A tempestade caiu sobre Orlando como um presságio.
Karen olhava pela janela do carro enquanto a chuva escorria como lágrimas pelo vidro. Algo estava errado. O silêncio de David ao longo do dia, a ausência de respostas nas mensagens, o sumiço súbito dele do hotel onde estavam escondidos. Tudo em seu corpo gritava: perigo.
Ela apertou o celular contra o peito como se a força do gesto fosse suficiente para protegê-lo. Mas a notificação que chegou a seguir destruiu qualquer vestígio de controle:
“Se quiser vê-lo vivo, venha sozinha. Endereço abaixo. Nada de polícia.”
Anexo à mensagem, uma foto de David. Amarrado. Com sangue no canto da boca e um olhar determinado, mesmo machucado. Ela prendeu a respiração e cerrou os punhos.
— Ele não vai morrer por minha causa — sussurrou para si mesma, como se prometesse à versão ferida de si própria que nunca mais perderia quem amava.
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Karen não hesitou. Vestiu-se com roupas escuras, deixou o celular rastreável para trás e saiu apenas com um pendrive no bolso e a convicção no olhar. Ela sabia o que aquele jogo exigia.
Antes de sair, escreveu um bilhete para Heitor:
“Se eu não voltar em três horas, entregue tudo à imprensa. Não tente me procurar. Confie em mim.”
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O endereço a levou até um galpão no extremo leste da cidade, próximo ao pântano, onde a civilização parecia ausente e o medo ganhava eco. O local era velho, enferrujado, cheirava a mofo e decadência.
Karen desceu do carro, a chuva molhando seus cabelos soltos e a roupa colada ao corpo. Mas seu olhar era firme. Ela não era mais a menina de dezessete anos que fugira de coração partido. Era a mulher que construíra um império — e que estava disposta a destruí-lo para salvar quem amava.
Ela entrou devagar.
— Eu vim sozinha! — gritou.
Sua voz ecoou no galpão vazio… até que passos começaram a soar.
Thomas Grey surgiu das sombras como um fantasma elegante. De terno escuro, cabelo penteado com perfeição e um sorriso frio nos lábios.
— Sempre admirei sua coragem, Karen.
Ela o encarou com desdém.
— Deixe David ir.
— Ah, mas você sabe que não é assim que funciona, não é? Isso aqui não é um conto de fadas, minha cara. É guerra. E em guerras, cada fraqueza é um alvo.
Karen deu um passo à frente.
— Se isso é uma guerra, então por que está com medo?
Thomas riu.
— Medo? Você está enganada.
— Então por que me sequestrou? Por que usa meu passado? Por que precisa manipular para vencer? Porque sabe que, se jogarmos limpo, você perde.
A tensão no ar ficou densa como a tempestade lá fora.
— Você trouxe o pendrive? — perguntou ele.
Karen tirou o objeto do bolso lentamente e o ergueu.
— Está aqui. Toda a sua vida exposta. As contas, os nomes, os crimes. Um dossiê completo. Mas você não vai destruí-lo. Porque eu já enviei cópias para sete lugares diferentes. Isso aqui... é só para negociar.
Thomas se aproximou lentamente.
— O que quer?
— David. Vivo. Agora.
Ele fez um gesto. Dois homens surgiram do fundo do galpão trazendo David. Ele cambaleava, o rosto ainda machucado, mas respirando, consciente.
— Karen... não — sussurrou ele ao vê-la.
Ela ignorou.
— Soltem ele.
Thomas cruzou os braços.
— Você primeiro. O pendrive.
Ela lançou o objeto a alguns metros dele.
Thomas pegou, sorriu, mas antes que pudesse comemorar, uma explosão de luz invadiu o lugar.
Polícia.
FBI.
Drones.
Câmeras.
A confusão foi imediata. Gritos. Sirenes. Homens armados rendendo os capangas. Thomas tentando fugir, mas sendo imobilizado por um agente.
Karen correu até David e o abraçou com força, como se seu coração só batesse com ele por perto.
— Você está bem? — perguntou, chorando.
— Agora estou — respondeu ele, fraco, mas sorrindo.
Heitor surgiu em meio ao tumulto, com o celular em mãos e um olhar de orgulho.
— Não consegui confiar em você. Me perdoa por não seguir suas instruções.
Karen riu entre lágrimas.
— Obrigada por não confiar.
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Horas depois, no hospital, David recebia os primeiros socorros. Nada grave. Hematomas, alguns cortes, mas sem sequelas. Enquanto ele descansava, Karen sentou na varanda da ala privativa e encarou o céu, agora limpo, com estrelas tímidas surgindo.
O pior havia passado.
Thomas fora preso por fraude, associação criminosa e tentativa de homicídio. O material do pendrive já estava sendo veiculado na mídia internacional. Sua empresa despencava na bolsa. Lucas também fora levado sob custódia. E tudo indicava que, pela primeira vez em anos, justiça seria feita.
Mas, mesmo assim, Karen sentia um vazio estranho. Como se o fim da guerra tivesse deixado espaço para lidar com o que havia sido enterrado durante a batalha: suas feridas.
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David acordou no meio da noite e a encontrou sentada na poltrona, perdida em pensamentos.
— Ei — disse ele, com voz rouca. — Parece que você ganhou.
— Ainda não sei se ganhei ou só sobrevivi.
Ele estendeu a mão, e ela se aproximou.
— Sobreviveu. Mas sobreviveu com dignidade. Com coragem. E agora pode viver, de verdade.
Karen o abraçou e encostou a testa na dele.
— Você foi meu ponto fraco por muito tempo.
— E agora?
Ela sorriu.
— Agora, é meu ponto de equilíbrio.