— Kael me disse que você não queria falar muito, garota.
Eu não falo, somente me encolho mais sobre o meu lugar, então ele continua.
— Você não vai sair daqui, Lyra, mesmo que pense que André não se importa com você, não vamos deixar você ir tão fácil.
— Eles vão me matar então?
— Não vejo você muito preocupada.
— Pode não ser.
Minha confissão o faz franzir a testa, mas ele não comenta mais nada, liga para um de seus homens e eles me trazem uma bandeja com um sanduíche e um copo d'água.
— Não incomode Kael, não procure problemas, garota.
— Não posso tornar tudo tão fácil para você, o que há de tão divertido nisso?
— Divertido? — pergunta, sarcástico.
— Vamos lá, eu sei que vou falecer, conheço as estatísticas dele, então posso começar a chorar, ou pelo menos fazer algo engraçado do meu jeito.
Não sei de onde vem a coragem de encarar o garoto. Pode ser a aura divertida que cerca o garoto que me faz saber que ele não vai me dar um soco logo de cara, embora eu não duvide que ele seja tão letal quanto seus irmãos se ele me contar. Ele propõe, mesmo assim, que eu pegue o sanduíche e praticamente o devore sob seu olhar atento.
Caramba, faz dois dias que não como nada, além de algumas frituras.
Ele não diz mais nada, mas sei que minhas palavras permaneceram em sua mente.
Ele volta para a porta, então falo novamente.
— Obrigado pela comida, você é o melhor sequestrador dos três.
— Orion — ri.
— Bem, obrigado, Orion.
Ele não diz mais nada, sai da sala e eu o ouço trancar a porta.
Tento não dormir, prestar atenção na porta, mas meus olhos se fecham sozinhos e caio em um sono profundo.
Gostaria de ter continuado vigiando a porta.
Porque, quando acordo, não faço isso da melhor maneira. Ouço um baque surdo e então sinto o cano de uma arma prostrado na minha testa, ouvindo a segurança da arma ser removida.
Kael Draven.
Não suporto isso.
Não posso estar perto dela, caramba.
Minhas entranhas gritam de fúria, continuo procurando algum sinal do passado da garota, todos nós temos um ponto fraco e eu tenho que descobrir o dela, embora eu não consiga encontrar nada, pelo menos nada que realmente me ajude.
Alguém que está sem registros, sem rastros, é porque algo está escondido, eu sei, porque fazemos o mesmo.
Que p***a você está escondendo, Lyra?
Chego ao pé da escada, onde encontro Orion.
— Caminhando, vamos dar uma olhada no apartamento dela.
Entro em uma das vans com Jak e partimos para a casa da garota.
— O que aconteceu lá embaixo? — pergunta, Eu franzi a testa.
— A que você está se referindo?
— Vamos, Kael, você não tocou no cabelo dela.
— Não torturamos pessoas inocentes.
— Claro que sim, você sabe — refuta. — No entanto, se você não quisesse torturá-la. Podia tê-la mandado trabalhar num dos clubes, como normalmente fazemos com os devedores. Deixou passar a noite na mansão.
— Só fazemos isso quando necessário.
— E você não achou necessário?
— Não até você ter certeza.
Suas palavras estão gravadas em minha memória, atormentando-me.
Chegamos a um dos bairros mais pobres de Múrcia, Jak sai do caminhão e eu o sigo, chegamos a um prédio de apartamentos que está caindo aos pedaços, subimos as escadas até o terceiro andar e Jak chuta a porta de madeira que dá passagem facilmente para quem não tem chave.
É um apartamento pequeno.
Tem uma cozinha com apenas um fogão e uma pequena mesa, uma pequena cama, um pequeno armário e um pequeno banheiro.
Verificamos as gavetas dos móveis, só há fotos dela e da morena no bar, não há mais nada.
Não há nada como itens pessoais ou qualquer coisa que nos mostre quem é a garota. Como está a tua vida.
Ele se virou para Jak, observando-o completamente petrificado enquanto seus olhos permaneciam dentro do armário.
— Isso? Ele tem um corpo aí dentro ou quê?
Tento brincar, mas ele não responde, seus olhos se movem rapidamente pelo armário, analisando tudo em profundidade.
Chego mais perto e o que vejo também me deixa petrificado.
Na porta do armário de Lyara há várias fotografias de um homem, notas de jornal falando sobre ele, onde ele foi visto pela última vez.
E não é um homem qualquer.
Higor Vons.
O maldito que tem assuntos inacabados conosco.
Ao i****a que procuramos no céu, no mar e na terra para despedaçar seu corpo parte por parte.
Parece que Lyra também o está rastreando.
Por quê?
Os olhos de Jak navegam de uma foto para outra em alta velocidade, decifrando cada ponto, cada erro, conectando dados e criando mil teorias.
Quando criança, era um jogo, embora Jak o levasse a sério, tornando-o seu próprio jogo. Agora ele é o rei do conselho.
As fotos têm anotações das últimas vezes que ele foi visto no local, dados concisos.
Jak termina de analisar tudo, coloca suas roupas em uma mochila furiosamente e nós vamos embora.
Sento-me no banco do motorista enquanto Jak faz algumas ligações, procurando informações sobre a loira.
Estou indo para o orfanato da cidade, para o lugar de onde viemos, o lugar onde Higor dirigia.
Chegamos ao pequeno orfanato de Múrcia, os gestores deixam-nos passar sem questionar nada, abaixam a cabeça sem poderem fazer contato visual conosco, e avançamos para o computador. Controlamos este orfanato desde que decidimos sair daqui, há quase dez anos.
Nenhuma criança teria que passar pela mesma coisa.
Agora é um lugar melhor. Algo que qualquer criança merece. Jak conecta um modulador ao monitor do computador, ligando para Orion com seu celular.
— Digitar.
Orion pesquisa todos os arquivos ocultos da instituição, arquivos que sabemos que Egor tentou esconder aqui em um servidor.
— Merda, sei que está aqui, mas não consigo encontrá-la
— Diz Orion na linha. — Entendi!
O documento abre, Jak e eu nos aproximamos para lê-lo.
A foto de uma garota com tranças encabeça o arquivo, seus olhos azuis não são tão brilhantes quanto eu me lembrava, ela não sorri para a foto, seu rosto sem expressões.
Nome: Lyra Vons.
Idade: 9 anos
Sangue: AB-