David sentou-se à frente de Karen com a segurança ensaiada de quem passou anos acostumado a dominar reuniões. Mas, naquele momento, era ela quem conduzia tudo — com seu olhar firme, seu silêncio calculado, seu controle absoluto do ambiente.
— Então — ela começou, cruzando as pernas com elegância. — Você precisa de mim.
Ele engoliu seco. O tom dela não era provocador. Era factual, direto, como se estivesse apenas narrando o óbvio. E estava.
— Preciso da sua empresa. — David respondeu, tentando manter a compostura. — Ambas as companhias atuam em setores complementares. Podemos crescer juntos. A proposta de aliança estratégica envolve um intercâmbio tecnológico, acesso ao nosso banco de dados e distribuição nos EUA.
Karen não piscou. Apenas analisava.
— Interessante. — disse ela, mexendo em um bloco de notas. — Mas por que eu investiria numa empresa à beira da falência?
David respirou fundo. O ego queimava. Ele não estava acostumado a ser desafiado daquela forma — muito menos por alguém que um dia foi só uma sombra aos seus pés.
— Porque, apesar das dificuldades, nossa empresa ainda tem valor de mercado. Temos tecnologia própria, patentes exclusivas, uma base sólida. Estamos com problemas de fluxo, sim, mas com a parceria certa...
— ...vocês sobrevivem — ela completou, fria. — E vocês querem que eu seja essa parceria.
— Você tem visão, Karen. Sabe que, com um plano bem estruturado, podemos lucrar muito.
Ela sorriu. Pequeno. Suficiente para deixá-lo ainda mais desconcertado.
— Não me chame de Karen — disse, firme. — Aqui, sou a presidente da K.V. Holdings. Você pode me chamar de Dra. Vieira ou Sra. Vieira.
David assentiu lentamente, como se aquilo fosse mais um golpe.
— Certo... Dra. Vieira.
Silêncio. Um longo silêncio.
Karen apoiou os cotovelos na mesa e entrelaçou os dedos.
— Sabe, David, eu costumo tomar decisões baseadas em dados. Mas tem uma coisa que ainda me intriga.
— O quê?
— Você. — respondeu, direta. — Por que veio pessoalmente? Podia ter enviado um diretor, feito uma apresentação online... Mas preferiu vir até aqui, sentar-se à minha frente, e me encarar depois de tudo.
David desviou os olhos por um breve segundo.
— Porque eu sabia que não conseguiria convencê-la de longe.
— Você acha que consegue me convencer de perto?
Ele ergueu o olhar. Havia uma fagulha nos olhos dele. Parte desafio, parte algo que ela não conseguia identificar de imediato.
— Quero tentar — respondeu com sinceridade.
Karen o estudou por mais alguns segundos. Sabia jogar aquele jogo. Já enfrentara homens muito mais perigosos que David nos conselhos de administração. Mas aquele era pessoal. E por isso, mais delicado.
— Vamos fazer o seguinte — disse ela, levantando-se e caminhando até a janela com vista para o mar. — Vou analisar sua proposta com calma. Minha equipe de finanças vai revisar os números. Se algo me interessar, voltamos a conversar.
— E se não interessar?
Ela se virou, o rosto iluminado pela luz do fim de tarde.
— A porta é a mesma por onde você entrou.
David riu de canto. A velha Karen teria chorado por essa frase. A mulher à sua frente a entregava com um tom gelado e sereno que ele nunca imaginou ouvir dela.
— Você está diferente.
— Eu sou diferente. — respondeu, categórica. — As dores fazem isso com as pessoas. Algumas viram vítimas. Outras, donas do próprio império.
David a observou por longos segundos, como se tentasse enxergar vestígios da garota de antes. Mas ela havia sumido. No lugar, havia uma mulher que ele não conseguia decifrar — e isso o incomodava tanto quanto o fascinava.
— Espero que considere a proposta — disse ele, levantando-se.
— Eu também. Se valer meu tempo.
Ele caminhou até a porta, mas antes de sair, virou-se.
— Você se tornou poderosa, Karen. Isso é... admirável.
Ela o encarou por cima dos óculos.
— Eu não estou aqui para ser admirada, David. Estou aqui para comandar.
A porta se fechou atrás dele com um clique seco. Karen sentou-se novamente, soltando o ar devagar. As emoções vinham em ondas, mesmo que o rosto permanecesse inexpressivo.
Ela sabia que aquela história estava longe de terminar. Ele voltaria. Por negócios. Ou por orgulho. Talvez por algo mais. Mas agora, ela estava preparada. E pela primeira vez, não era ela quem corria atrás.
Era ele.
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Nos dias seguintes, Karen mergulhou na proposta de David com sua equipe. Os dados eram sólidos, apesar das dívidas. Havia mesmo potencial. Um risco, claro — mas também uma oportunidade de expansão internacional sob controle brasileiro. E isso a seduzia mais do que qualquer lembrança.
Enquanto isso, David permanecia no Rio, hospedado em um hotel de luxo. Passava os dias revendo relatórios, ligando para sócios, tentando manter a esperança viva. Mas, no fundo, pensava nela. Na mulher que o encarava com frieza. Na menina que ele destruiu com palavras que agora voltavam como um eco incômodo.
E, ao anoitecer do quarto dia, o telefone de Karen tocou. Era sua secretária:
— Dra. Vieira, o Sr. David Williams pediu para marcar uma nova reunião. Disse que deseja conversar... sem números. Apenas uma conversa entre vocês dois.
Karen sorriu, um pouco surpresa. E um pouco curiosa.
— Diga a ele que estarei disponível amanhã, às nove. Mas nada pessoal. É apenas estratégia.
Mas no fundo, ela sabia. Nenhum dos dois conseguia mais separar o passado do presente. E a tensão entre os dois... estava só começando.