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802 Palavras
ALINE NARRANDO Quatro anos depois... Vivi quatro anos no inferno. Quatro anos trancada em um barraco qualquer na favela, enquanto Maurício me humilhava, me batia e me estudava como se eu fosse um experimento. Foram anos de medo e dor, mas a oportunidade de fugir apareceu através de Kleiton, um dos homens de confiança de Maurício. Por que ele fez isso? Até hoje eu não sei ao certo, mas ele me salvou, e por isso, tenho uma dívida eterna com ele. Os policiais adotaram ela - Kleiton disse, com aquele jeito direto de sempre. Eles são do Rio? - perguntei, tentando conter a ansiedade. Moram em Copacabana. - Ele fez uma pausa, me observando. - Consegui uma entrevista pra você na casa deles. Entrevista? - franzi a testa. Sim, pra ser babá da pequena Helena. - O nome dela ecoou em minha mente, e senti meu coração disparar. - Você foi indicada por uma senhora que trabalha no prédio. O Leonardo só te viu uma vez durante a invasão, e agora que você cortou e pintou o cabelo, ele não vai te reconhecer. - Assenti devagar, absorvendo cada palavra. - Seu nome continua Aline, só mudamos o sobrenome. Obrigada, Kleiton - murmurei, grata por aquele ato de bondade. Toma cuidado, ok? - Ele olhou em meus olhos, sério. - Eu vou segurar ele lá no morro. (...) Gostei de você - Silvia, a mãe de Carlos, disse enquanto me analisava com um sorriso aprovador. - Pode começar amanhã? Posso sim - respondi, tentando controlar minha empolgação. Carlos, meu filho! - Ela chamou, e um homem alto e de postura firme apareceu. - Essa é a Aline, a nova babá da Helena. Tudo bem, Aline? - Ele estendeu a mão em um gesto cordial. Tudo sim, e com você? - apertei sua mão, mantendo a voz firme, mas educada. Dispensa o "senhor", Carlos está ótimo. - Ele sorriu de leve e se afastou logo depois. Então te espero amanhã de manhã. - Silvia se levantou e me acompanhou até a porta. - Joselita, que trabalha na cozinha, vai te mostrar seu quarto quando você chegar. Obrigada - agradeci mais uma vez, deixando a esperança crescer dentro de mim. Finalmente, eu estaria perto da minha filha. E quando as coisas se acalmassem, eu a levaria para bem longe daquele passado sombrio. O dia seguinte amanheceu rápido. A ansiedade fazia meu coração bater mais forte enquanto eu batia na porta da cozinha. Você deve ser a Aline - Joselita me recebeu com um sorriso gentil. - Entra. Ela me mostrou meu quarto, um espaço simples, mas acolhedor. Arrumei minhas coisas com cuidado, consciente de que aquele emprego não era definitivo. Meu verdadeiro objetivo era juntar dinheiro suficiente para fugir com Helena. Essa é a Helena - Joselita anunciou ao abrir a porta de um quarto cor-de-rosa, cheio de brinquedos. Meu coração quase parou. Ali estava ela. Minha filha. Cabelos loiros, olhos brilhantes, linda. Tive que conter as lágrimas. Eu vou pra cozinha - Joselita disse antes de sair, me deixando a sós com Helena. A menina me olhou por um instante e, para minha surpresa, abriu os bracinhos em um gesto claro de pedido de colo. Um sorriso escapou dos meus lábios enquanto a pegava nos braços. Ao longo do dia, segui a rotina dela com precisão. Aula de balé à tarde, brincadeiras na pracinha à noite. Helena não estranhou minha presença em momento algum. Pelo contrário, me abraçava o tempo todo, como se sentisse, em algum lugar do coração, que eu era sua mãe. Olha o avião! - brinquei com a colher, tentando fazer com que ela comesse. Leo - ela disse de repente, olhando para a porta. Virei-me e me deparei com Leonardo. Meu coração gelou. Minha princesa - ele disse com carinho, beijando a testa dela. Seus olhos pousaram em mim com uma expressão intrigada. Boa noite - cumprimentei, tentando manter a calma. Boa noite - respondeu, com um sorriso fraco. Caminhou até a geladeira, pegando uma garrafa d'água. - A gente se conhece? - perguntou, franzindo o cenho. Acredito que não - respondi, lutando contra o nervosismo. Por um momento, meus olhos caíram sobre o escapulário em seu pescoço. Respirei fundo e voltei minha atenção para Helena, que abria a boca animada para mais uma colherada. Deve ser impressão - ele murmurou, observando Helena com ternura. - Aline, né? Seja bem-vinda. Obrigada - respondi suavemente. Leonardo se aproximou para dar um último beijo na irmã e, ao sair, seu perfume ficou no ar, me envolvendo em um turbilhão de memórias e emoções. Depois de colocar Helena para dormir, voltei ao meu quarto. Tomei um banho demorado, tentando processar tudo que havia acontecido. Eu estava ali. Perto da minha filha. E faria de tudo para protegê-la. Ninguém me impediria de recuperá-la. Ninguém.
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