CAPÍTULO 5

1695 Palavras
NORA Puxo a coberta tosca de cor merda com flores brancas e arremesso no chão junto dos travesseiros, vou até o armário e capturo uma colcha da cor que sei que ela gosta, roxo, e cubro a cama novamente. Quando estou finalizando e pronta para mudar as fronhas dos travesseiros, Justine invade o quarto com a mão na boca e olhos esbugalhados, emitindo um som de espanto que só aumenta minha irritação. — O que você está fazendo? — Questiona, puxando o travesseiro das minhas mãos. Puxo de volta, termino o trabalho e posiciono as quatro almofadas sobre a cama. A mulher me observa o tempo todo, guardando os xingamentos para si, tentando passar uma imagem imparcial, mas posso sentir sua raiva. — Pode ir, Justine. Eu me viro aqui. — Não a olho enquanto falo, mas faço questão de usar um tom bem antipático. Abro as cortinas para permitir a entrada do sol e a mulher dar outro surto silencioso, deixando escapar apenas murmurinhos. Revirou os olhos e me viro pra ela. — Algum problema? — Indago, resgatando as memórias de como a avó de Talía olhava para os funcionários e fazendo igual, não que eu seja uma fã da senhorinha, eu só não gosto dessa mulher. Ela me olha de cima abaixo, traz as duas mãos para frente do corpo e aperta os lábios um no outro. Arqueio a sobrancelha ainda na espera de que ela diga algo. Por favor, fale alguma coisa que justifique sua demissão. Imploro nos pensamentos. Continuamos nos encarando até ouvirmos passos na escada, então o rosto da mulher ganha um semblante mais harmônico e um sorriso brota em sua boca. — Esse trabalho é meu, senhorita. Sei que você estuda muito, não precisa se preocupar com isso. — Quando abro a boca para questionar sua mudança de postura, José Luiz aparece na porta, os olhos pratas vão direto em minha busca e sorriem assim que me acham. Quebro nosso contato e olho para a mulher parada também me encarando, tem um sorriso falso em seu rosto e me parece ainda mais barata que a nova cor de seu cabelo. Vermelho. Um vermelho brega e fajuto. — Não te vi chegar ontem, boneca. Estava no hospital? — Zé pergunta, segurando meu rosto com suas duas mãos e depositando um beijo na minha testa. Meu corpo amolece com seu contato, as cenas dos meus sonhos passando como filme perante os meus olhos. Inalo seu perfume e me permito rodear seu corpo com meus braços e depositar a cabeça em seu peito. — Então, era lá que você estava? — Questiona, me forçando a encarar seu rosto bonito. A testa está franzida e contém uma ruga bem no meio que o deixa com aparência de mais velho, o cabelo está molhado e penteado pra trás como de costume, mas algo nele parece diferente. — Ãn? Inclino a cabeça para o lado. Ele rir baixo, revelando algumas marcas da idade no canto dos olhos. Se esse homem fosse solteiro. Não. Não posso! Deus me livre, mas quem me dera. Não seja uma vagabunda, Nora. Tarde demais. — Onde está com a cabeça, hum? Estou perguntando se foi visitar sua mãe ontem. — Sim? — Ele me larga, beija a minha bochecha e aperta o local com suavidade. A careta que faço é no automático, porque é nesse momento que percebo o quão impossível somos um para o outro. Ele é o marido da minha mãe. O homem que me criou. Coça a barba rala do queixo e dar uma olhada no quarto que antes dividia com mamãe, mas que agora vive fechado. Faço o mesmo e é então que percebo que Justine aproveitou da minha distração para trocar a colcha da cama novamente. — Não! — Me exalto, puxando o tecido sem nenhum tipo de gentileza e o jogando no chão. — Senhorita...— A mulher usa um tom fingido, depositando a mão no peito em uma encenação ridícula. — Nora, que tipo de atitude é essa? Justine estava arrumando, o que deu em você? — Zé chega por trás, livrando minhas mãos do tecido e puxando meu corpo pra junto do seu. Me desvencilho do seu contato e pego a colcha roxa novamente. — Nora. — Chama, mas me concentro na arrumação da cama. — Mamãe odeia essa cor. — Falo, percebendo um choro preso na minha garganta. De raiva. — Mas foi ela mesma que comprou. — Justine argumenta e ganha meu olhar afiado. — Mentira. — Rosno. — Eu juro, ela comprou junto da Senhorita Cecília, o senhor pode perguntar para a mesma. Fecho os olhos na menção do nome da outra. Tenha a santa paciência! — Queima. — Pego o tecido brega e jogo para que a mulher pegue, mas sou ignorada, seus olhos estão presos nos de Zé, esperando uma ordem direta. Isso me leva ao limite e entro no meio deles. — Queima. — Enfatizo a palavra, apontando para o tecido próximo aos seus pés. — Nora. — Agora! — Elevo minha voz, odiando o fato dessa mulher não me respeitar. Isso precisa mudar. — Justine, por favor, nos deixe a sós. — A mulher abaixa o olhar e sai do quarto, fechando a porta, pisando na colcha. Raiva infla meu peito e penso em fazê-la voltar pelos cabelos. — Vem aqui. — Viro o rosto, faço um coque frouxo no cabelo e o ignoro. Ele esbraveja, soltando diversos xingamentos enquanto me distancio, aparecendo ao meu lado segundos depois. — O que é? — Finjo procurar algo entre as roupas de mamãe. — Olha pra mim, boneca. — Pede em voz mansa, o olho de soslaio e puxo uma blusa aleatória, fingindo interesse na peça. Quando ele tenta me tocar, a coloco na frente do meu rosto de propósito. — Boneca... Continuo o ignorando. — p***a, para com essa p***a e olha pra mim! — A blusa é arrancada das minhas mãos e jogada em algum lugar. Tremo na base, receosa de ter ido longe demais. — Não quero conversar. — Você está agindo feito uma garotinha mimada, me explique o que acabou de acontecer ou não vou permitir que saia desse quarto. Solto o meu cabelo, aliso o tecido fino da minha blusa regata e começo a atuar. — É uma ameaça? — Questiono e ele cruza os braços. — O que diabos está acontecendo com você, Nora? Nem de longe parece com a minha menininha. Menininha. Aff. — Minha mãe odeia aquela cor. — Justine disse que foi ela mesma quem comprou a lençol.  — Não é um lençol. — O corrijo, já cruzando os braços e fechando o rosto. — E ela odeia essa cor, já falei. Parece merda. — Isso não é motivo para destratar uma de nossas empregadas. Bufo. — Aquela mulher me odeia, José Luiz. — José Luiz, boneca? Dou de ombros. — E, ainda tem o adendo de que minha mãe NUNCA sairia pra fazer compras com aquela outra. NUNCA! Ele rir, joga as mãos pra cima e balança a cabeça. — Então, isso se trata de Cecília, o que você tem contra a pobrezinha, afinal? — Pobrezinha? Aquela ali não tem nada de coitada, muito pelo contrário. Não seja descarado. — Ótimo, agora sou um descarado. Posso saber o motivo? Me sinto como uma criança enciumada, mas a expressão confusa em seu rosto me faz querer ceder um pouco. — Ela gosta de você. — Digo contrariada, sentindo o gosto amargo só de proferir tais palavras. Ele estala a língua como se minha revelação não fosse nada demais. Aperto os olhos, descruzo os braços e passo por ele, roçando em seu ombro. — Você está falando sério, boneca? — Pergunta incrédulo, tampando minha passagem com seu corpo. Miro o chão, incapaz de fitar seu rosto. — Tanto faz, minha mãe está em coma e ela é uma mulher bonita. — Ei, você não acha que estou concordando com esse seu pensamento, não é? — Segura meu queixo e alinha nossos olhares, o prata das íris me desnorteiam e fico com as pernas bambas. Pisco para disfarçar, tentando tirar meu rosto do seu controle, mas ele não cedo e me força no lugar. — Eu nunca trairia sua mãe, Nora. Sabe disso, certo? Respeito e admiro muito a mulher que te deu a luz, tenho caráter e vou cumprir as promessas que fiz pra ela no altar. Tire esses pensamentos da sua mente, por favor. Não sou esse tipo de homem. Sim, ele não é. Mas eu sou. Agora mesmo estou imaginando o quão delicioso devem ser seus lábios, sua língua, cada milímetro dele. Nesse momento estou esquecendo a aliança em seu dedo e a certidão de casamento que o une a minha progenitora para imaginar as sensações prazerosas que meu corpo sentiria ao seu toque. Eu sou a errada aqui. Sou eu que não consigo parar de trair a pessoa mais importante da minha vida na cabeça. — Eu sinto muito, Zé. — Digo, empurrando seu corpo pra longe de mim e impedindo que as lágrimas caiam. — Vou pedir pra Justine dar um fim no lençol. — Penso em corrigi-lo, mas acabo na ponta dos pés e beijando seu rosto. — Nora? — Hum… — Sua mãe também não gosta de roxo, você é quem ama essa tonalidade. — O encaro de frente, mas não argumento, ele sorrir e pisca, liberando a passagem. Saio andando disfarçadamente até o meu próprio quarto e desabo na cama. — O que aconteceu? Pulo da cama assim que ouço a voz calma e infantil. Limpo o rosto, checando a chave na porta. — Tilly, como ...O que está fazendo aqui? — Sua governanta me deixou entrar. Você está chorando? — Alergia. Limpo a garganta, dando uma rápida olhada no espelho. — Estou aqui antes de você, então eu sei que está chorando, mas não precisa me falar o motivo. Fala, rápido e direta. Senta na cama e passa a mão pelo tecido amarelo do vestido de tecido fino e com uma camada de transparente na barriga. — De onde você vem? — Questiono e ganho um suspiro como resposta.
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