Jardim

2435 Palavras
•*'¨'*•.¸¸.•*'¨'*•.¸¸.•*'¨'*•.¸¸.•*'¨'*•. É engraçado como o destino gosta de brincar com a gente. Logo após eu começar a sonhar com aquele misterioso e desconhecido garoto de cabelos pretos, o mesmo se prova ser real e aparece em meu caminho, como um paciente que agora eu deveria cuidar. Meu coração batia rápido, em palpitações frenéticas, enquanto eu analisava cada detalhe daquele rosto inconsciente. Era ele, sem dúvidas. De início, senti pena dele. Sua única família, a namorada, havia morrido no acidente em que sofreram e além de estar sozinho o jovem estava prestes a entrar em coma, sem previsão de quando acordaria segundo Celeste. Como reagiria ao saber da perda de sua amada? Como seguiria a vida sozinho depois de acordar? Em seguida, senti uma imensa curiosidade de saber mais sobre ele. A única coisa que sabia até o momento era seu nome. Bryan. Bryan Collors Willow. – Está tudo bem, Minah?- m*l notei quando Celeste se moveu, posicionando-se ao meu lado e apertando meu ombro. Encarei a médica, saindo de meus devaneios. Ela me analisava com uma expressão preocupada. – Está sim, não se preocupe - garanti, piscando algumas vezes e evitando olhar demais para o paciente. Mas Celeste não parecia convencida. – Tem certeza? Você ficou encarando-o como se já o conhecesse, com uma expressão assustada - ela agora olhava para o rapaz em coma – por isso fiquei preocupada, você parecia transtornada. Respirei fundo, já recuperada da surpresa. – Eu estou bem, foi só o nervosismo - desconversei – você sabe que não lido muito bem com casos de acidente de carro - expliquei, cabisbaixa, o que não era mentira. Ouvi um suspiro escapar e a médica assentiu, compreensiva. – Minah, você é uma das enfermeiras mais competentes e dedicadas que temos neste hospital. E também é minha melhor amiga, uma pessoa de confiança, por isso a escolhi para me ajudar com este paciente - ela relatou, apertando novamente meu ombro – sei o motivo que a faz se sentir desconfortável com isso mas sei que fará seu melhor. Preciso de você, Minah - o olhar de minha amiga era tão suplicante que não pude retrucar ou arranjar quaisquer argumento para recusar o trabalho. Sim, eu não tive boas experiências com acidente de carro, me sentia desconfortável em sair da minha zona de conforto — o berçário da maternidade — para ajudar a cuidar de um caso que me trazia más lembranças. Mas, acima de tudo, eu era leal às pessoas que precisavam de mim, que confiavam na minha capacidade e sempre fui ensinada a colocar o dever acima do querer. E naquele momento, ajudar Jeongyeon com seu novo paciente e ajudar aquele solitário rapaz a sair de seu possível coma era meu dever. E eu faria de tudo para cumpri-lo. Olhei fixamente nos olhos de Celeste, determinada. – Certo, doutora Banksy. Vamos cuidar deste rapaz, principalmente se ele realmente entrar em coma - garanti, sentindo minha voz firme. Não perdemos mais tempo conversando. Tinha muito trabalho a ser feito. •*'¨'*•.¸¸.•*'¨'*•.¸¸.•*'¨'*•.¸¸.•*'¨'* Ao fim da noite, me sentia tão cansada que a primeira coisa que fiz ao chegar em casa foi me jogar na cama, sentindo a respiração pesada. Celeste e eu passamos a madrugada inteira buscando informações do nosso paciente e ajudando a equipe médica com todos os exames para descobrir em detalhes quais os danos que sofrera e que tratamentos seriam necessários. Quando fui liberada, o relógio marcava 5h da manhã. Apesar do cansaço, não queria dormir, receando sonhar novamente com Bryan Collors. Levantei-me devagar, em direção ao banheiro, precisava de um banho frio para despertar os músculos cansados. Demorei por cerca de uma hora no chuveiro e mais vinte minutos para encontrar uma roupa casual adequada. Por fim, estava pronta para passar uma manhã folgada em casa. Prendi o cabelo em um r**o de cavalo e olhei minha imagem no grande espelho que tinha no quarto. Eu não me considerava f**a, mas também não diria que era linda. Minha beleza era mediana. Não muito alta, magra pela pouca alimentação diária, os cabelos loiros e longos quase sempre presos, a franja caindo para o lado. Meus olhos escuros estavam sempre aparentando cansaço, há muito tempo não possuíam mais um brilho de felicidade. Alguns pontinhos pretos eram visíveis pelo meu rosto. Leon costumava brincar de que esses pontinhos eram como pequenas estrelas e que eu tinha o rosto de um anjo. Pensar em seus elogios me fez sorrir. Ele era como um irmão para mim. Batidas na porta me fizeram sair do quarto e inclinei o corpo para olhar a visita pelo olho mágico. Abri imediatamente após ver que era Leon. – Hey, anjinho! Soube que recebeu a manhã de folga e vim ver se queria companhia - disse ele, já se jogando no sofá. Ao fechar a porta e tranca-la, fui para o lado dele. – Imaginei que não estivesse dormindo ainda, por isso vim cedo - ele me abraçou de lado, acariciando meu ombro. E, realmente, era bem cedo. O relógio que eu havia posto na parede da sala marcava 8h30 da manhã. – Na verdade, eu deveria estar dormindo mas não consigo - revelei, olhando para minhas próprias mãos. Senti um aperto mais forte em meu ombro, indicando a preocupação do meu amigo. – Por que? É por causa do seu paciente que está em risco de coma? - perguntou. Leon e eu nos conhecíamos desde a infância, ele sabia exatamente o porquê de eu não gostar de trabalhar com vítimas de acidentes. – Acho que sim - suspirei – mas não é só por ser um caso de acidente. O rapaz franziu a sobrancelha, sem compreender o sentido da minha revelação. Só que, no momento, nem eu mesma entendia porquê ainda estava tão balançada. – Pode ser meio estranho, mas... - respirei fundo antes de explicar, tentando achar as palavras certas – o rapaz que está quase em coma...apareceu duas vezes nos meus sonhos ontem - revelei, por fim. Leon não respondeu nada por alguns segundos, tentando processar o que eu acabara de dizer. Sua expressão estava neutra demais para que eu conseguisse deduzir sua reação. – Você tem certeza? - era difícil para ele acreditar. Eu entendia bem sua relutância. Nem eu estava acreditando que estava mesmo passando por aquela situação. – Não acredito muito em sonhos que se realizam nem em destino, mas tenho certeza que era ele sim - confirmei, o encarando. Um balançar de cabeça foi a única reação do mais velho por alguns segundos. – Isso é muito estranho - respondeu. Deitei a cabeça em seu ombro e ele apertou mais o abraço, me aconchegando mais em seu corpo. Era reconfortante e não demorei a relaxar depois de sentir seus carinhos passarem do meu ombro para meu braço, deslizando suavemente. Apesar de não termos sentimentos além de fraternos um pelo outro, Leon era o único rapaz com quem eu tinha um pouco de proximidade e i********e. Desde adolescente eu não lidava bem com garotos, beijara raramente apesar de que frequentava festas e lugares com maior movimentação social com certa frequência nas minhas saídas com Leon e Celeste, mas durante a adolescência, enquanto minhas colegas de escola e faculdade aproveitavam a juventude se divertindo eu estava em casa assistindo filmes, estudando ou desfrutando de conversas com meus melhores e mais fiéis amigos. Leon e eu passamos o resto da manhã assistindo uma nova série, acompanhados de chocolate quente e biscoitos recheados. Toda a tensão recente foi tirada de mim pelas brincadeiras e pela companhia do meu melhor amigo e, ao retornar para o hospital depois do horário de almoço, senti-me forte e renovada para enfrentar mais um dia com Celeste e nosso paciente. •*'¨'*•.¸¸.•*'¨'*•.¸¸.•*'¨'*•.¸¸.•*'¨'* Analisei meu reflexo refletido na água morna e limpa do pequeno lago. Meus cabelos estavam soltos e eu vestia um conjunto florido que tinha certeza de não fazer parte do meu guarda roupa. Por fim, olhei ao redor. Eu reconhecia aquela parte do jardim, onde só havia grama e o lago, com exceção de pequenas árvores ao fundo. Fora ali que meu sonho parara da última vez. Minha companhia, que eu já sabia de quem se tratava, havia mudado de lugar. Estava sentado um pouco mais distante do lago, brincando com a grama. Sem controle do que estava fazendo, me aproximei e me ajoelhei á sua frente. Ele imediatamente percebeu minha presença e me encarou de volta. – Quem é você? - perguntou Bryan Collors Willow, com frieza e curiosidade. Pela primeira vez estava ouvindo sua voz e tinha plena certeza de nunca ter ouvido um tom mais agradável. Era potente, nem grave demais e nem rouco demais. Diferente da minha, que frequentemente ficava mais baixa ou mais aguda sem eu querer, me causando alguns constrangimentos. – Eu quem te pergunto - rebati, soando um pouco irritada – esse jardim pertence às minhas lembranças de infância e você nunca esteve nelas. O que faz aqui no meu sonho? - questionei, o encarando fixamente. O rapaz comprimiu os lábios, incomodado com o modo que eu falara consigo. – Comecei a sonhar com esse lugar a pouco menos de dois dias. Mas só agora senti sua presença. É tudo que sei, garota - o tom frio de sua voz me arrepiava, embora eu não soubesse que podia sentir algo nos sonhos. – Bom, eu também comecei a vê-lo aqui desde dois dias atrás. Embora eu tenha certeza de que nunca o vi antes em toda minha vida - relatei, sem conseguir desviar os olhos de sua presença. O rapaz deu de ombros, sem se importar. – Dizer "em toda minha vida" soa meio exagerado - respondeu – você ainda não morreu, então não precisa falar como se já tivesse partido para outra e estivesse revirando lembranças de algo que já acabou. Fiz uma careta, confusa. O rapaz apenas revirou os olhos e voltou a olhar para a grama. – Pelo visto, você é uma pessoa bem ignorante - afirmei, ríspida. Bryan voltou a me olhar, incrédulo e claramente ofendido. – Por que acha isso? - questionou. Foi a minha vez de levantar os ombros. – Estamos aqui conversando e você não chegou nem a perguntar meu nome - foi o que respondi. Ele riu fraco, como se eu tivesse falado a coisa mais i****a do mundo. – E por que eu perguntaria? É apenas um sonho, vou acordar a qualquer momento e talvez eu nem veja você novamente - afirmou, cético. Engoli em seco, sentindo o nervosismo voltar a me dominar. O rapaz não tinha noção do que estava acontecendo com ele, não parecia saber que estava entrando em coma no mundo real. Talvez ele ficasse inconsciente, preso em seus sonhos por tempo indeterminado. – Não tenho certeza se você vai acordar em breve - murmurei no tom mais baixo que pude. Mas estávamos tão perto um do outro que ele conseguiu me ouvir, já que me olhou cheio de dúvida e medo. – Por que? Como você, uma garota que nem conheço, pode saber se vou acordar ou não? - questionou, com leve desprezo. Tremi, mas não movi os lábios para responder. Não sabia como funcionava os sonhos, nem se ele realmente estava preso ali ou se contar de sua situação mudaria algo. – Eu...eu não sei se posso falar - senti minha voz falhar ao responder. Bryan passou às mãos pelo cabelo n***o, lutando para processar o que acontecia naquele momento, mas não insistiu em receber uma resposta. Percebi quando tudo ao nosso redor começou a fraquejar, embaçando lentamente. Eu estava começando a acordar. – A única coisa que posso dizer, Bryan Collors Willow, é que passaremos muito tempo convivendo com a presença um do outro - relatei, mas não o olhava diretamente. Até sua imagem começava a embaçar. Notei seu olhar questionador, mas ele não teve oportunidade de falar algo. Tudo escureceu e eu acordei sentindo meu corpo ser sacudido um pouco brutalmente. – Finalmente você acordou! - exclamou Celeste, me ajudando a levantar. Nem sequer havia percebido que adormeci na poltrona do quarto do paciente. Eu devia ter tentado dormir quando estava em casa pela manhã. – Desculpe, não consegui dormir hoje de manhã - esfreguei os olhos para despertar melhor – vou comprar um café e me esforçar para me manter acordada a partir de agora - prometi, ainda que minha voz ainda estivesse rouca e manhosa do sono. Celeste balançou a cabeça, dispensando minhas desculpas. – Tudo bem, eu entendo que está exausta. Se quiser ir para casa descansar eu termino o turno de hoje - ofereceu, verificando a máquina que contava os batimentos cardíacos de Bryan Collors. Balancei a cabeça, negando. – Não precisa, eu posso trabalhar - garanti, tentando manter a voz firme. A mais velha suspirou, dando-se por vencida. – Tudo bem, vou buscar um café para nós duas - falou a médica, já saindo da sala. Observei a mais velha até que a mesma já estivesse longe e me aproximei da cama, onde Bryan estava inconsciente, coberto de tubos. A máquina que contava seus batimentos cardíacos apitava lenta e calmamente. Suspirei. Estava apenas eu e ele no quarto, ninguém me ouviria conversando com um paciente que nem sequer me ouviria. Para ser sincera, nem eu sabia o motivo mas precisava falar com ele. – Se vamos passar muito tempo juntos, devíamos ser amigos, não acha? - ouvi a mim mesma falar. O rapaz permanecia imóvel, mas continuei falando. – Bom, Bryan Collors, meu nome é Minah - sorri de lado e afastei uma mecha de cabelo de seu rosto – vou cuidar de você, prometo - sussurrei. Não falei mais nada, pois Celeste havia voltado com dois copos de café e mais trabalho para nós duas. Mas foi fácil fingir que não havia falado com um paciente incosciente que eu nem mesmo conhecia. Apesar desse fato, sentia que agora Bryan e eu tínhamos uma ligação especial. Eu lhe fizera uma promessa e também tinha certeza de que o encontraria muito em meus sonhos. E m*l podia esperar para sonhar com ele novamente.
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