O depoimento de Andrew

1761 Words
SEGUNDA PARTE: COMPONENTES ________________________________ O primeiro a dar seu depoimento foi Andrew. O detetive pediu que se sentasse e perguntou seu nome completo: — Andrew Tavares Gomes, senhor. William anotou seu nome e gravou na mente sua fisionomia: alto, loiro, de olhos verdes. Depois começou: — Dê sua versão do que aconteceu. Do começo. — Tudo bem, senhor. — Após um longo suspiro, Andrew prosseguiu: — Acredito que o "começo" foi quando a gente estava na mansão. Nós tínhamos levado algumas bebidas para relaxar e ficar mais de boa, mas daí o sr. Augusto tinha regras de proibição para tudo e Juliet ficou nervosa, porque dava para ver nos olhos dela que ela queria fazer algo diferente, mas não queria que seu tio soubesse. Pensamos em dar uma volta pra evitar encrenca para o lado de Juliet. Lembro que ela exigiu ir para um lugar fechado, tenho certeza de que não queria ser vista por aí, então decidimos ir até a FHCE. Lá a gente poderia beber e pôr em prática um jogo que ela recebeu no e-mail dela. — Sim, o jogo. Fale mais sobre ele. — É um jogo chamado “O Cúmplice e o Assassino”. Creio que o senhor não saiba como é que funciona... — Explique — inquiriu William. — De uma forma resumida, o jogo começa quando se escolhe um Cúmplice. Depois de escolhido, todo mundo entra, neste caso, na sala que escolheu. No segundo andar onde a gente estava, tinha a quantidade de salas perfeitas, uma para cada. William ouvia atento. — Quando está todo mundo dentro da sua sala, o Cúmplice escolhe um Assassino. O Assassino tem a função de m***r, é claro. Então, o Cúmplice fica na sala do Assassino esperando ele m***r alguém. De mentira, é claro! — Claro — disse o detetive, de forma irônica. Andrew engoliu em seco, percebendo a frase m*l elaborada que dissera. — Continue. — Então, feita a escolha, o Assassino sai da sala e põe os disfarces, no caso usamos uma capa e uma máscara. Depois, a Vítima vota em quem ela acha que foi. — Permita-me perguntar: Esse disfarce era eficiente? — Para ajudar, as luzes das salas estavam apagadas enquanto jogávamos. — Você acha que, pela estatura da pessoa, não seria possível reconhecê-la? — Para dizer a verdade, nem pensamos nisso, senhor — disse Andrew, estreitando os olhos. — Pelo que percebi, a capa que estava no meio do corredor, a qual acredito que usaram para o disfarce, poderia muito bem revelar parte dos braços, e seus pés, caso a pessoa fosse alta. Mesmo com a iluminação da lua, penso eu, daria muito bem para reconhecer a pessoa. E, levando em consideração a touca da capa, ela é mais larga que um disfarce eficaz exigiria, daria para enxergar certas características, mesmo que com uma máscara. Imagine uma das meninas como Assassina, seria fácil reconhecê-la, pois seus cabelos, mais longos que os dos homens, não colaboraria, não é mesmo? Andrew estava com o olhar petrificado e com os lábios secos. Antes de falar, passou a língua por eles, para umedecê-los:  — Agora com o senhor falando, vejo que não nos preparamos muito bem para jogar. Existiam falhas de que não nos demos conta. — Ou o jogo foi planejado para durar menos de uma rodada, eu arriscaria. — O senhor tem toda razão! — Os olhos de Andrew se arregalaram atrás das lentes. — Mas prossiga. Diga o que acontece depois — disse William, com a mão no queixo e recostado em sua cadeira. — Bom, depois de fazer a Vítima, o Assassino retorna para sua sala. Daí é a hora de o Cúmplice "acordar" os demais. — Andrew fez aspas com os dedos quando se referiu a "acordar". — Todos acordam, ou seja, saem da sala, menos quem morreu. Desse jeito todo mundo acaba sabendo quem foi a Vítima. Aí o Cúmplice pede para que a Vítima saia da sala e incrimine alguém de quem ela suspeite. Depois do voto dela, todo mundo vota, até o próprio Assassino, que deve ser convincente ao acusar o outro. — E depois da votação?  — Depois da votação a pessoa que recebeu mais acusações se revela. Ela fala se é mesmo o Assassino ou se é inocente. Se realmente a pessoa for culpada, a brincadeira acaba, caso seja inocente, todos voltam a "dormir" e o mesmo Assassino vai fazendo novas vítimas. Aí o jogo segue até que restem quatro pessoas, para a Acusação Final, ou até que peguem o Assassino. William reconheceu o lado inteligente da brincadeira, mas alguém havia trapaceado e assassinado de verdade a p***e garota. — Quem era o Assassino, Andrew? — Era o Dênis, senhor. — E como você sabe que era ele, já que a brincadeira foi interrompida? — Eu era o Cúmplice. Eu que o escolhi como Assassino. — E os demais sabem que Dênis era o Assassino do jogo? Imagino que não, a não ser Lúcia, já que Dênis foi até lá para dar uns beijos — pensou em dizer, mas não disse. — Eu acho que ninguém sabia, senhor — respondeu. — Porque depois que vimos o que aconteceu, paramos de jogar na hora! Ficamos tão chocados que nem tivemos condições de discutir isso. O detetive fez algumas anotações em seu bloquinho de papel. — Sabe me dizer quanto tempo Dênis demorou para voltar? — quis saber.  Devo dizer a verdade? De que forma isso o afetaria? E, quase sem saída, Andrew optou por dizer a verdade: — Ele demorou mais que o necessário, acho. A sala de Juliet era a do lado. — Ou seja, ele não tinha por que demorar, não é? — Bom — começou Andrew, escolhendo as palavras —, acho que Dênis estava tentando criar suspense, porque, querendo ou não, o jogo exigia isso, um clima misterioso. Digo ou não digo que ele foi até a sala de Lúcia? — Você me disse que Juliet havia recebido esse jogo por e-mail. — Sim. Mandaram as regras desse jogo para o e-mail dela. A gente gostou, pois é uma brincadeira emocionante... — Mandaram? — perguntou William. — Isso mesmo, mandaram. — Andrew parecia meio confuso. — Juliet não sabia quem era, porque a pessoa, seja quem for, usou o codinome "Interrogação". O detetive, achando aquilo um absurdo, questionou: — Como é que vocês se arriscam no meio da noite, numa faculdade, sem segurança nenhuma, para jogar um jogo que vocês sequer sabem quem inventou? — Na verdade, o nosso objetivo principal era sair do tédio, beber um pouco, já que lá na mansão não podia. Achamos que seria bom respirar um ar. A ideia do jogo veio depois, adaptamos as regras e fomos. Nós não paramos para pensar nas consequências que isso traria. Você pode pensar que somos "adolescentes" idiotas, porque realmente é o que parecemos. — E ninguém faz ideia de quem seja esse Interrogação? — Acho que não, senhor. Pelo menos foi o que todos disseram quando vimos o e-mail. — Na verdade, pouco me importa o codinome que a pessoa usou. O óbvio é que isso foi criado com o objetivo de fazer vocês jogarem. Alguém já estava com a intenção de m***r Juliet. Andrew encheu os pulmões de ar e os soltou com um silvo. Caramba, isso é verdade! Após um breve silêncio, o detetive perguntou se Andrew tinha visto algo de estranho ou se tinha ouvido alguma coisa fora do comum. Falo ou não falo?  Optou por falar. — Não sei se posso dizer sem ter certeza, mas eu tive a impressão de que havia alguém nos seguindo. Quero que saiba que não tenho certeza, senhor. Eu olhei para todos os lados, inclusive para trás, mas não cheguei a ver alguém, sabe? Era mais uma sensação, impressão, entende? Na hora eu fiquei calado para não assustar o pessoal, e também para não zombarem de mim. — Entendo, mas havia alguma possibilidade de alguém estar seguindo vocês? — Vou ser sincero, cheguei até a pensar que era alguém da mansão, um segurança ou um guarda-costas de Juliet, afinal, ela era uma garota milionária saindo no meio da noite. Ninguém sabia para onde a gente estava indo. Mas os porteiros, pelo menos, sabiam que estávamos saindo. Por isso pensei que era alguém de lá da mansão, porque, se fosse um assaltante, tinha que ser bem corajoso, pois éramos onze. William Silva tomou nota daquilo. Era uma informação muito importante. — Fora isso, você ouviu algo incomum na hora do jogo?  — Ouvi um barulho na sala dela, de Juliet, porque eu estava na sala do lado. — Depois da saída de Dênis? — Aham. — Que tipo de barulho, Andrew? — Ah, não sei descrever, mas agora, levando em consideração o assassinato, acho que foi o do corpo dela caindo no chão. Não foi como um baque, entende, senhor? Mas como uma queda amortecida. "Isso diz muita coisa" — pensou o detetive. Caramba, será que joguei muitas suspeitas em cima do Dênis? — Senhor, não está achando que Dênis... — O que eu acho ou deixo de achar não tem importância no momento. Estou aqui para averiguar. Investigar. Tem mais alguma coisa a dizer? — Não — respondeu Andrew, ajustando os óculos no rosto. — Já posso ir? — O interrogatório com você já acabou. Mas quero que aguarde. Vou liberar vocês todos de uma vez. Alguma objeção? — Tudo bem — disse o rapaz.  E o que mais ele poderia dizer? Ele se levantou da cadeira reajustando os óculos. — Qualquer informação ou suspeita que tiver, venha e me comunique, ok? Chame o próximo pra vir depor. Faria essa gentileza? — Claro, senhor. Vou chamar o Robson, pode ser? — Sim. Traga o Robson. Andrew saiu sentindo o suor brotando de todos os poros de seu corpo. * * * * * William Guimarães Silva queria pôr as mãos em Dênis, claro! Aliás, ele era o Assassino do jogo, e foi, ao que tudo indicava, o único que tinha se movimentado nos corredores. Isso o tornava uma peça importante nas investigações. No entanto, William desejava ouvir todas as opiniões antes de encurralá-lo, por isso optou por deixá-lo para o final, e testaria a verdade dele pelos argumentos alheios. O detetive fez um resumo mental de tudo que ouvira. Repassou de forma muito rápida as regras do jogo, matutou sobre a verdadeira identidade de Interrogação. Se alguém os seguira, quem foi? Por que Dênis tinha demorado, e o que fez fora da sala?  Era hora de continuar com a brincadeira.
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