Capítulo 3: Melissa

1142 Palavras
A tal da Ju saiu cheia de ódio e ciúmes. A porta bateu com força e o silêncio que ficou foi ainda mais ensurdecedor do que os gritos daquela mulher. Meu peito subia e descia rápido demais. Eu ainda segurava a linha, os dedos sujos de sangue, o cheiro de álcool impregnado nas narinas… mas não era isso que me deixava assim. Era ele. Ainda era ele. Falcão não disse nada. Só me olhava. Deitado, ferido, mas com aquele olhar firme, tão cheio de controle que me fazia sentir fora do meu. Os olhos dele queimavam em mim. Como se vissem mais do que eu deixava mostrar. Como se me lessem inteira. Tentei me levantar, mas minhas pernas estavam fracas. Não do susto. Não do sangue. Era do toque dele. Do jeito que segurou meu cabelo. Da forma como me olhou. Daquele maldito sorriso de canto que grudou na minha memória como uma marca. — Acabou? — ele perguntou, a voz rouca, baixa, como se fosse um sussurro só pra mim. Assenti. Mas não consegui falar nada. Estava com medo… mas não do tipo que se sente quando se está em perigo. Era um medo diferente. De querer. De me permitir sentir algo por alguém como ele. Me virei de costas, tentando criar alguma distância. Me forcei a guardar o kit, fechar a caixa, fazer qualquer coisa que me tirasse do alcance do olhar dele. Mas mesmo sem ver, eu ainda o sentia. Sentia o calor do corpo dele me alcançando. A lembrança da mão dele no meu cabelo. A firmeza. A segurança. A i********e absurda daquele gesto. Que tipo de garota sente isso por um homem que nem conhece? Que pode ser um monstro? Que provavelmente é? Mas minha pele ainda queimava. — Você costura bem — ele disse de repente. Virei o rosto devagar. Ele tinha os olhos semicerrados, mas o sorriso ainda estava ali. Preguiçoso. Provocador. Como se soubesse exatamente o que causava em mim. E talvez soubesse mesmo. — Sou formada, mas aprendi com a vida, costurando minhas bonecas. — respondi, num tom mais ríspido do que eu queria. Ele soltou um som baixo, algo entre um riso e um suspiro. — A vida te ensinou mais do que isso, não foi? Não respondi. Não podia. Meu coração estava acelerado demais. Minha cabeça girava. E meus olhos… meus olhos voltaram a cair onde não deviam. Na parte íntima dele, nos músculos do abdômen. No jeito como mesmo ferido ele ainda parecia muito perigoso. Lindo. Intenso. Precisei sair dali. Peguei a caixa com força e caminhei até a porta, sem olhar pra trás. Mas antes de sair, ouvi a voz dele de novo, baixa, arrastada, como se estivesse me puxando de volta. — Não vai embora, ainda não te liberei. Travei. Fechei a porta rápido antes que fizesse algo i****a. Como responder. Ou voltar. Ou ceder. Mas dentro de mim… já tinha cedido. --- Fiquei na sala, o coração batendo mais rápido do que devia. A caixa de primeiros socorros tremia nas minhas mãos. Eu precisava de ar, precisava pensar, precisava… parar de lembrar do toque dele. Fui até o lavabo com passos apressados. Abri a torneira com força, como se a água pudesse arrancar de mim mais do que só o sangue. O líquido escorria vermelho pelas palmas, mas o que me dava náusea não era o sangue. Era a forma como minhas mãos ainda pareciam marcadas por ele. A forma como segurou meu cabelo… firme, como se fosse direito dele. Mas foi gentil. Carinhoso até. E isso me deixou sem chão. Um homem como o Falcão, com aquelas tatuagens, com aquele histórico, com aquele olhar que parece prometer perigo a cada segundo… me tocou daquele jeito. E eu senti. Senti de um jeito que não queria. Fechei os olhos com força, apoiei as mãos na pia e respirei fundo. O perfume dele ainda estava em mim, misturado com o álcool, o suor, a tensão. Meu corpo inteiro parecia alerta. Como se tivesse acordado depois de muito tempo adormecido. “Não vai embora, ainda não te liberei.” A voz dele ecoava na minha cabeça. Grave, arrastada, daquele jeito que soa como pecado dito no pé do ouvido. E o pior… eu queria. Queria acreditar naquelas palavras. Queria me deixar ser mantida. Por ele. Levantei os olhos pro espelho. Minha imagem me devolveu um olhar que eu não reconhecia. Pupilas dilatadas, rosto corado, respiração descompassada. A mulher ali parecia estar se descobrindo. Mas também parecia com medo. Porque sabia que brincar com fogo assim podia queimar até a alma. Lavei o rosto, tentando apagar qualquer rastro do que senti. Do que ainda sentia. E saí. Quando voltei pro quarto, ele estava lá. Sentado, mais ereto agora, os olhos fixos nos meus. Ele não dizia nada, só observava. Mas era exatamente isso que me desmontava. O silêncio dele falava demais. — Precisa de mais alguma coisa? — perguntei, forçando a frieza na voz. Ele demorou pra responder. Como se estivesse me lendo de novo. Ou me despindo com o olhar, não sei. Talvez os dois. — Só de você aqui — disse enfim, com aquela ousadia embutida num tom de quem sabe o que está fazendo. Desviei o olhar e cruzei os braços, num gesto automático de defesa. Eu precisava ir embora. Mas meus pés não se moviam. Talvez porque, no fundo, eu não queria. — Você devia descansar — murmurei, tentando controlar o tremor que ameaçava surgir na minha voz. — Já tô descansando, doutora — ele rebateu, com um leve sorriso no canto dos lábios. O maldito sabia o efeito que tinha. Sabia que aquele sorriso torto e aquele olhar direto me desmontavam. Não era só charme, era uma espécie de provocação silenciosa, uma promessa não dita. E o pior: estava funcionando. — Você tá me olhando assim por quê? — perguntei, sem conseguir disfarçar o tom. — Porque eu gosto, vem cá doutora. — ele apontou pro lado dele e eu louca e sem juízo fui. — Gosto de ver como você tenta se controlar. Como finge que não sente. — ele disse com aquela calma que só aumentava o meu caos. Engoli seco. — Você não sabe de nada. Ele riu. Um riso rouco, curto. Sexy. — Sei mais do que você gostaria que eu soubesse, doutora. E foi nesse momento que ele fez o que eu menos esperava — e mais temia. Ergueu a mão e prendeu delicadamente uma mecha do meu cabelo entre os dedos. O toque foi leve, mas me atravessou como um raio. Meus olhos buscaram os dele, e encontrei desejo. Puro. Cru. Sem máscaras. Meu noivo tinha poder. Dinheiro. Influência. Mas Falcão tinha perigo. Mistério. E aquele tipo de atração que a gente sente onde não deveria existir nada. E eu… eu estava começando a querer o que não podia.
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