Capítulo 3 — A Distância - Narrado por Lara

794 Words
O que dói de verdade não é ver a pessoa que você ama com outra.
É perceber que você deixou de ser o lar dela. Desde que vi aquela foto, algo dentro de mim se desfez. Não era ciúme — ou talvez fosse, mas não daquele tipo possessivo. Era um luto silencioso. Como se a nossa amizade, ou o que restava dela, tivesse se transformado em algo que eu não reconhecia mais. Nos dias seguintes, tentei seguir com a rotina. Acordava, ia às aulas, fingia rir das piadas dos colegas, estudava até tarde. Mas em todos os momentos, o nome dele ecoava como uma batida constante no fundo da minha mente. Theo. Theo. Theo. Eu já não sabia mais se éramos amigos. Não como antes. E isso me rasgava por dentro. Um sábado à noite, sentada na varanda do alojamento com uma manta sobre os ombros e um chá frio nas mãos, resolvi mandar uma mensagem. Não por raiva. Mas porque precisava entender. “Você podia ter me contado.” A resposta veio alguns minutos depois. “Eu ia contar. Mas achei que você não ia querer saber.” Fiquei encarando a tela, sem saber se chorava ou gritava. “Eu sou tua melhor amiga, Theo. Pelo menos era. Como é que você achou que eu não ia querer saber disso?” “Porque… eu não sabia como você ia reagir. E, pra ser sincero, eu também não sabia como me sentir.” Por um momento, as palavras dele pareceram sinceras. Mas ao mesmo tempo, era tarde demais. E eu já estava cansada de tentar parecer bem quando não estava. “Então não conta. Não precisa mais.” E deixei o celular de lado, como se isso fosse me proteger. Os dias viraram semanas. A gente ainda trocava mensagens de vez em quando, mas eram mornas. Mecânicas. Como se estivéssemos tentando manter uma amizade com as mãos amarradas, de olhos vendados. Às vezes, ele mandava uma foto de um café diferente, ou de um código que tinha acabado de escrever. Outras, só um emoji — como se não tivesse coragem de escrever o que realmente queria. Eu não respondia sempre. Não porque queria puni-lo. Mas porque já não sabia o que dizer. A ausência dele começou a se tornar presença. Aquelas pequenas lembranças — o cheiro do desinfetante que me lembrava do quarto dele, o som de um teclado ao fundo numa sala de informática — tudo me fazia pensar nele. E na distância entre nós. Em uma noite qualquer, recebi uma ligação dele. Hesitei antes de atender.
Mas atendi. — Oi — disse ele, com a voz baixa, quase hesitante. — Oi. Silêncio. Eu podia ouvir o barulho de carros ao fundo. Ele devia estar andando na rua, talvez voltando pra casa. — Eu sinto sua falta, sabia? — ele disse de repente. Aquilo me atingiu como um soco no estômago. — Agora sente? — Sempre senti. Só... não sabia como lidar com tudo. Com a distância. Com você. — Comigo? — É. Você sempre foi a constante na minha vida, Lara. Sempre esteve lá. Mesmo quando eu não merecia. Fiquei em silêncio. Por orgulho. Por medo de me expor demais. — E agora você está com outra pessoa. Alguém que eu nem sabia que existia. E você acha que pode ligar como se nada tivesse mudado? Ele suspirou. — Eu não queria que fosse assim. Eu só… me perdi um pouco. Eu nunca pensei que você ia se afastar de verdade. — E você nunca pensou que eu podia me magoar de verdade. Do outro lado da linha, ele ficou quieto. — Você sabia o que eu sentia, Theo? — perguntei, enfim. Minha voz saiu baixa, trêmula. — Ou você só fingia que não? Silêncio. — Eu… eu sempre soube que tinha algo diferente entre nós. Mas eu não queria estragar tudo. — E estragou do mesmo jeito. Desliguei antes que ele pudesse dizer mais. E fiquei ali, no escuro, sentindo minhas mãos tremerem. Nas semanas seguintes, evitei qualquer coisa que me lembrasse dele. Comecei a sair mais com colegas da faculdade. Fui a festas que antes recusaria. Beijei um garoto bonito numa festa da administração, e só depois percebi que o beijo era amargo, sem sentido. Porque não era o beijo dele. E uma noite, deitada no quarto, percebi: talvez eu sempre tenha estado apaixonada por Theo. Desde muito antes de perceber. Desde a primeira vez que ele me abraçou sem pressa. Desde a primeira vez que me defendeu sem hesitar. Desde quando ele se tornou meu porto seguro — e eu passei a confundir amizade com amor. Ou amor com amizade. Talvez nunca tenha havido diferença. Mas agora, estávamos em lados opostos de um oceano. E não era só geográfico.
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