Giovanni
O sangue se espalha pelo piso de ladrilhos, preenchendo as rachaduras do mármore a cada bala perdida e golpe de pé-de-c***a que falharam em atingir seus alvos. Como uma teia de aranha carmesim, infiltra-se entre as marcas de destruição, absorvendo cada respingo e borrifo até transformar o chão em um vasto mar vermelho. O líquido viscoso mancha os armários, desde as gavetas baixas até os armários altos que protegiam copos de cristal — uma ironia silenciosa diante da brutalidade exposta.
Mãos errantes repousam imóveis, como se congeladas no instante da morte.
Uma faca de açougueiro está a centímetros de dedos quebrados, os mesmos que se estenderam em um último e desesperado esforço antes que a vida escorresse por completo. Várias armas largadas ao acaso repousam entre os corpos, formando montes disformes ao redor do novo oceano rubro que tomou a cozinha.
Observo em silêncio a mancha se aproximar das solas dos meus sapatos de couro. Só então me movo, desviando do rio que ameaça me sujar ainda mais. Com calma quase absurda, pego uma maçã verde-limão dos destroços de uma tigela de vidro sobre a bancada. Estranhamente, essa maçã em particular permanece imaculada, alheia ao caos sangrento ao seu redor. Mesmo assim, esfrego-a na barra da camisa antes de dar o primeiro passo para fora da cozinha, em direção à ampla sala de estar.
— P–Por favor... — choraminga uma voz à minha esquerda.
Paro imediatamente.
— Eu faço qualquer coisa. O que você quiser. Dinheiro? Joias? A combinação do cofre? Eu consigo. Só, por favor, não me mate.
O homem estava ali desde que entrei, jogado contra o armário da parede, com três tiros cravados no peito. Sua tentativa patética de rastejar foi interrompida pelo som dos meus passos, e agora ele se agarra à esperança com a mesma força com que deveria ter se agarrado à dignidade — se é que ainda restava alguma.
Ignorando seu desespero, continuo lustrando a maçã, girando-a lentamente entre os dedos para garantir que esteja livre de sangue ou vísceras. Acima de mim, passos ecoam, seguidos por um grito agudo e uma sequência de disparos. Um baque surdo faz o homem ao meu lado estremecer, e ele se lança para a frente, gemendo de dor. O tecido rasgado de sua camisa revela uma tira de armadura corporal m*l disfarçada.
— Giovanni, por favor... seja lá o que você quiser, eu consigo. — Ele soluça, os olhos vermelhos de lágrimas. — Só, por favor, não me mate.
Dou uma mordida na maçã. O suco doce e ácido invade minha boca enquanto retiro a arma do coldre com a mesma lentidão meticulosa.
— Há quanto tempo você trabalha aqui? — pergunto, mastigando devagar.
— Q-Quatro anos.
— E nesses quatro anos, você alguma vez protegeu a Sra. Walker ou seus filhos?
Ele hesita. Péssima escolha.
— Já interveio quando o marido dela a espancou? Quando ameaçou vender os filhos dela aos russos?
— O Sr. Walker... ele é um... — sua voz falha.
— Você sentiu remorso quando ela mandou os filhos para o exterior, para salvá-los, e depois tirou a própria vida se jogando do arranha-céu do centro?
O silêncio dele é uma confissão. O olhar baixo, um veredito.
— Achei que não.
Sem mais uma palavra, aponto a arma para seus olhos marejados e puxo o gatilho. O estampido ecoa abafado pela sala, mas o respingo de sangue e massa encefálica atinge minha perna.
— Ótimo. — Suspiro, guardando a arma. — Meus sapatos, p***a. i****a.
Chuto o cadáver para longe e dou mais uma mordida na maçã enquanto a porta de correr se abre. Enzo entra com sua expressão habitual de desdém, caminhando até mim sem pressa. No caminho, para apenas para garantir que outro corpo tremente receba um último tiro de misericórdia.
— Encontrou? — pergunto, mordendo mais uma vez.
— Tudo. — Ele ergue um pen drive preto. — As escrituras das butiques estão aqui. As cópias impressas já estão a caminho.
Olho em volta. O estômago embrulha, mas não por nojo — por tédio.
— Terminamos aqui. Vamos dar o fora.
"Misericordioso" nunca foi e nunca será um adjetivo que usem para me descrever. Quando a notícia do m******e da família Walker se espalhar, todos apontarão para mim. E estarão certos. Pelo menos, até certo ponto.
Ninguém saberá que a Sra. Walker veio até mim pedindo ajuda enquanto eu estava fora do país. Que voltei tarde demais. Que fui eu quem recolheu seu corpo do necrotério. Ninguém saberá que seus filhos estão a salvo, escondidos sob minha proteção. Isso aqui é só justiça — justiça à moda antiga.
— Você está bem? — Enzo pergunta enquanto saímos da mansão, caminhando rumo à fila de carros pretos estacionados.
— Mmhmm. — Mastigo a última mordida antes de lançar o resto da maçã em um dos canteiros destruídos. — Quero o endereço de todas as butiques. Esvazie-as. Não sobrou ninguém. Vamos reabrir com nosso nome. O que vendem em butiques, afinal?
— Sei lá. Roupas? De qualquer forma, eram fachada para lavagem de dinheiro.
— Huh.
— Mais uma coisa. — Enzo me cutuca com o ombro. — Recebi uma ligação enquanto você estava ocupado. Romeno Catalano. Ele aceitou seus termos.
Paro. O cascalho range sob meus pés.
— Você está de brincadeira.
— Não. E parecia ansioso, pra ser sincero.
— Merda. — Respiro fundo, deixando o ar fresco da noite me limpar do cheiro de pólvora e sangue. — Eu só queria ver aquele verme se contorcer. Não achei que ele realmente venderia a própria filha.
Horas depois, já de volta ao meu escritório, recosto-me na poltrona de couro, cruzando as pernas sobre a mesa. A fogueira crepita à minha direita, lançando sombras dançantes nas estantes abarrotadas de livros que só servem de decoração. Na mão, um copo de uísque. Diante de mim, o dossiê de Victoria Catalano.
Filha única. Vinte e cinco anos. Mãe falecida quando ela tinha dez. Uma artista, voluntária em hospitais. Alvo fácil de um pai desesperado.
Quando vi as fotos, admito que meu coração deu um salto. Aqueles olhos oceânicos, o cabelo ruivo flamejante, o sorriso de quem nunca viu a sujeira do mundo — ou escolheu ignorá-la.
Ela ia se casar com Vicente Moretti. Outro nome que risquei da face da Terra recentemente.
— Interessante — murmuro, folheando de volta até a foto onde o cabelo dela parece incendiar-se ao sol.
Disco o número de Enzo.
— Senhor?
— Ligue para o Romeno. O acordo está fechado.
— Entendido. Mais alguma coisa?
Fecho o arquivo, um sorriso nascendo no canto dos lábios.
— Diga a ele que vamos nos casar em maio. E que quero o tamanho do vestido dela.
— O senhor está planejando o casamento?
— Claro que sim. — Rio baixinho. — De que outra forma eu daria as boas-vindas à minha noiva?