco sinais de brincadeira em seus traços, mas seu timbre é puro apelo s****l. Engulo a seco, percebendo que ele não está jogando comigo. — A minha mãe. — Ela nunca vai descobrir, boneca. Ninguém vai, apenas me deixe provar um pouco de você. — Não podemos. — É claro que podemos, você nem consegue mais disfarçar, me quer tanto que não para de sonhar comigo. — Não! — Está sonhando agora mesmo. — O quê? Não estou. Estou? — Nora, amorzinho. Acorda. — Ergo a cabeça do estofado macio e encaro o rosto moreno e sem marcas de Júlia próximo ao meu, ela sorrir simpática e continua dando batidinhas na minha mão. — Você acabou dormindo enquanto estudava, querida. Infelizmente, o horário de visita acabou. Deixo um livro cair ao me mexer e só então começo a entender o de estou. As paredes brancas, as máquinas, o barulho do soro pingando, os vasos de plantas sobre uma prateleira isolada ao fundo do quarto. — Há quanto tempo estou dormindo? — Não sei te informar, querida. Quando entrei você já estava toda torta na poltrona.
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