A BONECA QUE AMA SUA DONA

1195 Palavras
Maldade versus bondade humana. Luna era seu teste. Para um demônio, acompanhar esse processo de perto era intrigante e um tanto quanto obsessivo. Como o de um fazendeiro que cria um animal para consumo, mas cria certo interesse pelos hábitos surpreendentes desse animal. Mas houve outros antes dela antes de ser preso por Crowley. Contudo, a corrupção, por mais que a cercasse, nunca chegava de fato ao núcleo puro de luz irritante. Isso deixava o demônio salivando. Luna não quis comer quando chegaram à mansão da capital, que era bem menor que a de campo. Hadria estava intrigado e muito furioso com a recusa, pois fez o prato preferido dela que era: rosbife, com purê de batatas e milho-cozido. De sobremesa torta de limão. Outros empregados da cidade queriam agradar a nova condessa, mas com Hadria sempre ao lado de Luna, outros serviçais não tinham oportunidade sequer de chegar perto o que dirá competir com a sua eficiência infernal. Sem dizer que a própria Luna não os dava qualquer a******a. Era evidente que não confiava em ninguém além do misterioso primo que era seu mordomo. Os outros criados da mansão da capital só sabiam que ela era a viúva de Crowley. A remanescente dos ladrões que invadiram a mansão e mataram todos, deixando apenas ela viva, mas inapta pelas pernas inúteis e o estupro que ninguém comentava para não piorar a situação. Aqueles da mansão na área urbana, não sabiam dos rituais hediondos do seu antigo mestre. Então, para aqueles empregados inocentes, Luna era só a jovem dama da casa. Contudo, Luna que pulou uma refeição, apenas abraçava Clara e chorava como uma criança perdida, escondida com o rosto no pescoço da boneca, deitada na cama e debaixo do lençol azul. — Minha senhora… a alma de Layla vai seguir para um lugar feliz agora, não seja ingrata e venha comer. — Tenta consolar o d***o, adentrando o quarto, com a testa franzida, tirando o lençol do rosto cheio de lágrimas da menina que fungava. — Venha comer. Passamos o dia investigando isso… agora o caso se encerrou e de maneira feliz… Luna, fungando, apontou para um papel na mesa de escrita, que continha uma pena, um tinteiro e um papel. — Eu já fiz o relatório do caso para a rainha. — Informou com o rosto vermelho de tanto chorar. — Prepare tudo e envie! — Deu uma ordem com a voz esganiçada pelo choro. — Agora deixe-me em paz! — Gritou chorosa e jogou um travesseiro nele. O demônio rangeu os dentes pela atitude petulante. O quarto de Luna na mansão era de um papel de parede azul-marinho, com detalhes brancos de passarinhos. A cama branca bonita e com um mosquiteiro branco. Todos os móveis eram brancos e no teto havia uma pintura bonita de um pássaro-azul e um lustre. Sem opções, pela birra inesperada, Hadria ia sair do quarto e colocar a carta num envelope com o selo da serpente e enviar à rainha. Mas Luna pegou a sua mão e a beijou na marca do contrato. A raiva dele se desfez como se água fosse jogado numa ardente fogueira de ódio. — A coragem de Layla em salvar a vida do irmão e depois a mim como ela fez… eu não sei se a teria… a minha covardia enoja-me. — Começou a confessar ao demônio, envergonhada. O d***o quis dizer algo do tipo “eu pareço um padre para você?” mas se manteve calado escutando o desabafo entediante. — Eu tenho inveja da coragem daquela criança. Na primeira oportunidade que tive, eu mandei você matar todos os que me fizeram m*l e eu gostei disso. Eu gostei de como me banhou no sangue deles. Por que quer uma alma obscura como a minha quando tem uma pura e linda como a de Layla? Obscura? Era justamente esse o mistério. A corrupção a cercá-la, desejá-la, chamá-la, mas não chegar ao núcleo. Luna estava no lamaçal espiritual, mas não se sujava. Era como óleo e água. Toda a ação que Luna tomava tinha tanta certeza de ser a certa, por mais hedionda que fosse, que a corrupção de um ato horrendo não chegava a macular o núcleo da alma dela, por mais que as trevas a cercassem e a quisessem. Luna deu um espaço na cama, afastando o corpo, como se o convidasse a sentar, ainda abraçada à boneca Clara, cujo vestido rosa que a boneca usava, estava úmido das lágrimas de Luna. E o braço da boneca passava no pescoço de Luna, como um consolo mudo. — Não chore. — O demônio, sentou na cama, enxugou as lágrimas dela com os polegares e havia brilhando nos olhos azuis uma perigosa devoção com o rosto perto do de Luna, mas era só fome. As testas juntas. Queria esquecer o pacto e comer ela. Hadria observou as lamparinas a gás do quarto, acesas, formando sombras. Sim, Luna estava cercada por sombras, mas era porque a luz da alma dela era grandiosa. Um grande banquete. — Por que você quer comer uma alma covarde como a minha? Eu fiquei parada lá, feito uma i****a enquanto tudo acontecia. — Gritou Luna, envergonhada. — Petrificada de medo e não pude fazer nada, como naquela noite que eles me… — Se você não tivesse percebido o padrão da bruxa em se recuperar usando a alma das crianças, o ceifador não conseguiria detê-la. — Constatou o demônio, verdadeiro, colocando uma mecha dos longos fios da menina para trás da orelha dela, ainda com a testa na dela. Luna deixou os olhos grandes e escuros irem os azuis ironicamente celestes do demônio. — Eu quero ser corajosa como Layla. — Sussurrou, tocando o rosto do demônio, afagando a bochecha dele e com os s***s repousando no rosto de Clara. — Eu quero que mesmo na escuridão, ainda haja alguma luz em mim. — Choramingou mimada. — Eu sou podre por dentro e por fora. Por que você me quer tanto? O d***o respirou fundo, o cheiro das lágrimas dela, era enlouquecedor. Chorando porque queria ser corajosa, é? Sem pensar, lambeu as lágrimas de dor e inveja da coragem da criança Layla. Lágrimas salgadas que tinham um gosto tão doce de angústia, inveja e necessidade de ser boa. Ele gemeu de fome. Foi quando sentiu a mão de Clara, o repelindo, como se o recordasse que não era a hora de devorar Luna. Se recompôs. — Vou enviar a carta à rainha conforme você solicitou, condessa. — Despertou o d***o do seu apetite por aquela alma indefesa, mas forte. — Pode trazer a refeição que preparou para o quarto? — Pediu Luna amorosa. — Você esforçou-se tanto, devo alimentar-me e honrar o seu esforço. — Suspirou ela. O demônio esquecendo todo o seu rancor pelo esperneio anterior, sorriu e assentiu com a cabeça, se retirou do quarto. Luna mexeu no cabelo de Clara e beijou a bochecha dela. Os olhos da boneca com idolatria sobre a sua dona. Jamais uma boneca amou tanto a sua dona, como Clara amava Luna. Nunca um demônio quis tanto uma alma, a ponto de suprimir a própria fome por dez anos só para cultivá-la.
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