Depois de mais algum tempo conversando e de algumas risadas, tanto o italiano quanto o indiano dormiram e só sobrou eu e Damon acordados.
Isso sem contar com Dimitri que nem mesmo tinha voltado para o dormitório.
- Por quê o capitão demora tanto a voltar para o dormitório?
Perguntei ao moreno em minha frente enquanto ele se ocupava em passar uma pomada em minhas mãos com delicadeza para a minha pele não descamar.
Franzindo os lábios parecendo um pouco relutante com a própria resposta, ele respirou fundo e depois voltou a encarar meus olhos.
- Acho que você percebeu que o Niko é um pouco... estressado, certo? Esse horário ele normalmente usa para aliviar o estresse.
Explicou aquele homem em minha frente fechando o frasco da pomada e eu permaneci confusa sobre o que ele queria dizer com aquilo.
- Tipo ir no cabaré ou coisa do tipo?
Perguntei séria, mas aparentemente ele achou engraçado pois ele inibiu uma gargalhada com as costas da mão e seu rosto ficou vermelho pelo esforço de não acordar os outros colegas.
Em reflexo, eu ri também e esperei que ele se acalmasse para que ele pudesse me explicar mais.
- Eu não estava esperando por essa resposta...
Confessou com uma risadinha e abanou a cabeça.
- Ele usa esse momento para correr ou fumar. Nikholai gosta de silêncio, sempre foi assim.
Explicou enfaixando minhas mãos com cuidado, e como uma obra misteriosa do destino, Dimitri abriu a porta naquele exato momento.
Ele estava com os cabelos molhados, certamente de um banho recente, e jogados para trás fazendo com que seus olhos escuros ficassem em evidência e ele usava um conjunto de moletom cinza.
Com seus olhos pairando sobre mim e o irmão dele, ele encarou o que fazíamos por alguns segundos e depois voltou ao seu mundinho.
- Oi, Niko! Achei que você não viria mais!
Damon comentou bem humorado, como se Dimitri não fosse aquele poço de ignorância que sempre é com ele e com todos ao seu redor.
Mas não o julguei, apenas me mantive calada observando ele terminar de enfaixar minhas mãos com cuidado.
- Ai! Damon... cuidado.
Reclamei quando ele esbarrou em um dos meus dedos por acidente e ele pediu desculpas com um sorrisinho murcho.
- Assim está melhor? Não está muito apertado, não é?
Perguntou baixinho, provavelmente porque sabia que seu irmão maluco poderia querer nos matar a qualquer momento.
- Estou bem melhor, obrigada.
Agradeci sorrindo um pouco e vi ele se levantar e ir até Dimitri comentando algo que eu não ouvi, mas também não permaneci muito tempo tentando entender. Só me virei para o outro lado e fui dormir.
Eu já tinha problemas o suficiente, e aquele maluco não seria mais um.
[...]
Mesmo sabendo que eu não poderia fazer nada hoje, acordei no mesmo horário de sempre e fui tomar um banho ao invés de vestir minha farda.
Como nos outros dois dias, o capitão não estava mais na cama e nem me dei conta disso até andar pelos corredores do prédio dos dormitórios e acabar vendo ele sozinho voltando dos banheiros
Ele já estava fardado, mas de cabelos baguncados, sem cinto e sem suas plaquinhas de identificação.
Foi uma visão e tanto até que ele me avistou e tudo pareceu ganhar um outro filtro.
Aquele cara realmente me detesta.
- Bom dia, capitão.
Prestei continência com minha mão um pouco torta por causa das bandagens e isso não escapou do olhar crítico dele, mas ele não disse nada.
- Você deveria estar na cama, tenente.
Mais uma vez sem me mandar descansar. Desgraçado.
Me mantive na posição de sentido e engoli à seco.
- Pensei que o médico havia lhe informado sobre minha situação, senhor. Não vou poder comparecer aos meus serviços hoje.
Comentei um pouco mais acuada do que o meu normal e me martirizei por isso.
Aquele homem com toda certeza estava fazendo m*l para mim.
- Não pense que isso me fará ter pena de você, Kappel.
Ele apontou com um olhar de desgosto em seus olhos e ele torceu o nariz para apenas continuar:
- Já disse e repito, aqui não é lugar para mulheres. Muito menos uma como você.
Depois de dizer aquilo olhando em meus olhos, ele continuou andando e eu finalmente relaxei minha postura voltando a andar em direção ao banheiro.
- Miserável... você vai engolir essas palavras um dia...
Murmurei irritada enquanto andava.
Sério, que tipo de pessoa pode ser tão minimamente insuportável daquele jeito?
Todos me recepcionaram bem e calorosamente, mas ele continuava insistindo em me tratar daquela forma mesmo depois de eu ter provado o meu valor e ter salvado a equipe dele.
Ele deveria estar feliz! Deveria se sentir agradecido, já que um dos que foram salvos foi ele!
Sinceramente, eu não sabia mais o que pensar. Minhas mãos doíam e eu ainda não estava suficientemente descansada, então eu apenas desisti do meu banho e voltei a me deitar, querendo que o tempo passasse o mais rápido possível.
Narradora POV
- Sério, eu acho que vai demorar muito para as mãos dela melhorarem.
Carlo comentava enquanto limpava cuidadosamente suas armas ao lado de seus colegas de equipe e mais alguns soldados que treinavam naquele dia um pouco mais ensolarado do que os últimos.
- Vira essa boca pra lá, o Zervas já tá uma fera com ela parada por um dia, imagine por mais um!
Ravi disse com uma careta sofrida enquanto fazia o mesmo limpando suas armas e Damon suspirou.
- Eu comentei com ele que ele estava sendo um pouco rígido demais, mas ele parece não se importar.
Comentou o subtenente se alongando e olhando ao redor vendo que Dimitri estava ao longe massacrando alguns recrutas com seu treinamento rigoroso.
- Se eu não soubesse que ela chegou a dois dias atrás eu diria que ele tem algo pessoal contra ela.
Carlo emendou e Ravi concordou em silêncio.
- Talvez tenha. Quem sabe?
Damon rebateu dando de ombros e voltando a correr, deixando os dois amigos confusos.
- Gente doida... saudades do meu país.
O loiro reclamou olhando para o céu pesaroso e o indiano suspirou.
- Nem me fale!
O moreno choramingou e eles quase infartaram ao que suas reclamações foram interrompidas por sons de tiros e uma gritaria ao longe.
- Mas que merda é essa?!
Ravi murmurou se colocando de pé vendo que Dimitri estava colocando todos os recrutas para dentro do QG.
Marie POV
Quando acordei pela segunda vez o dormitório já estava vazio e as camas totalmente arrumadas como se ninguém nunca tivesse passado por alí.
Era meio deprimente levantar depois de todos, me dava a sensação de que eu estava desperdiçando meu dia.
Mas, me levantei lentamente e me dei ao luxo de verificar se existiam algumas mensagens em meu celular (não tinham), ou se existia alguma chamada perdida de meus pais (não existia).
Estava praticamente acostumada com esse tipo de realidade, então nem me forçava mais a ficar magoada ou coisas desse tipo. Não valia o meu tempo.
Foquei em lavar meu rosto, tomar um banho, arrumar minha cama e cuidar das minhas mãos que já estavam em uma coloração bem melhor do que ontem.
As palmas estavam arroxeadas ainda, mas meus dedos voltaram a cor normal, me fazendo suspirar de alívio.
Menos uma coisa para me preocupar.
E olhando em meu relógio de pulso, era tarde demais para pegar o café da manhã, então apenas andei até o refeitório pedindo para os soldados responsáveis pela comida do dia me darem alguma fruta.
Por sorte, hoje era um dia bom onde algumas das escassas meninas que trabalham nesse lugar estavam lá e fizeram um sanduíche para mim enquanto conversávamos sobre amenidades.
Todo mundo naquele quartel parecia ser gente boa e muito bem educado, coisa que somente meu Capitão não conseguia ser.
E por causa disso eu estava sempre pensando nele em uma frequência maior do que eu gostaria de fato. Aquele cara conseguia me irritar mesmo não estando perto de mim, isso era uma façanha ao meu ver.
Depois de comer, decidi que não ficaria parada com a cabeça cheia daquele jeito então fui correr um pouco.
Em minha defesa, o médico não falou nada sobre usar meus pés.
E cantando uma canção infantil da minha terra natal enquanto eu corria, senti brevemente algo parecido com uma nostalgia misturado com tristeza. Me sentia meio roubada por não ter tido a oportunidade de crescer onde eu verdadeiramente pertencia.
Me lembro dos amiguinhos que eu tinha no jardim de infância e de como era diferente poder falar em meu próprio idioma. Uma sensação esquisita, de fato. Talvez eu nunca me acostumasse com aquele sentimento de ser "sem pátria".
E antes que eu pudesse desviar meus pensamentos para outra coisa, escutei uma troca de tiros um pouco ao longe e me assustei, olhando para a direção do barulho.
- Mas o quê...
Murmurei confusa vendo alguns recrutas correndo e pude enxergar meus companheiros de equipe também correndo para dentro do QG.
Como eu sempre andava armada, não importava o que acontecesse, saquei minha arma do coldre e a destravei andando calmamente em direção ao prédio principal onde todos correram para se abrigar.
Evitando o caminho de cascalho que ficava pela lateral para não ser ouvida chegando, eu andei calmamente pela neve deixando minha arma bem posicionada em frente ao meu rosto.
Dei a volta no prédio com cuidado ouvindo ainda uma gritaria e passos descuidados vindo em minha direção, então me preparei para atirar mesmo com minhas mãos doloridas, mas acabei dando de cada com uma parede de músculos em minha frente.