Talita
A conversa com o meu pequeno me deixou em frangalhos, não consigo me esquecer do dia que aquela mulher nos parou no mercado e falou absurdos ra1stas sobre ele. Me descontrolei e parti para a agressão, mesmo sendo contra a atitudes dessa, eu jamais pensaria que essa dor fosse tão grande.
Nunca me dei conta de como as pessoas são maldosas, nunca reparei em cor, classe social ou até mesmo etnia. Isso cortou o meu coração e me fez pensar fora da minha caixinha de privilégios. É claro que eu jamais saberia a dor do rac1smo, afinal, sou branca e nunca passei por isso. Mas, ver o meu filho sofrendo com isso desde que nasceu, me fez entender a crueldade desse mundo.
Eu não irei permitir que ele passe por isso, nem que isso custe a minha vida. Até porque, ele e a Catarina são o motivo da minha vida, daria a minha vida pela deles. Após a conversa com o Juliano, fico mais calma. Percebo que ele também não deixará barato. Aproveitamos o domingo em família e fazia muito tempo que eu não me sentia tão feliz, tão realizada...
Após as atividades de segunda-feira de manhã, chego ao novo escritório, estão terminando de montar os móveis. Sem perder tempo, pego meu celular e ligo diretamente para a diretora da escola do Bruno. Escolhemos sempre as melhores escolas, a educação do nosso filho sempre foi em primeiro lugar.
- Bom dia, Cássia. Tudo bem? É a Talita, mãe do Bruno...
- Olá Talita, tudo bem e você? No que posso te ajudar?
- Gostaria de agendar uma reunião, o mais breve possível. Conversei com o Bruno e com o meu marido, temos algumas questões que gostaríamos de salientar e esclarecer. Você tem disponibilidade hoje? Temos uma certa urgência.
- Cla.. Claro.. Podem vir às 18h? – Percebo que sua voz fica trêmula e ela fica nervosa.
- Sim. Até as 18h, obrigada.
- Por nada, estou a disposição.
Confirmo com o Ju o horário e ele estará disponível. O dia passa voando, resolvo algumas questões no fórum e vejo que já são 17h30. Combinei com a babá de pegar os pequenos, para termos tempo na nossa reunião.
A diretora da escola é uma mulher de uns 45 anos, bem cuidada e educada. Eu já a conhecia, mas o Juliano não. Chego um pouco antes dele e ela me leva para a sala de reuniões, em seguida ele chega e não posso deixar de reparar que a mulher ficou chocada ao olhar para ele.
Essa vaca deveria saber que ele é dono de um dos maiores escritórios de advocacia do Brasil, então também devia achar que ele era um velho capenga. Ela não consegue disfarçar o olhar de cobiça e eu sinto meu sangue ferver. Ele está lindo, como sempre. Seu terno azul marinho impecável, barba milimetricamente cortada e exala perfume caro. Mas, é meu.
- Boa tarde, Dr. Juliano. Um prazer conhecê-lo.- Ela estende a mão e ele retribui sem muita emoção. Ainda bem porque eu ia quebrar uma cadeira nas costas dele.
Sentamos e deixo Juliano introduzir o assunto.
- É Cássia, certo? – Ele pergunta.
- Sim. – Ela responde sem tirar os olhos dele.
- Então, Cássia. Ocorreu uma situação com o nosso filho, o Bruno. Um colega de classe teve falas problemáticas, em relação ao meu filho. Somos adultos e sabemos que as crianças, muitas das vezes, reproduzem o que ouvem de seus pais. Digo isso, pois não quero acreditar que uma criança com menos de 10 anos pode ser tão maldosa. Ele foi rac1sta nas suas colocações e o Bruno não revidou, pelo contrário, o Bruno se deixou levar pelo que ouviu. Disseram que ele foi “achado” no sol, por isso é “marrom”. Acreditamos que isso será somente o começo de um período difícil para o Bruno, por isso queremos cortar o m*l pela raiz. – Ela olha com cara de espanto ao ouvir.
- Ainda, isso foi o que o nosso pequeno nos contou, mesmo sem querer. Nós o instigamos a falar, porque ele definitivamente não ia falar nada. Notando esse comportamento, percebemos que podem estar acontecendo outros tipos de assédio, que sequer sabemos. – Ele completa.
- Dr. Juliano, acho que assédio é uma palavra muito forte para uma situação dessas... – Ela responde tentando contornar a situação.
- Concordo, Cássia. O que aconteceu não foi assédio, foi rac1smo. Foi bully1ng. – Falo e ela fica totalmente sem graça, Juliano concorda com a cabeça.
- E, repito, isso foi o que soubemos. Nem imaginamos o que poderia estar acontecendo. Percebemos o Bruno mais retraído desde então. Queremos uma solução que vise o bem-estar do nosso filho. A escola tem que estar preparada para lidar com situações do tipo. Hoje teremos uma conversa com ele, explicando alguns pontos, depois disso será ainda mais complicado. Ele passará por duros percalços com o seu psicológico, a última coisa que queremos é que seus colegas o afundem mais ainda. Sei que estamos lidando com crianças, mas a responsabilidade legal é dos pais e, também da escola. – Ele fala de uma maneira incisiva, mas muito respeitosa.
Se tem uma coisa que não podem falar sobre esse homem, é que ele não sabe mediar situações de conflito. Por isso é um dos melhores advogados desse País.
- Eu entendo, Dr. Juliano. Isso não ficará assim, não permitimos esse tipo de atitude dentro da escola e lutamos para formar seres humanos com caráter e boa índole. Estou disponibilizando a psicóloga e teremos atividades para combater o rac1smo e segregação entre os colegas. Se isso não for o suficiente, nós faremos uma reunião geral com todos os pais e explicaremos a situação. Eu estou disponível para tudo o que for preciso. – Ela entende a gravidade da situação e, claro, fica com o c* na mão depois do que ouviu.
- Ótimo. Qualquer situação que ocorrer, faço questão que entre em contato comigo ou com o meu marido. Nossos telefones constam em todos os documentos e você tem o meu número pessoal. Agradecemos a disposição em nos ajudar. – Falo e saímos da escola, rumo a nossa casa. Não podemos mais adiar essa conversa com o Bruno.