Natasha
O lindo André sai do meu quarto.
Quando ele fecha a porta, solto um longo suspiro e me deixo cair na cama. Meu coração ainda bate acelerado, como se precisasse processar tudo que aconteceu. Fecho os olhos e, por um instante, comparo a minha realidade de agora com a minha vida de antes.
Eu morava num lugar horrível. Duvidoso.
Vivia ouvindo bêbados brigando ou resmungando na rua. Prostitutas iam e vinham do meu prédio como se fosse um ponto fixo. Homens e mulheres se drogavam pelos cantos, jogados, esquecidos.
Agora estou aqui. Em um ambiente limpo, sem precisar me preocupar com contas, sem precisar racionar comida, sem temer a noite. E, acima de tudo, sendo alvo da preocupação de um homem lindo, intenso... perigoso.
A vida foi c***l comigo. Uma estrada cheia de espinhos que precisei cruzar sozinha. Meu pai nos abandonou antes mesmo de eu nascer, deixando minha mãe para enfrentar tudo sem apoio. Ela trabalhou incansavelmente como faxineira em dois empregos, mas sua saúde frágil não resistiu. Uma forte pneumonia a levou embora.
De repente, eu me vi sozinha.
Fui arrancada da minha casa e jogada em um orfanato. Não houve acolhimento. Não houve tempo para luto. Apenas um vazio esmagador e uma solidão cortante.
Eu deveria ter tentado mais.
Deveria ter sido receptiva com os casais que vinham para adotar. Mas cada vez que pensava em substituir minha mãe, meu peito se apertava de culpa. Então, eu apenas me fechava.
E isso fez de mim uma garota difícil.
As outras meninas do orfanato me odiavam.
Não tiro a razão delas. Eu era amarga, distante, sempre trancada no meu próprio mundo de dor.
Mas então Letícia apareceu.
Ela era dois anos mais velha, cheia de vida e positividade. Ela conseguiu o impossível: trazer cor para o meu mundo cinzento. Pela primeira vez, eu me permiti abrir meu coração.
Mas durou pouco.
Um ano depois, uma família a escolheu. Ela foi embora radiante, e eu fiquei para trás. Mais uma vez, sozinha.
Respiro fundo, controlando o choro.
A vida me ensinou cedo: ou você se afunda no desespero ou aprende a sobreviver.
Hoje, olhando para André, sinto um calor estranho no peito. Um misto de conforto e medo.
Seus olhos brilhavam quando disse que sentia um instinto de proteção por mim. Pela primeira vez, alguém fora do orfanato parece genuinamente preocupado comigo.
Mas então o medo me assombra.
E se for apenas uma ilusão?
E se eu tiver entrado na toca de um lobo e ele estiver apenas esperando o momento certo para atacar?
Engulo em seco.
Por que ele se interessaria por mim? Ele poderia ter qualquer mulher...
Solto o ar devagar.
Sei que não posso me apegar demais. Minha vida já tem marcas profundas de perdas e rejeições. Não posso adicionar mais uma a essa lista.
Mas, mesmo tentando me convencer disso, percebo que gosto da atenção dele. Gosto de sentir que alguém se importa.
Cada sorriso que ele me dá, cada palavra franca que diz, cada gesto... Tudo isso me toca de um jeito que eu não esperava.
Será que Lola conseguirá destruir essa imagem que estou formando dele?
Espero que não.
Com um suspiro decidido, levanto-me da cama. Vou até o banheiro, lavo o rosto e respiro fundo.
Não posso me esconder para sempre.
Preciso sair e enfrentar Lola.
Preciso ouvir tudo que ela tem a dizer.
Minutos depois, vejo Lola no final do corredor. Ela está em pé, acenando para André. Em seguida, ouço o som suave da porta se fechando.
O perfume dele ainda paira no ar, e sinto um arrepio involuntário ao atravessar a sala.
Lola, ao escutar meus passos, vira a cabeça em minha direção. Seu olhar é afiado, mas não hostil. Com uma expressão serena, ela caminha até o sofá e se senta, batendo de leve no estofado ao seu lado.
— Sente-se aqui, quero conversar com você.
O gesto me lembra André. Será que ele aprendeu isso com ela? Talvez, quando criança, ele tivesse o costume de se aconchegar ao lado dela sempre que precisava ouvir algo importante.
Obedeço sem questionar.
Lola respira fundo antes de começar:
— Quero que saiba que não tenho nada contra você.
— O senhor Nicolo me disse.
Ela me estuda por um longo momento, como se tentasse decifrar algo em mim.
— Então ele explicou que minha diferença é com ele e não com você?
— Sim.
— Ele lhe disse o motivo?
Sustento seu olhar.
— Ele me falou sobre sua preocupação de que ele... me seduza.
Os olhos dela se arregalam por um segundo.
— Ele lhe disse isso?
Faço um leve aceno com a cabeça.
— Disse.
Lola solta um riso curto, quase descrente.
— E mesmo assim ficou?
— Devo dinheiro ao senhor Nicolo e estou levando este emprego a sério. Quero pagar o que devo.
— Quanto deve a ele?
— Quatro mil dólares… Se não for mais.
Ela franze o cenho.
— E por que deve essa quantia?
Então, conto sobre o que aconteceu comigo. A humilhação. O desespero. Como André apareceu naquele momento e me socorreu.
Lola aperta os lábios, parecendo absorver cada palavra.
— Então você deve dinheiro a ele…
— Sim.
— Maledetto! — ela exclama, indignada. Mas logo volta a me encarar, séria. — Muito bem. Se for esperta, trabalhará, pagará o que deve e seguirá em frente sem se deixar enredar pelo magnetismo dele. Sei que André é bonito, charmoso...
"Eu que o diga." O pensamento me vem como um reflexo. Esse homem mexeu comigo desde o instante em que nossos olhares se cruzaram.
Aceno em concordância.
Lola se inclina levemente para frente, sua voz baixa, mas carregada de firmeza:
— Por mais doces que sejam suas palavras, por mais sinceridade que veja em seus olhos ou nas suas belas ações, não desperdice seu tempo com ele. Nem seus pensamentos. André não é confiável. Ele mudou muito.
Seu aviso me deixa inquieta.
— Ele me falou sobre sua esposa. Foi por isso que ele mudou?
Lola ergue as sobrancelhas, surpresa.
— Ele se abriu com você?
— Sim. Ele me contou toda a sua história e como sofreu.
Ela balança a cabeça, soltando um suspiro pesado.
— Bastardo... É pior do que eu pensei.
Um nó se forma em minha garganta.
— Por que pior?
Ela me encara, séria, e sua voz soa quase como um alerta final:
— Preste atenção, Natasha. — Seus olhos escuros prendem os meus. — André tem talento para arruinar corações. Não se comova com sua história triste. Fique longe dele. Se ouvir meu conselho e fizer isso, ficará bem.