Infusão e Encontro na Ilha
A viagem foi longa. A ponte que ligava o continente à Ilha Paraíso era uma fita de asfalto estendida sobre o mar, e Alicia sentiu a brisa salgada pela janela, um prenúncio de seu novo horizonte. Seguindo as instruções do GPS, ela dirigiu direto para o hospital da ilha, priorizando sua saúde antes de qualquer ambição profissional. A entrevista para Chef era importante, mas a infusão a cada seis meses era vital.
O hospital, embora menor do que os da cidade, era moderno e, como ela percebeu ao entrar, incrivelmente acolhedor. A recepção era calma, com cores suaves e janelas grandes que deixavam a luz natural entrar.
Após o preenchimento da ficha, Alicia foi chamada. Ao entrar na sala, encontrou-se com o Dr. Newton, um homem de lindo, com um ar calmo e observador.
"Em que posso ajudar, senhorita Romanoff?", ele perguntou com uma gentileza profissional.
Alicia entregou a ele sua pasta com o histórico médico completo, a receita e os detalhes de seu tratamento genético. O Dr. Newton analisou os documentos, franziu a testa por um momento, coçou a cabeça, e depois a olhou com atenção antes de voltar aos papéis.
"Senhorita Romanoff, aqui no hospital não temos esse medicamento para seu tratamento," ele informou, a voz pesarosa.
"Eu trouxe o medicamento, Doutor," ela respondeu prontamente, sem se abalar. "Eu sabia que provavelmente não teriam aqui e me precavi."
Ela pegou a pequena maleta térmica que levava e a entregou a ele. O médico abriu, checando os frascos. Estavam todos lacrados e intactos, exatamente como deveriam estar.
"Posso perguntar o que atrai a nossa ilha, a senhorita Romanoff?", ele questionou, olhando-a por cima da pasta.
"Emprego," ela respondeu sucinta, mantendo a compostura.
Ele apenas assentiu, respeitando a privacidade dela. "Vou preparar o medicamento. Você vai acompanhar a enfermeira, ela virá buscá-la e mostrará o quarto onde passará a noite para a infusão. Eu estarei aqui durante a noite inteira e estarei acompanhando o procedimento. Sua pasta pode ficar aqui comigo até de manhã, está bem?"
Alicia concordou com a cabeça. Logo uma enfermeira sorridente a guiou para um quarto. Era simples, limpo e organizado, com um banheiro privativo. Protocolo do hospital: ela vestiu a camisola hospitalar, deixando sua roupa no armário.
A noite transcorreu tranquilamente. Ela estava acostumada ao processo; eram apenas duas vezes por ano. Receber o medicamento na veia sempre causava um certo desconforto, um incômodo que ela já conhecia, mas o alívio de saber que estaria bem pelos próximos seis meses superava qualquer efeito colateral. O Dr. Newton a visitou durante a madrugada, checando seus sinais vitais e perguntando se estava se sentindo bem.
Às seis da manhã, o Dr. Newton voltou, trazendo suas roupas e a pasta.
"Aqui está a sua alta, a sua receita com o medicamento para o próximo ciclo e sua pasta. Bom, já que vai trabalhar e morar aqui na ilha, será minha paciente quando precisar. Qualquer coisa é só voltar, está bem, senhorita Romanoff?"
"Está bem, Doutor. Qualquer coisa, eu volto," Alicia respondeu com um sorriso sincero.
Ela se trocou, fez sua higiene e saiu do hospital, sentindo-se renovada e pronta. O sol já começava a brilhar forte sobre a Ilha Paraíso.
Ela seguiu para uma padaria charmosa que encontrou no centro da pequena cidade da ilha. O café da manhã seria sua preparação de guerra para a entrevista. Pediu o "Especial da Casa": a mesa ficou repleta de pães, geleias caseiras e um café forte.
Vida que segue, pensou, dando uma mordida em um pão fresco. A noite foi tensa, mas o pior havia passado.
Enquanto tomava o café reforçado, concentrada no planejamento mental de como iria "vender" seu currículo, a porta da padaria se abriu. Entrou um homem alto, de ombros largos, vestindo uma camisa de gola polo e calças cáqui que destacavam sua postura imponente. O distintivo preso ao cinto e a arma na cintura denunciavam a profissão: policial.
Ele parecia sério, mas não m*l-humorado, e foi direto ao balcão pedir um café. Alicia o observou rapidamente, voltando em seguida para o seu desjejum, mas a presença dele na pequena e tranquila padaria despertou uma sutil curiosidade.
Alicia estava saboreando seu café reforçado quando o policial, ainda no balcão, lançou um olhar rápido para a porta. Seus olhos varreram o interior da padaria, fixando-se de repente em Alicia e na mesa farta à sua frente. Ele moveu-se em sua direção com uma rapidez silenciosa, a expressão tensa, mas com um brilho de desespero nos olhos.
"Posso me sentar aqui, por favor?", ele perguntou, o tom polido, mas a urgência velada. Antes que Alicia pudesse responder, ele deu outro olhar para a porta, sua atenção voltada para algo fora de sua vista.
"Pode," Alicia respondeu, ligeiramente confusa, movendo as coisas para dar espaço.
Ele puxou a cadeira para perto e inclinou-se, falando em um sussurro apressado que quase se perdia no barulho da cafeteria.
"Me salva, por favor."
Alicia arregalou levemente os olhos. "Do quê? Como?", ela perguntou baixinho, a curiosidade gastronômica temporariamente superada pela intriga.
Ele não hesitou. "Daquele mulher. É só fingir que a gente está junto. Só isso."
Alicia olhou para ele. Ele parecia perfeitamente sério, um policial implorando por socorro. Ela concordou com um aceno quase imperceptível, voltando a bebericar seu suco de laranja, pronta para entrar no papel.
Neste instante, a mulher em questão entrou na padaria. Alta, com o cabelo escuro impecavelmente penteado e os olhos faiscando de raiva, ela caminhou diretamente para a mesa deles, o salto ecoando no piso. Ela nem sequer olhou para Alex, focando sua fúria diretamente em Alicia.
"Você! Sua desqualificada! Sua vagabunda de beira de estrada! Pensa que pode roubar o que é meu?" As ofensas eram pesadas e desproporcionais, ditas em alto e bom som.
Alicia manteve a calma, encarando a mulher com um olhar vazio. Deixou que Alex assumisse a situação.
Alex, o policial, se levantou e bateu a mão na mesa, seu tom de voz era autoritário e glacial, cortando o escândalo no meio.
"Graziela, pode parar de fazer escândalo!" Ele esperou que ela se calasse e continuou, a voz controlada, mas carregada de aviso. "Quando a gente se envolveu, você sabia muito bem o que estávamos fazendo. Eu te falei que era só... só o que você sabe que a gente estava fazendo. Nada mais. Era só umas noites junto, e você agora vem me falar que quer que eu te deva alguma coisa? Não te devo nada! E pode parar de ofender as pessoas como se você fosse a pessoa mais top do mundo, coisa que não é, coisa que eu sei. Então, pode parar de fazer barraco."
Ele deu um passo à frente, diminuindo a distância entre eles. Seus olhos eram duros.
"Ou se você quiser ir fazer barraco lá na delegacia, eu te levo para lá. Mas aproveita e joga a chave fora, porque o lugar de louco não é na delegacia, é no hospício. Peço para o juiz te pôr lá."
Graziela encarou Alex, seus olhos arregalados de choque pela menção da delegacia e do hospício. A ameaça de ser exposta e ridicularizada por um policial, publicamente e com a lei ao seu lado, foi suficiente. Ela hesitou por um segundo, engoliu a raiva e saiu marchando duramente pela porta, deixando o silêncio pesado na padaria.
Alex soltou um suspiro, o alívio visível em seus ombros. Ele se virou para Alicia com um sorriso envergonhado e grato.
"Obrigado," ele disse, sincero. "A propósito, meu nome é Alex."
Alicia estendeu a mão sobre a mesa, apertando a dele. Sua mão era firme.
"Meu nome é Alicia. De nada."
Ele puxou a cadeira para se sentar novamente, parecendo relaxado pela primeira vez.
"Quer tomar o café da manhã?", Alicia ofereceu, apontando para a variedade de comida que restava em sua mesa. "Acho que depois desse susto, você mereceu."
Alex sorriu. "Eu aceito de bom grado. Não tomei nada ainda."
Eles ficaram ali, lado a lado, enquanto Alex pedia seu café, e começaram a conversar sobre coisas triviais, ignorando os olhares curiosos dos outros clientes. A tensão da madrugada no hospital e o drama da padaria haviam passado. O dia de Alicia havia começado com uma infusão, e agora, com um encontro inesperado.