O relógio marcava exatamente 21h quando Karen entrou no restaurante do hotel onde David estava hospedado. Não era um lugar qualquer — era elegante, sofisticado e discreto. Um ambiente perfeito para conversas em que as palavras importavam tanto quanto os olhares.
Ela usava um vestido preto de seda, longo e ajustado, sem exageros, apenas o suficiente para demonstrar elegância e presença. O salto marcava o chão como se cada passo fosse um lembrete: Eu estou no controle.
David já a esperava. Levantou-se ao vê-la, como se ainda quisesse manter alguma formalidade.
— Dra. Vieira. — disse, com um leve sorriso.
— Senhor Williams. — respondeu, no mesmo tom irônico de respeito que ele usara.
Ela se sentou, cruzando as pernas com elegância. O garçom trouxe o vinho que David havia escolhido — um tinto italiano. Ele ainda lembrava que ela gostava de vinhos encorpados.
— Obrigada. — disse, aceitando a taça, sem fazer alarde por ele lembrar.
Por alguns segundos, apenas o som discreto de talheres e conversas abafadas preenchia o espaço. Então ele quebrou o silêncio:
— Ainda parece surreal estar sentado com você depois de tanto tempo.
Ela ergueu a taça lentamente.
— O tempo costuma fazer isso. Coloca as coisas no lugar.
— Será? — ele questionou, apoiando os cotovelos na mesa. — Ou só joga a poeira por cima até alguém mexer de novo?
Karen pousou a taça e olhou diretamente para ele.
— Se você veio aqui para desenterrar o passado, não tenho interesse. Já enterrei tudo que me fazia m*l. Inclusive você.
David sustentou o olhar. Não recuava, mas também não atacava.
— E mesmo assim aceitou jantar comigo.
— Aceitei por estratégia. Um bom líder conhece seus adversários.
— É isso que eu sou pra você? Um adversário?
Ela demorou um segundo para responder. Havia verdade demais naquela pergunta. E perigo demais na resposta.
— Você foi. Agora é só mais um empresário tentando salvar o próprio pescoço.
Ele riu, breve, sem alegria.
— Sabe o que mais me incomoda nisso tudo?
— Surpreenda-me.
— Que você tenha virado essa mulher incrível, segura, poderosa... depois de mim.
Karen arqueou uma sobrancelha.
— Você queria os créditos?
— Não. Eu queria ter percebido antes.
O comentário fez algo estremecer dentro dela. Mas ela não deixou transparecer. Aprendera a trancar emoções em cofres de aço.
— Não me elogie, David. Isso não muda o que você fez. Eu tinha 17 anos. E você destruiu o que restava de mim com uma facilidade assustadora.
David baixou o olhar. Pela primeira vez desde que a reencontrou, ele parecia pequeno.
— Eu era um i****a. Arrogante. E você era... tudo o que eu não conseguia lidar. Alguém puro, vulnerável. Eu não sabia o que fazer com aquilo. Então eu fiz o que sabia: machucar antes de ser tocado.
Karen se recostou, estudando suas palavras. Havia sinceridade nelas. Mas também havia passado tempo demais. As desculpas chegavam tarde — e com pouco valor.
— O problema, David, é que agora eu não sou mais vulnerável. E se você tentar me atingir de novo... será você quem vai sair ferido.
Ele a encarou, e por um instante, a tensão entre os dois deixou de ser só hostil. Era algo mais denso. Uma mistura de raiva, atração e algo que nenhum deles ousava nomear.
— Não vim te machucar. — disse ele, firme. — Talvez, no fundo, eu só tenha vindo ver com os próprios olhos a mulher que você se tornou. E talvez... tentar entender se ainda existe espaço para algo entre nós.
Karen riu, sarcástica.
— Amor reciclado, David? Isso funciona nos filmes, não na vida real.
— E se eu quiser tentar?
— Eu não sou mais aquela menina que esperava migalhas de você. Eu tenho o mundo aos meus pés agora. Você só tem o seu orgulho ferido e uma empresa quebrada.
David não respondeu de imediato. Apenas a olhou. De verdade. Como se estivesse vendo além da empresária. Além da postura. E por um momento, ela sentiu um fio invisível entre eles. Fraco, mas presente.
— Então talvez — disse ele, baixinho — eu tenha voltado tarde demais.
Karen desviou os olhos. Não porque estava abalada. Mas porque, por dentro, algo se movia. Algo que ela jurou nunca mais deixar sentir.
— Talvez tenha. — sussurrou.
O jantar seguiu com conversas mais técnicas. Planos, possibilidades, negociações. Mas o ar entre eles havia mudado. Estava mais denso, mais cheio de não ditos.
Quando ela se levantou para ir embora, ele a acompanhou até o carro. A noite estava quente, e o céu limpo.
— Obrigado por ter vindo. — disse ele.
— Não agradeça ainda. Eu ainda não decidi se vamos fechar negócio.
— E se eu quiser mais do que o negócio?
Karen o olhou, séria.
— Então você vai ter que me conquistar. Do zero. Sem atalhos. Sem memórias. Como se nunca tivesse me conhecido.
David assentiu, engolindo o orgulho.
— Desafio aceito.
Ela entrou no carro e partiu, deixando para trás o cheiro de perfume e a certeza de que aquele reencontro não era o fim... era apenas o começo.