As manchetes tomaram os portais de notícias no mundo todo:
“Magnata do setor alimentício preso por crimes financeiros e sequestro.”
“Karen Diniz, a empresária brasileira que desmascarou um império de corrupção.”
“Casal de rivais se torna símbolo de superação e justiça.”
Karen fechou o notebook e suspirou. Nos últimos três dias, seu nome havia se transformado em sinônimo de coragem e estratégia. Mas por trás da imagem de mulher poderosa que estampava revistas, havia apenas alguém cansada. Exausta física e emocionalmente. E talvez, pela primeira vez em muito tempo, vulnerável.
Ela se virou e olhou para David, deitado no sofá do quarto de hóspedes na casa de Heitor. Estavam em São Paulo agora, longe da agitação de Orlando, buscando paz no meio da reviravolta que suas vidas haviam sofrido.
David ainda tinha marcas no rosto. Cicatrizes frescas. Mas era no olhar que ela percebia a mudança. Ele estava diferente. Mais quieto, mais introspectivo. O sorriso provocador tinha dado lugar a uma expressão madura, quase melancólica.
— Está me encarando de novo — disse ele, sem abrir os olhos.
— Você percebe até isso agora?
— Sempre percebi. Só não dava importância.
Ela se sentou ao lado dele.
— Está tudo acontecendo rápido demais. A polícia, a mídia, os advogados... — murmurou.
— E a gente? — perguntou ele, abrindo os olhos.
Karen hesitou por um segundo.
— A gente precisa respirar. Reaprender a existir sem guerra.
David assentiu.
— Nunca fui bom nisso. Sempre vivi em modo de ataque.
— Eu também. Mas não quero mais viver assim.
Ele esticou a mão e entrelaçou os dedos aos dela.
— Então vamos tentar algo novo. Vamos viver em paz.
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No dia seguinte, a sede da empresa de Karen estava um caos controlado.
As ações haviam disparado com a repercussão positiva, investidores buscavam parcerias e os funcionários celebravam a prisão dos envolvidos no esquema de Thomas Grey. Pela primeira vez em anos, não havia medo no ar, apenas otimismo.
Karen entrou no prédio acompanhada de David. Ele usava uma camisa social clara e blazer escuro. Nada do antigo ar arrogante — havia humildade em seus gestos, e respeito nos olhares que trocava com todos ao redor.
Ao entrarem na sala de reuniões, foram recebidos com aplausos. Heitor, que agora atuava como braço-direito de Karen, fez um breve discurso:
— Hoje, celebramos mais do que uma vitória empresarial. Celebramos integridade, coragem e união. Karen nos mostrou que é possível vencer sem abrir mão dos valores. E David... — fez uma pausa, encarando o homem ao lado dela — ...nos mostrou que até quem erra pode mudar, se quiser.
Karen não conteve a emoção. Olhou para David e sussurrou:
— Está pronto para começar de novo?
— Com você, sempre.
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Naquela noite, Karen decidiu mostrar algo a ele.
Conduziu David até o terraço do prédio onde morava. As luzes da cidade brilhavam como constelações artificiais, e o vento fresco fazia seus cabelos balançarem.
— O que estamos fazendo aqui? — ele perguntou.
— Você lembra quando me deixou sozinha naquele banco, com o coração em pedaços?
David engoliu em seco.
— Lembro.
— Eu prometi a mim mesma que, um dia, estaria tão acima de você que, se nos cruzássemos de novo, seria você quem olharia para mim como quem perdeu algo valioso.
— E eu perdi — respondeu ele sem hesitar. — Mas tive uma segunda chance. Você me deu isso. E eu não vou desperdiçar.
Karen o encarou com os olhos marejados.
— Você ainda tem muito a provar, David. Para mim. Para si mesmo.
Ele se aproximou, encostando a testa na dela.
— Então me deixa ficar. Me deixa mostrar, com o tempo, que sou digno da mulher que você se tornou.
Ela o beijou. Um beijo sem urgência, sem jogos. Um beijo de reencontro, de promessa silenciosa. Um beijo que selava o fim da dor e o início de algo novo.
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Nos dias que seguiram, começaram a reconstruir.
David assumiu um cargo simbólico na empresa de Karen — um projeto social voltado a jovens empreendedores. Era o primeiro passo de sua redenção pública. Ele se dedicava com afinco, não para impressionar, mas para se reconectar com a parte dele que havia ignorado por tantos anos: a que desejava fazer algo bom.
Karen, por sua vez, mergulhou no projeto com ele. Juntos, visitaram comunidades, participaram de feiras, abriram espaço para startups promissoras e mudaram o rumo da fundação que antes era apenas uma vitrine.
E, aos poucos, o passado foi perdendo força.
As mágoas, os traumas, os erros... foram ficando mais leves.
Não esquecidos. Mas curados.
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Meses depois, em uma viagem a Paraty, Karen caminhava descalça pela praia ao entardecer, com David ao lado. Ela ria das piadas bobas dele, e ele a olhava como se ainda não acreditasse que ela estava ali, de verdade, por escolha.
— Eu ainda tenho medo — confessou Karen, pegando uma concha no chão.
— Medo de quê?
— De acordar e tudo isso ter sido uma ilusão. De que a dor volte. De que eu volte a perder o controle.
David pegou a concha de sua mão e a jogou ao mar.
— Então vamos fazer um pacto. A cada medo seu, eu ofereço um motivo para você ficar.
Karen sorriu, encostando a cabeça no ombro dele.
— E se um dia não bastar?
— A gente recomeça. De novo e de novo. Até que viver com você se torne a única coisa que eu saiba fazer direito.