NÃO Era pra ser!

Capítulo 1 – O Peso de Voltar Para Casa O sol se despedia no horizonte, pintando o céu de laranja e rosa, mas dentro da casa dos Montenegro, o frio não tinha nada a ver com a temperatura lá fora. Eu cresci ali, mas nunca senti que pertencia de fato àquele lugar. A diferença de tratamento entre mim e minha irmã gêmea, Laysa, era como um corte que nunca fechava. Sempre aberto, sempre doendo. Enquanto ela era cercada de amor, eu era a sombra no canto, ignorada. Meus pais estavam sempre ocupados demais com os negócios, mas, de alguma forma, sempre achavam tempo para Laysa. Nascemos prematuras, e ela veio mais frágil. Isso virou justificativa pra tudo. Ela precisava de mais atenção, de mais cuidados, de mais amor. E eu? Bem, eu sempre fiquei à margem, invisível. Não que eles não cobrassem de mim, porque cobravam. Queriam o melhor de mim, mas nunca esperavam nada. Tanto fazia. Se eu errasse ou acertasse, o resultado não fazia diferença. Medicina foi minha paixão desde que me entendo por gente. Mas enquanto Laysa era incentivada, eu só ouvia piadas, como se fosse uma bobagem qualquer. Como se não tivesse capacidade. Foi assim a vida inteira. Então, eu fiz a única coisa que podia fazer: saí dali. Peguei o apoio financeiro deles e fui embora. Sem despedidas, sem olhar pra trás. Mergulhei nos estudos. Na dedicação obsessiva de alguém que queria provar que era mais do que apenas a "outra filha". Por anos, só existia uma coisa na minha vida: ser excelente. Mas, no fim, não importa o quanto a gente fuja. Algumas coisas sempre nos puxam de volta. A notícia da morte de Laysa caiu sobre mim como um soco no estômago. Fiquei paralisada. E agora, aqui estou eu, voltando para o lugar que jurei nunca mais pisar. Mas dessa vez, eu não sou a mesma. .... O apartamento estava um caos enquanto eu terminava de fazer as malas. Sofia, minha amiga e colega de apartamento, parou na porta do meu quarto, cruzando os braços e me olhando com aquele jeito de quem sabe que eu não estou nada bem. — Tá quase na hora, né? Assenti, tentando sorrir, mas o peso no peito não deixava. — Sim. Meu olhar foi direto pra cama, onde Toddy, meu cachorro, estava deitado, como se soubesse que eu ia embora. — Pode cuidar dele pra mim? — pedi, sentindo um nó na garganta. Sofia sorriu, balançando a cabeça. — Claro! Vou cuidar dele como se fosse meu. Você sabe que eu adoro esse bagunceiro. Acariciei Toddy, lembrando do dia em que o encontrei, sujo e faminto, na frente do mercado. Gastei o pouco dinheiro que tinha com ele naquele mês, mas nunca me arrependi. Ele se tornou minha família. Minha mãe o viu uma vez, numa chamada de vídeo. No segundo seguinte, estava chamando ele de "pulguento". O engraçado é que achei que já tinha superado essa mágoa, mas não. Ainda estava ali. Ainda doía. Sofia percebeu que eu estava longe, perdida nos próprios pensamentos. — Ei, vai ficar tudo bem — ela disse, segurando meu braço. — Você é forte. Forcei um sorriso. — É, eu sei. Mas no fundo, eu não sabia. .... O aeroporto estava cheio, mas eu me sentia sozinha. A cada passo, a cada segundo, a sensação de sufocamento aumentava. Voltar para casa nunca pareceu tão pesado. Quando entrei no avião, só queria sentar e respirar um pouco. Mas, claro, nem isso seria fácil. — Com licença, acho que esse é meu assento. Olhei para o rapaz parado na minha frente. Ele tinha um bilhete na mão e um sorriso de quem não sabia muito bem o que fazer naquela situação. — O quê? — Franzi a testa, checando meu próprio bilhete. — Eu também tenho esse assento. — Parece que houve um erro... Ótimo. Só o que me faltava. A aeromoça veio resolver o problema, e no fim, colocaram cada um de nós em um lugar diferente. Mas antes que ele fosse para o novo assento, estendeu a mão. — j**k. Hesitei por um segundo antes de apertá-la. — Layla. Ele me olhou de um jeito que me fez querer desviar o olhar. Como se tivesse enxergado algo além da minha fachada de "tá tudo bem". — Você não parece estar bem... — ele disse, com aquela voz calma demais. Suspirei. Será que valia a pena contar? Ele era só um estranho. — Minha irmã morreu. Tô voltando pra casa por causa disso. Ele ficou sério. — Sinto muito, Layla. Assenti, sem saber o que dizer. — Se quiser falar sobre isso, eu ouço — ele ofereceu. Não sei o que foi, talvez o fato de ele não me conhecer, mas aceitei. E ali, naquele voo, no meio de um monte de desconhecidos, acabei contando para ele um pouco da minha história. Não sobre tudo, claro. Não sobre como sempre fui a segunda opção. Mas o suficiente para aliviar um pouco o peso no peito. No fundo, eu sabia que voltar não seria fácil. Mas dessa vez, eu ia fazer diferente. Dessa vez, todos iam ver que já não era mais a mesma.