Capítulo 2: Melissa

1169 Palavras
O carro parou em frente a uma casa até que bonita, bem cuidada, com um jardim simples mas organizado. Nem parecia que estávamos no morro. Antes que eu pudesse pensar direito, ele já estava me puxando pra fora, a mão dele firme no meu braço. Subimos os degraus da entrada rápido, e eu quase tropecei de novo, mas ele não deixou eu cair. A porta se abriu, e entramos direto numa sala ampla, bem iluminada, com um sofá de couro preto e uma TV gigante ligada num jogo de futebol mudo. Não deu tempo de olhar muito. Ele me arrastou pelo corredor até um quarto no fundo. — Ele é o dono do morro. Cuida direto dele. Dentro do quarto, um homem n***o, forte, sem camisa, estava deitado na cama se contorcendo. O lençol embaixo dele estava encharcado de sangue. Meu estômago revirou. Não pelo sangue, mas pela dor que ele estava sentindo. O homem levantou o rosto quando me viu, os olhos estreitando. — Cadê o doutor Meyer? Quem é você? — a voz dele era rouca, mas firme, mesmo com a dor. Pigareei, tentando manter a voz estável. — Ele está doente. Eu sou filha dele. Os olhos dele me escanearam da cabeça aos pés, como se estivesse avaliando cada detalhe. Eu estava ali, com minha saia curta, pernas à mostra, o croped discreto sob o jaleco, pulseiras tilintando, brincos, anéis e colar — toda produzida, mas agora me sentindo exposta. Minha pele branca e meu cabelo ruivo solto deviam estar me destacando ainda mais naquele lugar. — É médica? — Ele perguntou, os olhos queimando em mim. — Sou. O que aconteceu? De onde vem o sangue? — consegui perguntar, tentando focar no profissional, não no fato de estar trancada num quarto com um criminoso ferido. Ele respirou fundo, os músculos da mandíbula tensionados. — Tomei um tiro. Na virilha, doutora. Até então, ele estava com cara de dor, mas, pra minha surpresa, sorriu de lado, como se fosse só um machucado b***a. — Onde tem tesoura? — perguntei, me virando pra procurar, mas o cara que me trouxe já não estava mais no quarto. A porta estava fechada. — Na primeira gaveta — ele apontou pra uma cômoda do lado da cama. Abri a gaveta com as mãos trêmulas, tinha drogas ali e muita camisinha, peguei a tesoura e, sem hesitar, me ajoelhei ao lado da cama. Cortei a bermuda dele com a tesoura e, depois, a cueca, expondo o ferimento e outras coisas. O sangue manchava tudo, mas meus olhos, traidores, se prenderam por um instante na pele quente, nos músculos definidos que saltavam mesmo com ele ferido, no pênis dele, tão enorme que me impressionou, pois estava mole e com aquele tamanho todo, lambi os lábios imaginando ele duro. O cheiro dele — uma mistura de suor, sangue e algo puramente masculino — me atingiu em cheio, fazendo meu estômago revirar, mas não de nojo. Era outra coisa. Uma sensação quente, incômoda. A bala estava semi-enterrada na virilha dele, perto demais de lugares que eu nem deveria estar olhando. Forcei meus olhos a se manterem no trabalho, focados, mas era impossível ignorar a presença dele, o calor que irradiava do corpo forte, a tensão no ar. — Tem pinça? Kit de primeiros socorros? Ele indicou o banheiro com a cabeça. Procurei o kit no banheiro, com as mãos trêmulas, e voltei com a pinça. Me ajoelhei ao lado da cama, tão perto dele que sentia sua respiração quente bater no topo da minha cabeça. Sem luvas, sem proteção, sem espaço seguro. Fiquei parada, hesitante. Parece que ele leu meus pensamentos. — Não tenho AIDS não, doutora. Respirei fundo. Sem tempo pra frescura. Quando comecei a trabalhar, puxando a bala com um movimento rápido, ele estremeceu. Os músculos do abdômen se contraíram de um jeito que me fez perder o ritmo por um segundo. Mordi o lábio para não perder o foco. Passei álcool no ferimento, limpei, preparei a linha para dar os pontos. Mas meu cabelo caiu pra frente, atrapalhando. Tentei, desajeitada, afastar com o ombro — foi então que senti a mão dele. Grande, firme, quente. Ele segurou meu cabelo com uma delicadeza que não combinava em nada com o ambiente em volta. Segurou como se me tivesse na palma da mão — e talvez tivesse. Meu coração disparou tão forte que achei que ele fosse ouvir. Um calor desconhecido subiu pelas minhas pernas, pelo meu ventre, espalhando-se no peito. Levantei os olhos, sem querer, e encontrei o olhar dele. Falcão me observava de cima, intenso, os lábios arqueados num sorriso de canto, quase provocador. Um sorriso que dizia que ele sabia exatamente o que estava fazendo comigo. Minha garganta secou. Minhas mãos perderam o compasso por um segundo. Não era medo. Ou não só medo. Era algo primal, instintivo, algo que me puxava pra ele sem permissão. Me fazia querer... chegar mais perto. Dei um ponto, depois outro, tentando ignorar a tensão elétrica que preenchia o quarto, o modo como minha pele parecia hipersensível a cada centímetro que me separava dele. Como se todo o resto tivesse sumido — o perigo, o sangue, a ameaça. Como se só existisse ele, quente e ferido, me olhando daquele jeito. A cena ficou estranha. Ele ali, nu da cintura pra baixo, eu com o rosto perto demais, segurando meu cabelo como se fosse algo natural. Foi nesse instante que a porta do quarto se abriu com um golpe. Uma moça morena, de olhos flamejantes, entrou furiosa. — Que p***a é essa, Falcão? — ela gritou, os olhos indo dele pra mim, e depois pro sangue na cama. Eu congelei, a agulha ainda na mão. Foi como quebrar um feitiço. Eu pisquei, voltando a respirar direito, o rosto em chamas, as mãos trêmulas. Mas dentro de mim, uma parte pequena e perigosa sabia: algo tinha mudado. E não seria fácil esquecer o que eu tinha sentido ali, entre um ponto e outro. Ele só soltou meu cabelo devagar e deu um sorriso cansado. — Relaxa, Ju. Ela é a médica. A moça cruzou os braços, desconfiada. — Médica ou p**a? Porque tava com a cara enfiada no seu p*u. Meu rosto queimou de raiva e vergonha. — Eu estava suturando um ferimento de bala! — gritei, mais alto do que deveria. Ela deu um passo pra minha direção, os dentes cerrados. — E quem te chamou? Quem mandou trazer essa patricinha aqui, Falcão? Ele suspirou, como se já estivesse cansado da discussão. — Ju, para. Ela é filha do doutor. A moça olhou pra ele, depois pra mim de novo, os olhos estreitos. — Tá. Mas se ela abrir a boca pra polícia... — Ela não vai — ele cortou, os olhos escuros fixos em mim. — Vai, doutora? Engoli seco. Não era bem uma pergunta. — Não. Ele sorriu, satisfeito. — Então tá resolvido. Mas eu sabia que nada ali estava resolvido. E que sair daquele morro não ia ser tão simples quanto entrar.
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