MELODIE
A minha cabeça lateja, é como se uma banda de percussão de dez integrantes tivesse se formado e estivesse ensaiando dentro dela. As minhas pálpebras estão pesadas e não querem abrir. Os meus pensamentos estão confusos e o problema é que não consigo organizá-los. Lembro-me apenas de alguns fragmentos do que aconteceu.
Sam. Ele não contou a Vito. Ele esteve do meu lado, ele entendeu, ele tinha até ido para casa.
Aí o médico tinha vindo ver o meu pai, mas não era o médico habitual. E eu perguntei a ele o que ele estava fazendo.
O médico! Ele me drogou, mer*da. Fragmentos vêm à mente, mas nada que eu possa lembrar claramente. Onde estou? O que está acontecendo?
Eu forço os meus olhos a se abrirem e me levanto para tentar reunir as minhas forças. Não há barulho, não estou na cidade, mas também não consigo reconhecer o lugar. Examinando a sala, não vejo ninguém. Estou num sofá velho e gasto, vejo uma porta de saída para o exterior da cozinha. Há um bloco de facas no balcão, se eu conseguir que o meu corpo coopere comigo, posso pegar uma e correr.
Os eventos voltam para mim e sei que tenho que chegar ao meu pai. Eles tentaram feri-lo ou matá-lo. Aquele homem tentou colocar algo no seu soro e não consigo me lembrar se ele conseguiu ou não... Levante-se Elodie. Eu faço o meu corpo lutar contra quaisquer drogas que eles usaram para me incapacitar. Lute. Eles não vão se safar tão facilmente, eu não vou desistir sem lutar. Eu me levanto do sofá e observo os meus arredores. Estamos num local remoto, as janelas estão fechadas e não há telefone, nem TV e nem como pedir ajuda.
Sei que perdi o telefone do Vito no hospital, deixei cair. Tentei agarrá-lo, mas não consegui alcançá-lo. Não há fechadura visível na porta, mas mesmo que esteja trancada, eu acho que consigo abrir com um chute. Eu mantenho a minha posição, ainda um pouco tonta, mas é a melhor chance que tenho de escapar. Eles obviamente acham que ainda estou inconsciente ou estariam aqui me observando.
Eu me movo o mais silenciosamente que posso em direção à cozinha, puxando uma longa faca de chef do bloco. Elas são sempre as mais afiadas e a lâmina longa causará mais danos sem que eu precise chegar muito perto. Não há como saber contra quem estou lutando. Estou a dois passos da porta, bem perto. Espero poder correr neste estado.
— O que você está fazendo? Me viro com a faca pronta para esfaquear o meu sequestrador.
Só que não é um sequestrador, é o Vito. Eu me sinto confusa e levanto a guarda por um segundo.
— Melodie. Ele diz o meu nome e eu começo a juntar as peças desse quebra-cabeça.
Vito ri de mim, envolve a sua mão na minha e pega a faca de mim. É fácil para ele, porque ainda estou grogue demais para lutar. As drogas continuam me afetando, tornando tudo lento.
Fico com raiva quando ele ri e me atiro para bater nele, mas ele apenas agarra os meus pulsos e ri ainda mais. Ele é um idi*ota.
— Que dia*bos, Vito? Digo a ele quando ele não me solta. — O que aconteceu?
Eu não estava com ele, aquele médico me pegou. Como acabei parando aos cuidados do Vito? Embora, no momento, ele não pareça muito cuidadoso.
— Você me diz, Melodie. Ele sorri, segurando o meu pulso com mais força. — Foi você que me roubou e fugiu. Você se colocou em perigo e causou uma grande confusão. Então me diga o que dia*bos aconteceu.
Vito está com raiva de mim, posso ver nos seus olhos. Ele não está com raiva, ele está furioso. Dando, a sua linguagem corporal é agressiva e sei que estou em perigo, mesmo que ele deva me manter segura.
— Eu queria ver o meu pai. M*aldito idi*ota. Afasto as minhas mãos dele. — Se você tivesse feito o que disse e tivesse me levado, eu não teria que fugir.
Eu lembro disso. Sei que ele e o pai me prenderam como prisioneira e não como hóspede. A minha memória ainda está nebulosa, mas sei por que fugi. O pai dele ficou com raiva e me prendeu como uma adolescente travessa que precisava ser punida.
— Você quase matou o seu pai. Ele me diz.
Engulo a culpa.
Isso é mentira. Eles teriam feito isso de qualquer maneira e eu impedi. Fiz confusão e por isso aquele médico desviou a atenção até mim.
— Você quase foi morta e Sam também. A sua pequena excursão egoísta quase matou todos nós, você colocou todos nós em risco, Melodie. À minha família, e à sua.
— Você está exagerando, eu só fui ver o meu pai. Sou uma adulta e uma pessoa livre que pode ir visitar o pai doente. Vocês não podem me prender contra a minha vontade. Não sou uma prisioneira, Vito, sou hóspede e precisava ver o meu pai — Encosto-me na bancada da cozinha.
O chão se move sob os meus pés e eu balanço com ele. — Então fo*da-se.
Ele levanta uma sobrancelha quando eu o insulto, já que ele não gosta que eu me defenda. Os homens da Cosa Nostra não gostam, eles querem que as suas mulheres sejam fracas, estúp*idas e obedientes. E eu nunca seria nenhuma dessas coisas.
Nunca.
Bem, Melodie, você era uma convidada. Mas, graças à sua manobra estú*pida, agora somos ambos prisioneiros nesta casa segura. Sob vigilância 24 horas e incapaz de sair. Você era livre, mas tinha que se comportar como uma garota desobediente. E agora sou um prisioneiro como você! A sua voz se eleva e ressoa pela casa. — Você causou tudo isso, então não venha reclamar. Você causou tudo isso sozinha. Você estava segura na casa do meu pai, mas teve que fazer uma birra porque não conseguiu o que queria. Ele grita. Eu realmente quero calar a boca dele, mas estou muito fraca para fazer isso.
— Não foi uma birra. Ele é minha única família! Eu tinha que estar com ele, Vito. Eu perguntei a você, e você agiu como um id*iota. Você mentiu, você disse que me levaria, quando você realmente não queria. Não me culpe, a culpa é sua. Se você tivesse feito o que disse, eu não teria que fugir. Você não é um homem honrado, porque não conseguiu nem cumprir a sua palavra. Ele não vai me culpar por isso, foi ele quem disse que me levaria e não o fez.
Cada homem na Cosa Nostra vale tanto quanto a sua palavra e, claro, agora, a palavra de Vito não vale mer*da nenhuma.
— Bem, agora você não pode mais vê-lo. Ele diz. — Porque não podemos deixar este lugar. Não até que o meu pai diga que está tudo bem. Ele cruza os braços e sinto os meus lábios tremerem.
Eu amo o meu pai e tenho que saber se ele está bem, eles não podem me impedir de vê-lo. Eles não podem fazer isso!
Mas a verdade é que podem. Eles podem fazer o que quiserem comigo porque não há como pará-los. Estou sozinho e à sua mercê, não sou hóspede nem prisioneira, sou apenas um peão.
— Bem-vinda a uma prisão de verdade, Melodie, espero que você já esteja feliz. Vito se afasta, deixando-me m*al de pé na cozinha.
Quando ele sai, eu me arrasto de volta para o sofá. Todo o meu corpo treme e sei que tenho que me deitar ou vou desmaiar.
— O que eles me deram? Eu pergunto em voz alta, esperando que ele possa me ouvir.
Os seus passos pesados no chão de madeira quando ele retorna me dão uma idéia sobre o seu estado de espírito.
— Sam vai nos avisar assim que descobrir, embora provavelmente seja um sedativo que eles usam para estuprar as meninas. Você vai se sentir m*al por alguns dias, mas depois deve ficar bem.
Eu sei o que usamos para sequestrar pessoas, então revendo uma lista de possibilidades na minha cabeça. Existem maneiras de me sentir melhor mais rápido se eu souber o que eles usaram.
— Você está bem? Ele me pergunta, de repente preocupado.
— Não sei, me sinto tonta, fraca e a vertigem é terrível. O meu corpo se opõe e não consigo fazê-lo se mover. Sinto-me zonza e os meus reflexos estão muito lentos. Sinto um gosto metálico horrível na boca e a minha língua parece uma lixa.
— Posso te oferecer alguma coisa para te ajudar? Vito me pergunta. — Não temos muito, eles só nos forneceram o básico e vão mandar mais mantimentos hoje à noite. Ele olha em volta da casa precária.
Não é com isso que ele está acostumado. Em comparação com a sua casa, isto é um barraco.
O coitado do Vito tem que morar num barraco comigo. Ele deve estar muito triste.
— Um pouco de água fria e algo para comer. Porque comida e água ajudarão, a absorver e eliminarão as drogas mais rapidamente.
Vito se levanta e eu me sento, apoiando a cabeça no sofá. Fecho os olhos e a vertigem cessa. Por mais que eu odeie admitir, Vito está certo, eu fui uma estúp*ida. Eu fiquei com raiva e tomei decisões emocionais. Isso quase custou a mim e a meu pai as nossas vidas. Esse tipo de coisa não pode acontecer de novo. Eu tenho que seguir as regras deles, mesmo que eu os odeie.
— Aqui está. Ele diz. Agora ele parece mais preocupado do que zangado: — Vou pedir para eles enviarem algumas coisas de verdade para que possamos cozinhar.
Ele prepara o jantar no micro-ondas e me oferece um copo d'água.
Eu engulo, esperando me sentir melhor.
— Obrigado. Agradeço pela comida, e então me sento um pouco culpada que agora temos que estar numa casa segura.
Eu sei como isso funciona. Temos que ficar aqui. Não é a primeira vez que tenho que me esconder para estar segura. A questão é por quanto tempo devemos nos esconder? Teremos que fugir?