1 - Maicon

2149 Words
Meus pulmões queimam e ardem pra c*****o. Minhas pernas pareciam que tinham uma tonelada, e por instinto eu continuo correndo, porque minha liberdade depende dessa p***a. Toda essa merda me deixa puto, minha vida é assim desde que me entendo por gente. Quando eu era menor, era divertido. Todo moleque na favela já cresce brincando de polícia e ladrão, sonha em ser fogueteiro ou vapor. Aquela vontade de fazer dinheiro fácil pra poder ajudar a família é o que a maioria quer, pô! Eu não fui diferente. Sonhei pra c*****o em tá onde eu tô, só mudando no fato de que queria que minha família fosse pro buraco na primeira oportunidade. Tô no comando tempo o suficiente, tenho maldade e bondade de sobra, é por isso que cada vez chego mais longe. A Rocinha é minha casa e vai ser difícil pra n**o me tirar daqui. Invasão é f**a, morô? Mas não tenho medo dessa p***a, não. O que eles querem, eu tô querendo em dobro. O f**a é toda vez ter que liberar uma grana pra colocar o morro forte de novo. Morte tem de monte, e eu sempre fortaleço daquele jeito a família dos vapores que morrem me servindo. Sei que dinheiro nenhum paga a dor do luto, mas eu sempre digo que nunca obriguei ninguém a entrar, e, lá dentro, é difícil pular pra fora. Uma coisa que eu invisto pra c*****o por aqui é educação. Não aceito de menor nenhum no meu corre. Já deixo avisado há anos que se entrar na boca pedindo cargo de aviãozinho, ia sair de lá com um tiro no pé. Já aconteceu algumas vezes, e ainda bem, né? Tive que usar alguns de exemplo. Tava dando pra esses filha da p**a tudo que eu não tive, e eles ainda queriam se envolver? p***a nenhuma. Tô ligado que essa paranoia minha já salvou vários moleques de tá nesse meio errado. Vejo vários menor dando orgulho pros pais e isso é satisfatório pra c*****o. — Chefe, bagulho é o seguinte. Meter o pé do morro, porque os cana tá em cima. Onde tu tá? — Águia falou no radinho — Tô na Dez, menó! Manda um vapor colar aqui com o blindado. Respondo pulando de uma laje pra outra, me escondendo atrás de uma caixa d’água. Foi questão de minutos até o meu carro chegar. Era arriscado pra c*****o sair por aí de carrão quando a polícia tava no morro, me caçando igual rato. Mas f**a-se. Morei aqui minha vida toda, sei de cada buraco desse lugar. Eles não iam me pegar nunca. — Qual nosso destino, patrão? — 2M perguntou dirigindo o carro para fora do morro. A Rocinha tinha entrada e saída de monte, e por mais longe que fosse a saída pela estrada de terra, era a mais segura. Tinha diversas árvores, parecia uma floresta, e quem vê por cima nem faz ideia que tem um caminho aqui. Papo de vantagens, morô? — Angra dos Reis, pô! Vou tirar uma folga dessa p***a, até resolver com o novo coronelzinho. Esse viado não me dá paz, tá pior que as p**a do morro. — falo e eles riram. — Malou demais! Tô afim de uma praia e thuthucas novas. — Tavão disse mas Águia que tava do lado dele, lhe deu um toque pra ficar esperto. — Tá malucão, pô? A polícia firme atrás da gente e tu nesse papo de menino bobo emocionado? Fica esperto. Como o menor deu o papo, nem me adiantei. Só foquei na estrada que sacudia o carro todo. Ainda teríamos mais 2 ou 3 horas de viagem se não tivesse contratempo. — Fala isso só porque tem a Cata. Se não, ia tá igual cachorro no cio. Filho da p**a! — Tu fecha o bico pra falar da minha mãe, seu fanfarrão. Que culpa eu tenho se tua irmã me deu e gamou no pai? Ignorando a briga que sempre acontecia entre os dois, minha mente voa longe, pra quando eu era novo. É f**a, porque sempre que algo acontece, um filho corre pra mãe. Mas no meu caso, sempre foi ao contrário. Meus pais não passavam de drogados que me faziam roubar pra sustentar o vício deles. E cada vez que eu voltava, nem que fosse com 5 conto no bolso ou um celular que conseguia, na maioria das vezes, enfiando a mão na bolsa das madames do asfalto, me dava motivo pra alívio. Significava que naquele dia eu não iria apanhar de fio de ferro. Era só me manter longe deles, e isso me fez passar a maior parte da minha infância e adolescência na rua. Adiantava p***a nenhuma. Aquela v***a sempre arrumava motivo pra fazer meu pai me bater. Jogou na cara diversas vezes que tentou me abortar a gravidez inteira e que, quando eu nasci, tentou me vender pros gringos que vinham conhecer o RJ. Irônico pensar que, ao invés de tá fugindo da polícia, era pra mim tá pelo mundo aí fora, tendo outra vida completamente diferente. Mas não. A única coisa que eu sei é que passei metade da minha vida me questionando o que tinha feito pra tá colecionando tanta cicatriz. Meu ódio é maior por aquela vagabunda não ter fechado as pernas. Meu pai era o maior corno, caras entravam e saíam da casa dele, comiam a mulher na cama que os dois dividiam, saíam deixando só a camisinha lotada de p***a pelos canto. E ele ainda era grato, porque tinha cocaína pra usar por causa dos atos de serviço da sua querida esposa. Acho uma injustiça colocar filho no mundo pra sofrer. E penso que, dessa raça r**m que eram meus pais, só restou eu — e de mim não vem mais nenhum. A ideia de ter filhos me causava mais pânico que uma arma na cabeça. Graças a Deus aqueles dois já morreram há muito tempo de overdose. Nem sei quanto tempo tem. Hoje minha vida é assim: sem muito tempo pra mulher ou qualquer coisa que possa me fazer perder tempo. Esse negócio de que homem tem que ter várias me deixa fulero. Mulher só tira o homem do caminho. Um atraso, sem caô! — Ih, deu r**m. Tem polícia fazendo barreira uns três quilômetros aí na frente. — 2M viu pelo celular e avisou. O tempo tinha passado rápido pra c*****o. Faltava uma hora e meia até Angra, e esse era o problema que eu já tava esperando. Sabia que eles iam tentar algo, mas a gente sempre pensa à frente. Burrice é deles achar que bandido não usa a tecnologia de hoje em dia também. — Aí, entra nessa estrada aí, pô. Faz retorno não, pra não chamar atenção. — Tá mostrando que tem um hotel por essas banda. Acho bom a gente parar um pouco, esperar a poeira baixar e seguir caminho. — Águia que tinha pegado o celular pra olhar, falou. — Endoidou, c*****o? Ficar parado muito tempo num lugar vai dar merda. Vê se tu acha outro caminho pra dar a volta, 2M. — B.O vai ser se tiver outra por aí e não aparecer no mapa, né? Águia tá certo, d***o. A gente para nesse hotel, fica por duas ou três horas e mete o pé. Me dei por vencido. Não tava satisfeito, mas apesar de ser o chefe, sabia recuar quando via que nem sempre era a melhor opção. Dez minutos. Foi o tempo que levou pra chegar no hotel fuleiro que marcava no GPS. Esse lugar não devia nem ter câmera, de tão r**m que era. Mas na minha situação, tava mais que perfeito. Com cautela, pulamos pra fora do carro. A estrada tava vazia e nem uma alma penada passava no momento — favoroso demais. Ainda mais por estar a alguns minutos da rodoviária, era pra tá lotado. Nem reclamei, só fui seguindo pra dentro, observando os detalhes ao redor, sem notar que a atendente, quando viu entrar quatro homens suspeitos, quase deu um treco. — Fica tranquila aí, moça. Só tamo querendo um lugar pra dormir. Ninguém aqui vai te roubar, não. — Tavão todo bocudo já colocou ela no canto dela. A mulher que tava na recepção olhou pra trás em sinal de alerta, como se a gente fosse mesmo roubar. Percebi que ela segurou firme o filho no colo e se virou de novo, tentando mexer na bolsa. Apesar de tentar disfarçar o nervosismo, ela voltou o atendimento pra garota, hora ou outra o olhar caindo sobre nós. — Senhora, tenho clientes pra atender. Poderia só arredar um pouco enquanto procura o restante do dinheiro? — Senhora é teu passado, ôxe! Já lhe disse pra me chamar de Yara, visse? Tô com peso, caso não tenha percebido. Só preciso encontrar o restante do meu dinheiro. Eu ainda tenho… hum… aqui! Resmungou revirando a mochila e logo tirou de lá uma nota de dez reais. Aquele gesto fez a mulher revirar os olhos. — A pernoite fica em oitenta reais, flor. Ainda faltam quarenta. — É tudo que eu tenho, moça! Posso pagar tudo amanhã em serviço… eu arrumo todos os quartos, limpo cozinha, lavo banheiro. Só me deixa ter um lugar pra dormir com meu filho hoje. — Sinto muito, senhora. Mas não sou eu que faço as regras por aqui. — Senhora é sua… Antes que ela pudesse continuar, eu me aproximei, tirando a carteira do bolso. Era em casos como esse que eu percebia que tinha dado um p**a azar da peste que tive como mãe. Olha a mulher aqui, implorando pra ter um lugar pra colocar o filho dela, oferecendo ser explorada por isso… — Coloca os bagulho dela na minha conta, fechou? Meu nome é Felipe. Menti, colocando uma nota de duzentos reais em cima do balcão. — Esse é só o dela? O senhor tem no pix? Por enquanto não temos troco no momento. A moça do meu lado quase gargalhou. Debochada. — Eu lá tenho cara de quem trabalha com isso? Aqui é no dinheiro, pô. Se não tem, pode cobrar os outros quarto também. Só libera eles logo pra ir descansar. Ela começou a fuçar o computador e demorou um tempo. Os meninos fuzilaram minhas costas — sei que não podíamos ficar boiando ali daquele jeito, mas também não podia deixar a mina dormir no relento com o menino. Aquela cara de cu dos inferno não agilizava nada, e pela cara dela, não era coisa boa que viria. Previa uma bomba — fora a que tava prestes a explodir ao meu lado. O procurado pela polícia ali era eu, mas ela olhava pra porta de segundo em segundo, trocando o peso da perna. A linguagem corporal dizia que ela tava incomodada e talvez com medo. Essa garota tava fugindo de algo ou alguém. — Então, senhor. Todos os nossos quartos estão ocupados. Temos apenas dois disponíveis, cada um com cama de casal. — Aí, minha irmã ia ficar doida com isso. Ia dizer até que é o destino. — Tavão continuou, como quem não consegue ficar com a língua dentro da boca. Que p***a esse menor tava dizendo? Isso tudo era uma palhaçada do destino, isso sim. Como que quatro marmanjos ia dividir um quarto? Voltar agora nem era opção. Quanto menos visto, menos lembrado. Mas ainda deixar a mulher sem quarto também não era opção, por isso interrompi logo. — Tá tranquilo. Pode deixar a garota com um. A gente não vai ficar muito tempo de qualquer maneira. Aproveitei que a maluca voltou a mexer no computador e encarei disfarçado a mulher do meu lado. Ela era baixinha e tinha uma postura enorme de defesa, o que era incrível pra alguém do tamanho dela. Seus olhos castanho-claros faziam um contraste lindo com o tom de pele n***o. O cabelo escuro batia na altura da b***a. p***a, e que b***a… aquela mulher tinha um corpo que daria inveja em qualquer um. E mesmo quando ela parecia tão segura de si, pronta pra atacar qualquer pessoa, o jeito delicado que olhava pro menininho no colo demonstrava a fragilidade dela. — Presta atenção aí, d***o. A mulher tá falando contigo, seu p***a! Percebi que meu disfarçado já não era tão escondido assim. Recuperei a postura e estendi novamente o dinheiro pra mulher, que me entregou duas chaves. Santo Deus! Se eu ficar mais um minuto na frente dessa vagabunda, vou perder a paciência, na moral mesmo. Mulher sonsa. Sem nem agradecer, entreguei uma chave pra Yara e fiz o sinal pros meninos. Antes que eu pudesse seguir, a mulher segurou meu braço, me fazendo encará-la. — Oh, moço! Que Deus te abençoe, viu? Onde é que tu mora? Prometo lhe pagar assim que conseguir um dinheiro, visse? — Fica tranquila, pô. Não tô te cobrando nada, só fica de boa. Ela largou um sorrisão antes de ir procurar o quarto dela. Santo Deus… que mulherão.
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