Karen encarava a janela do apartamento seguro onde estava com David. Lá fora, Orlando amanhecia com céu alaranjado e ruas ainda silenciosas. Mas dentro dela, o dia já havia começado em guerra.
— Você não dormiu — comentou David, se aproximando devagar, com o rosto ainda machucado.
Ela desviou o olhar.
— Não consigo. Desde que saímos daquele galpão, minha mente não para.
David se aproximou e tocou suavemente o ombro dela.
— Eu conheço esse olhar. Você está prestes a fazer alguma loucura, não é?
Karen o encarou com um sorriso discreto, mas sem humor.
— Loucura seria esperar que esses homens parem só porque denunciamos. Eles vão continuar até nos destruir. Eu não vou esperar mais.
— Então me deixe ir com você — disse ele, firme.
Ela hesitou.
— Não posso te envolver mais do que já envolvi.
— Eu não sou mais o garoto i****a que brincava com seus sentimentos. Estou aqui porque acredito em você. E vou até o fim.
Ela finalmente assentiu. A confiança entre eles não era apenas fruto de um passado compartilhado — era um laço forjado agora, em meio ao caos.
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Horas depois, já no escritório do advogado norte-americano que Karen contratara, provas foram entregues, arquivos criptografados revelados e testemunhas indicadas.
Mas o que ninguém esperava era o telefonema que chegou no celular de Karen pouco depois.
Número restrito.
Ela atendeu, desconfiada.
— Alô?
— Olá, Karen. Há quanto tempo...
A voz era masculina, aveludada, carregada de sarcasmo. E, mesmo assim, extremamente familiar.
Ela prendeu a respiração.
— ...Lucas?
— Achei que você não fosse lembrar de mim.
Karen sentiu um nó na garganta. Lucas havia sido seu melhor amigo de infância no Brasil. Eles cresceram juntos até os treze anos, quando ela se mudou para os Estados Unidos. Era o único garoto que a fazia rir, mesmo nos dias escuros após a perda dos pais. Mas depois da mudança para Orlando, eles perderam completamente o contato.
— Como você conseguiu esse número?
— Eu trabalho para Thomas Grey. E ele quer conversar.
Karen congelou.
— Você está me ameaçando?
— Não, estou te dando uma chance. Uma única chance de parar com tudo antes que algo r**m aconteça com você… ou com o David.
— Você está do lado deles?
— Estou do lado de quem me deu uma vida. Você me esqueceu, Karen. Mas eu nunca esqueci o que era ser invisível para você, mesmo quando eu te amava em silêncio.
— Isso não justifica nada! — gritou ela, sentindo o coração apertado pela traição.
— Eles vão te destruir. E eu não poderei te proteger se continuar assim.
A ligação caiu.
Karen ficou parada, o celular ainda na mão, os olhos marejados, mas não por fraqueza — por raiva.
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— Quem era? — David perguntou, vendo sua expressão ao entrar na sala.
Ela demorou a responder.
— Alguém do meu passado. Alguém que eu achava que era um aliado… virou inimigo.
Ela sentou no sofá com força.
— Eles estão jogando sujo, David. Estão usando emoções, memórias, tudo. Querem me quebrar por dentro.
— E vão conseguir?
— Não. Mas vão me obrigar a tomar decisões que eu nunca quis tomar.
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Nos dias seguintes, a imprensa americana começou a receber denúncias anônimas. Documentos que comprovavam fraudes milionárias, contratos ilícitos e nomes de laranjas foram divulgados discretamente em grandes veículos.
Karen estava por trás de tudo.
Ela sabia que não podia confiar no sistema por completo — então decidiu usar o tribunal mais poderoso: a opinião pública.
Mas a resposta de Thomas foi rápida. No terceiro dia, fotos de David sendo "resgatado" por Karen vazaram em sites duvidosos, acompanhadas de manchetes sensacionalistas:
“Empresária brasileira envolvida com chefão de cartel norte-americano?”
“Resgate ou aliança? O passado sombrio de David Cooper vem à tona.”
Karen socou a mesa ao ver.
— Era só questão de tempo — disse Heitor, que a acompanhava desde o Brasil. — Mas não se preocupe. Já estamos apagando as manchetes, rastreando as fontes e preparando o contra-ataque.
— Eu não quero apenas apagar. Quero virar esse jogo de vez.
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Naquela noite, sozinha na sacada do hotel, Karen recebeu outra mensagem de número desconhecido.
Era uma foto dela e David, tirada do alto, claramente de algum drone ou telescópio. A legenda dizia:
“Você é a fraqueza dele. E agora, é nossa também.”
Karen respirou fundo. Era isso que eles queriam: fazer com que ela sentisse medo. Desestabilizá-la. Mas ela havia chegado longe demais para recuar.
Na manhã seguinte, ela chamou David e Heitor para uma reunião particular.
— Quero que comecemos o plano de contra-ataque hoje mesmo — disse ela. — Quero que as empresas deles comecem a afundar. Mas de forma legal. Vamos expor todas as operações fraudulentas, uma por uma.
David se surpreendeu.
— Você está disposta a jogar sujo?
Karen o olhou com frieza.
— Não é jogar sujo. É jogar como eles jogam. Só que com inteligência. O que me fizeram no passado me transformou. Mas agora... o que estão tentando fazer com a gente? Isso me deu um propósito.
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Horas depois, em uma mesa de reunião secreta com uma das maiores emissoras jornalísticas da América Latina, Karen entregou os documentos finais.
— Eu não quero manchetes sensacionalistas. Quero a verdade. Quero o dossiê inteiro, completo, detalhado. E quero no ar em 48 horas.
A jornalista assentiu, empolgada.
— Vai ser o nosso furo do ano.
Karen levantou, pronta para partir.
— Vai ser o começo do fim de Thomas Grey.
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Mas longe dali, em um casarão isolado nos arredores de Tampa, Thomas ouvia a gravação da conversa entre Karen e a jornalista.
Ele desligou o aparelho e encarou Lucas, o velho amigo de Karen agora corrompido pela ambição.
— Ela está indo longe demais.
— E o que vamos fazer?
Thomas acendeu um novo charuto.
— Vamos devolver na mesma moeda. Chegou a hora de Karen sentir o gosto da perda de novo. E sei exatamente onde atingir.