LIA
Se existe uma coisa que ninguém me avisou sobre crescer, é que sentimentos são piores que provas de matemática.
E olha… eu odeio matemática.
Depois que Noah quase me abraçou, e depois que o vaso decidiu se suicidar no chão e salvar a gente de um momento emocional constrangedor, eu me escondi no banheiro por uns três minutos.
Só para respirar e para reorganizar meus pensamentos, que estavam fazendo uma rave.
Quando voltei para a sala, lá estava ele, sentado no meu sofá como se fosse dele, com as pernas abertas, o cabelo bagunçado e o celular na mão todo destraido.
A imagem era exatamente um caos organizado que ele é.
— Você vai ficar me ignorando? — fiquei de pé na porta, porque sentar muito perto dele ainda parecia uma péssima ideia.
— Ignorando? — ele ergueu uma sobrancelha. — É você que fugiu para o banheiro.
— Eu não fugi — respondi automaticamente.
Eu fugi sim.
Ele sorriu. Aquele sorriso torto, presunçoso, que me dá vontade de chutar e beijar ao mesmo tempo.
— Tá bom, Lia — disse ele, puxando um travesseiro e abraçando como se fosse uma bola de basquete.
— Você mergulhou no banheiro. Deve estar treinando para o campeonato mundial.
Revirei os olhos, mas não deu para segurar o riso.
— Você é impossível.
Ele deu de ombros.
— E você me ama assim.
O ar sumiu dos meus pulmões. Ele fala dessas coisas como quem diz “passa o sal”, Sem pensar, Sem perceber o impacto.
E eu fico ali, travada igual aplicativo que m*l funciona.
— Não começa — murmurei, caminhando até a poltrona e me sentando o mais longe possível dele.
Mas mesmo longe, eu sentia ele.
Noah sempre teve essa coisa de preencher o ambiente. Ele existe e o mundo presta atenção.
Ele se mexeu no sofá e me olhou sério, finalmente. Sem sorrisos, sem sarcasmo.
— Eu não quero que a gente fique m*l, Lia.
Meus dedos apertaram o braço da poltrona.
— Eu também não — admiti, baixinho.
— Então… não foge de mim — ele disse, a voz baixa, quase suplicando. — Você sempre faz isso quando as coisas ficam intensas.
Ok, isso doeu.
E irritou.
E mexeu comigo.
— Eu não fujo — falei, cruzando os braços.
Ele riu, um riso curto, cansado.
— Você fugiu AGORA HÁ POUCO.
— Eu fui respirar!
— E fugir de mim enquanto isso — ele respondeu, sem hesitar.
Meu coração bateu rápido. Eu não estava esperando aquela sinceridade toda. Noah raramente fala tão direto.
Às vezes eu queria que ele falasse mais dessas coisas, outras tudo isso me apavorava.
— Lia — ele se inclinou na minha direção, apoiando os antebraços nos joelhos. — Olha pra mim.
Olhei.
E odiei ter olhado.
Ou amei.
Não sei.
Os olhos dele estavam daquele jeito, escuros, intensos, cheios de coisas que ele jamais diz em voz alta. E eu senti a sala inteira desaparecer, só nós dois existindo ali.
— A gente é melhor quando tá junto — ele disse, sério.
— Eu sei — respondi, quase num sussurro.
Ele sorriu, suave dessa vez.
— Então não estrague isso.
— Eu não tô estragando!
— Tá, sim.
— NÃO TÔ!
— Tá.
— Noah!
Ele riu, e pronto. O clima acabou. A tensão sumiu. O ar voltou.
Ele sempre faz isso: aparece pra desmontar meu mundo e, dois segundos depois, me fazer rir.
— Eu vou te encher o saco até você admitir que tava com saudade — ele declarou, abrindo um pacote de biscoitos que tinha encontrado sozinho na minha cozinha.
— Eu te conheço, Lia. Melhor do que você se conhece.
E a verdade é que ele conhecia mesmo.
— Você é insuportável — eu disse.
— E irresistível — ele completou, jogando um biscoito no ar e pegando com a boca.
— Ridículo — murmurei, mas sorrindo.
— A Lia verdadeira nunca resiste.
— Para de falar como se eu fosse um aplicativo.
Ele piscou um olho.
— Você tem mais bugs do que alguns.
Eu ri alto dessa vez. Riso solto, verdadeiro.
E percebi que era a primeira vez, em dias, que eu respirava sem peso.
Ficamos ali por horas, entre sarcasmos, ataques de riso, provocações idiotas e pequenas confissões disfarçadas.
Com Noah, tudo sempre foi fácil… até o momento em que passou a ser difícil.
E eu ainda não sabia como lidar com isso.
Quando ele se levantou para ir embora, já era noite.
— Amanhã passo aqui — avisou, sem nem perguntar se eu queria.
— Quem disse que eu vou estar em casa?
Ele sorriu, aproximou-se e bagunçou meu cabelo com carinho.
— Você sempre está.
Minha respiração travou. Meu coração também.
E antes que eu pudesse dizer algo, ele se curvou, beijou minha testa — um beijo rápido, quase imperceptível — e sussurrou:
— Boa noite, minha tempestade favorita.
E saiu.
Me deixando ali, abraçada no próprio peito, tentando entender como alguém podia causar tanta confusão… e ainda ser o meu lugar preferido.