O Orgulho Rachado

945 Palavras
David olhava fixamente para a tela do computador, como se a intensidade do seu olhar fosse suficiente para mudar os números que piscavam em vermelho. Mas não mudavam. Não importava quantas vezes atualizasse as planilhas, os relatórios ou os gráficos: o resultado era o mesmo. Negativo. Alarmante. Irreversível. A empresa que ele herdara do pai, a mesma onde crescera entre reuniões e corredores de vidro, estava afundando. E rápido. Brian, seu pai, havia se afastado dos negócios há dois anos, após um problema de saúde. Confiou em David para manter a empresa no alto, tal como ela sempre foi — forte, moderna, competitiva. E David, cheio de confiança e ousadia, decidiu inovar, investir pesado em tecnologia e expandir para setores que m*l conhecia. No início, parecia promissor. As manchetes elogiavam. Os sócios aplaudiam. Mas bastou um trimestre fraco, um mau contrato, e o castelo começou a ruir. As dívidas se empilhavam como peças de dominó prestes a desabar. Os investidores estavam inquietos, alguns já tinham pulado fora. Os concorrentes sentiam o cheiro de fraqueza no ar. E David... bem, David estava descobrindo, da pior forma, que não era invencível. O orgulho que sempre carregou no peito, aquele que lhe dava a postura arrogante de dono do mundo, agora pesava como chumbo. Pela primeira vez, ele sentia medo. Não pelo fracasso em si — ele até acreditava poder recomeçar, se necessário —, mas pela vergonha. Pela humilhação. Pela sensação de que todos estavam assistindo sua queda com pipoca na mão. Foi seu sócio mais antigo, Marc, quem sugeriu o contato. — Temos uma saída. Talvez a única viável nesse momento. — disse ele, com a calma de quem já tinha visto outros caírem. — Existe uma empresa no Brasil. Mesmo setor, estrutura enxuta, capital de sobra. A CEO é jovem, mas extremamente respeitada. Se conseguirmos uma parceria com ela, talvez consigamos sobreviver. David arqueou a sobrancelha. — Brasil? — Sim. Já ouviu falar da K.V. Holdings? Ele não tinha. E, sinceramente, não se interessava. Mas, naquela altura, qualquer coisa era melhor do que ver sua herança virar pó. Ele pediu os dados, analisou os números. A empresa brasileira era sólida, lucrativa, em plena expansão. Uma fusão parcial ou aliança estratégica poderia ser exatamente o que ele precisava. — Qual o nome da CEO? — perguntou, enquanto deslizava os olhos pelo site da companhia. Marc hesitou por um segundo. — Karen Vieira. O nome entrou em seus ouvidos como uma brisa. Familiar, porém distante. Ele piscou, encarando o rosto da mulher que aparecia na tela. Os traços... havia algo ali. Forte, elegante, mas com olhos que pareciam esconder uma história. Demorou alguns segundos até a ficha cair. — Espera. Karen Vieira? — David repetiu, quase rindo. — Aquela... Karen? Marc o olhou, confuso. — Você a conhece? David recostou-se na cadeira, encarando o teto. Conhecia. Ou pensava conhecer. A menina magricela, insegura, apaixonada por ele como uma i****a. Aquela que foi embora sem aviso e nunca mais deu notícias. A última lembrança que tinha dela era sua expressão humilhada ao saber que ele não sentia nada por ela. Foi c***l, ele sabia. Mas nunca pensou muito nisso. Ela era só... uma fase. Um capricho. — Não acredito... — murmurou, agora com um sorriso torto. — Isso é inacreditável. — É ela mesma. E se tornou uma das empresárias mais influentes do Brasil no setor. David fechou o laptop lentamente, ainda processando. Não sabia se ria ou se se encolhia diante da ironia do destino. Justo ela. Justo a garota que ele um dia ridicularizou, agora era sua única salvação. — E você acha que ela vai aceitar me ajudar? Marc suspirou. — Depende de como você for até ela. Vai ter que engolir o orgulho, David. Isso aqui é negócio. Não história de colégio. Ele sabia disso. E odiava admitir. --- Uma semana depois, Karen estava em sua sala, revisando contratos de uma nova parceria com uma rede de tecnologia, quando sua secretária bateu na porta. — Dra. Karen, o Sr. Leonardo da embaixada americana está na linha. Quer falar com a senhora com urgência. Ela franziu o cenho e atendeu. A conversa foi curta, formal, mas ao final, o nome apareceu. David Williams. Ele havia enviado uma proposta de reunião para discutir uma possível aliança empresarial. Estaria no Brasil dentro de três dias. E queria encontrar-se com ela pessoalmente. Karen deixou o telefone no gancho, sentindo uma onda de emoções percorrer seu corpo. David. Fazia sete anos desde a última vez que o vira. Sete anos desde que ele a humilhou, desde que ela se prometeu nunca mais permitir que alguém a fizesse se sentir pequena. E agora, lá estava ele, vindo atrás dela. Precisando dela. Ela não sorriu. Não sentiu satisfação ou vingança. Sentiu apenas... controle. Pela primeira vez, era ela quem ditava as regras. E isso era o bastante. --- Três dias depois, a porta de vidro se abriu. David entrou, usando um terno cinza escuro impecável, a expressão séria, os olhos tentando não demonstrar surpresa. Mas falharam. Karen estava sentada atrás da mesa, vestindo um blazer branco e calça preta. O cabelo preso num coque elegante, os lábios pintados de vermelho discreto, a postura ereta. Quando seus olhos se encontraram, ele sentiu algo estranho no peito. Era ela. Mas não era. — Sr. Williams — disse ela, com um leve aceno de cabeça. — Bem-vindo à K.V. Holdings. Ele respirou fundo. — Karen... — Doutora Vieira, por favor — corrigiu, sem alterar o tom. — Aqui, não tratamos assuntos pessoais. Apenas negócios. David sorriu de canto. Ele gostava de desafios. Mas algo lhe dizia que esse seria o maior de sua vida.
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