Capítulo-IX. A palmada
" Use suas mãos e use também a linguagem para a massagem ser completa."
Acélia
Quem me atende no ateliê é a ajudante de Vera, uma mulher chamada Daiane. Não gosto do jeito como os olhos da mulher se espicham para o lado de Rovani.
— Oi, querida! Quem você vai atender sou eu, né? Ele não tá, o vestido é para mim — digo, dando um corte na mulher, que fica toda sem graça e faz menção com a mão para que eu adentre ao ateliê.
Rovani, por sua vez, é simpático até demais. Saúda a tal Daiane e adentra o local como se fosse o próprio rei, o que me mata de raiva por dentro. Ela, por sua vez, é só sorrisos para ele. Vejo como os olhos da menina brilham.
— Querida, cadê a Vera? — pergunto irritada e doida para tacar fogo nela.
— Está terminando alguns ajustes de um vestido de noiva que temos que entregar amanhã. Pode sentar, por favor. Creio que Vera não irá demorar. — O senhor também, sente-se — diz a mulher, com o sorriso quase rasgando os lábios.
Será que ela não tem medo de morrer queimada?
Sento-me, virando o rosto para o outro lado.
— Agradeço. Vocês fazem vestidos sob medida ou possuem algumas peças prontas para venda? — o i****a pergunta, sorrindo de um modo cafajeste para Daiane, que parece que de humana vai se transformar em uma poça de baba.
— Já falei com o senhor, tio, que essa sua mania de usar vestido não é coisa que os outros vão entender — digo do modo mais normal possível, embora por dentro eu esteja sorrindo de nervoso e com o coração batendo nas solas dos pés.
Vejo o momento em que Rovani olha em minha direção, estreitando o olhar como se fosse me estrangular sem usar as mãos. Daiane se engasga, não sabe o que dizer. Ela abre a boca, levanta o indicador da mão direita umas duas vezes. Dou um pequeno sorriso, olhando de cima para baixo na direção de Rovani.
Até que duas pessoas atravessam a porta e Daiane vai em direção a elas. Aproveito para levantar o meu dedo do meio para o infeliz. Meu sorriso se expande ao ver Rovani apertar os punhos. O infeliz estala o pescoço e dá um passo em minha direção. Estou preparada para sair correndo do assento quando a porta se abre e Vera surge.
— Mas que bom te ver aqui, Acélia! Seu vestido está lindo, quase pronto. Precisamos fazer a última prova e os ajustes.
Ergo-me apressada antes que Rovani consiga se aproximar. Abraço Vera, que fica espantada com a minha ação, no entanto a senhora de cabelos grisalhos me envolve em seus braços.
— Vamos, Vera. Estou ansiosa para ver o meu vestido — digo, doida para ficar alguns minutos longe da fúria de Rovani e do olhar ácido que está queimando a minha pele.
— Claro! Você vai ser uma verdadeira princesa nos seus quinze anos. Então... ansiosa? — pergunta Vera com um sorriso no rosto.
— Muito nervosa, Vera, para ser sincera. Não escolhi algo clássico e sim mais contemporâneo, mas meu pai não abre mão da sequência de valsa — comento, tentando aliviar a tensão nervosa presente em mim.
— É linda a valsa, ainda mais se tiver um namoradinho e ele for seu príncipe.
Damos dois passos e sinto alguém segurar meu braço. Viro o rosto e vejo Rovani. Os olhos âmbar estão presos aos meus. Não entendo nada. Olho para a mão enorme que quase engole meu braço.
— O senhor é...? — pergunta Vera, com um vinco no meio da testa.
— Tio dessa atrevida. Acélia não vai entrar sozinha no quarto. Estou aqui para registrar tudo e enviar ao pai dela — diz, e fico quase vesga de tanto que meus olhos se ajuntam perto da ponte do nariz, onde o infeliz tem o atrevimento de apertar depois de soltar meu braço.
— Senhor, eu não posso permitir que...
— Vamos embora, Acélia — diz Rovani, fazendo um movimento leve com a cabeça.
Confesso que quase derreto quando diz meu nome. Parece que a voz dele está cheia de eletricidade, porque sinto a descarga elétrica em meu pequeno ser.
— Não! Minha festa está perto. Preciso do vestido — me recuso. Olho na direção de Vera e puxo uma respiração pesada. — Vera, ele pode entrar, por favor. Esse meu tio é esquizofrênico, pode surtar e, sinceramente, você não quer ver ele em surto.
Rovani abre um pequeno sorriso como quem diz vou te dar muitas palmadas, sua peste!
Vera olha para Rovani com pena no olhar.
— Sério? Ah, meu Deus, um moço tão jovem... Irei abrir uma exceção, porque é para você, Acélia, e porque ele é o seu tio e tem problemas. Deus me livre se ele cismar e quebrar o meu ateliê.
Olho por cima do ombro e Rovani parece um soldado assassino desses que vemos em filmes de guerra, treinado para matar ou morrer. Finjo que não percebo a raiva que tem nos olhos bonitos.
Sigo conversando com Vera, falando sobre os sabores dos doces que escolhi e as flores para a decoração. O espaço onde irei experimentar o vestido possui um espelho enorme no fundo, um local com uma arara que vai de ponta a ponta da parede, onde outros vestidos estão pendurados.
— O senhor, sente-se naquele sofá, por favor — pede Vera a Rovani, apontando para o pequeno sofá de veludo branco.
Rovani segue para o estofado. Vera me guia para uma antessala, onde me ajuda a colocar o vestido. Depois subo num pequeno banco, onde ela faz os ajustes e marca melhor a bainha.
Escutamos alguém bater na porta.
— Acélia? Está tudo bem? — ouço a voz de Rovani.
— Sim — respondo, irritada com a sua intrusão.
— Então abre essa porta — o tom é de ordem, não de pedido.
— Estou bem, dá licença!
De repente, a porta é aberta e o homem surge. Vera arregala os olhos, e eu, no susto, por pouco não perco o equilíbrio.
Rovani olha em minha direção.
— Satisfeito? Ainda estou respirando — digo, olhando para o homem que saca o celular, bate uma foto minha e vira as costas, encostando a porta.
— Não é por nada, menina, mas esse seu tio é estranho — comenta Vera, assustada.
Dou um pequeno sorriso, querendo engolir Rovani vivo.
— O vestido está perfeito, Vera. Obrigada — digo, olhando-me no espelho, pensando se o infeliz gostou também. Mas por que estou preocupada se ele gostou ou não?
Vera me ajuda a descer do pequeno banco e depois a retirar o vestido. Cerca de cinco minutos depois, estou cruzando a porta e vejo Rovani em pé, falando ao celular. Ele está de costas, uma das mãos dentro do bolso da calça, e a b*nda durinha e levemente marcada da calça está na direção dos meus olhos.
Abro um sorriso diabólico. Aproximo-me lentamente e acerto um baita tapa na coisa dura e dou no pé.
Passo pela porta e dou uma olhadinha para Rovani. Ele está parado, sem entender o que acabou de acontecer. Solto uma gargalhada e sigo com passos céleres para fora. Estou quase saindo pela porta quando escuto passos apressados atrás de mim. Acelero e ganho a rua, corro pela calçada. Meu coração dispara quando olho para trás e vejo Rovani e os seguranças dele correndo atrás de mim.
Meu Deus, o que me deu?! Por que dei um tapa na b*nda dele?! Rovani vai querer me esfolar viva!
— Acélia, volta! — escuto o som da voz do homem.
" Volto nada!"
Creio que perco o sangue do meu corpo e a minha alma grita: se vira, quem mandou você aprontar!
Dou tudo de mim nessa corrida. A saia que uso sobe, quase mostrando a calcinha. Sem prestar muita atenção, me jogo na rua para alcançar o outro lado. Escuto o barulho de buzinas, viro o rosto e vejo um carro vindo na minha direção. Meus olhos ficam enormes, espero pelo impacto, no entanto mãos me puxam. Caio na calçada sobre um corpo macio e cheiroso.
— C*ralho! — a voz de Rovani vocifera.
Ergo-me devagar e vejo que estou sobre ele. Sobre tudo dele, com o meu joelho no meio das pernas do homem. Bem no coiso.
Escancaro ainda mais meus olhos. Eu toquei no coiso dele! No coiso! Ai, meu Deus! Meu Deus! Acho que deixei o homem aleijado!
Tento me erguer e sinto a mão do homem puxar a minha saia.
— Não se mexe, p*rra! Quer ficar nua?! — diz entre dentes.
Engulo em seco.
— Senhor, tudo bem? — ouço a voz de um dos homens de Rovani. Ergo brevemente o olhar para um careca com cara de quem dá surra em geladeiras.
— Tudo, Ângelo — a voz de Rovani soa áspera.
Os dedos do homem puxam o tecido da minha saia para baixo com brusquidão.
— Levanta, sua peste! — ordena entre dentes.
Saio do lugar gostoso e cheiroso. Jamais imaginei que o nosso primeiro contato mais próximo seria assim. Apesar de tudo... eu gostei.
Levanto-me sob a vigilância dos seguranças de Rovani. O homem ergue-se contrariado. Seu olhar crava em mim. Ele organiza o terno e, em seguida, os fios castanhos claros.
— Para o carro, Acélia — diz, pegando-me pelo pulso.
Sou arrastada feito uma criança de cinco anos. Dou corridinhas para acompanhar o homem, que não diz uma só palavra. Porém, o rosto está transfigurado em uma carranca quase diabólica. Entro no carro e Rovani bate a porta com força.
Nossa... ele não gosta de levar palmadinhas, mas deve ser bom na hora do vuco-vuco, dar umas palmadas e dizer “vai, cavalo”.
Rovani adentra o veículo com o olhar severo, porém não o destina a mim. Mantenho a boca calada — tenho medo de falar e o homem explodir.
Rovani acelera, depois de colocarmos os cintos de segurança. Olho pela janela, pensando... toquei no coiso dele.