Amizade

1303 Words
O escritório estava silencioso, a calmaria antes da tempestade que sempre se anunciava no final do dia. A papelada sobre a mesa formava uma montanha que parecia crescer a cada minuto, mas eu já havia aprendido a ignorar o chamado silencioso do trabalho acumulado. Mas o que me aliviava era poder contar com o policial Bryan, que agora era outra pessoa, ele tinha mais confiança, pelo menos aparenta, lembro-me de quando ele chegou, os olhos brilhando de expectativa e um sorriso nervoso que denunciava a ansiedade. Ele era magro, sim, era jovem, no máximo uns 23, e talvez um pouco ingênuo demais para o mundo brutal da polícia, mas a transparência em seus olhos me lembrava de uma versão mais jovem de mim mesmo, antes que o cinismo se instalasse. Notei os olhares e os cochichos. No começo, eram sutis, quase imperceptíveis. Mas com o tempo, tornaram-se mais ousados, mais maldosos. Eu os via quando Bryan não estava por perto: os sorrisos de escárnio, as piadas de mau gosto, as insinuações venenosas. “O queridinho do delegado”, eles o chamavam, com um tom de desprezo que me embrulhava o estômago. “Acha que vai subir na carreira dormindo com o chefe”, cochichavam pelas costas. Na minha frente, é claro, eles se comportavam como cordeirinhos. Eram todos sorrisos e profissionalismo, como se nada estivesse acontecendo. Mas eu sabia a verdade. Eu via a sombra de tristeza nos olhos de Bryan, a forma como ele cerrava os punhos tentando controlar a raiva. Ele nunca me contava diretamente, mas eu podia sentir a sua dor, a humilhação que ele era obrigado a engolir. Uma vez, o encontrei no corredor, o rosto vermelho e os olhos marejados. Ele desviou o olhar quando me viu, tentando disfarçar as lágrimas que teimavam em cair. “Está tudo bem, Bryan?”, perguntei, colocando a mão em seu ombro. Ele hesitou por um momento, antes de assentir com a cabeça, a voz embargada. “Só… um pouco de dor de cabeça”, murmurou, antes de sair apressado. Naquele dia, senti uma raiva profunda. Uma raiva contra aqueles policiais mesquinhos que se divertiam às custas de um garoto bom e trabalhador. Uma raiva contra o sistema que permitia que esse tipo de comportamento continuasse impune. E, acima de tudo, uma raiva contra mim mesmo por não conseguir protegê-lo, a gente é só amigo e bom, eu gosto de mulheres, mas as pessoas não sabem diferenciar as coisas. Eu sabia que Bryan se sentia atraído por mim. Não era algo que ele verbalizava, mas estava ali, nas entrelinhas de seus olhares, na forma como ele corava quando eu o elogiava, no nervosismo que o tomava quando nossos dedos se tocavam por acaso. Eu não compartilhava desses sentimentos, é claro. Eu via Bryan como um amigo, um protegido, um irmão mais novo que eu nunca tive. Mas eu entendia a sua confusão, a sua vulnerabilidade. Eu queria poder dizer a ele que não desse importância para os comentários maldosos, que ignorasse as provocações. Mas eu sabia que não era tão simples assim. As palavras têm poder, e as palavras deles estavam envenenando a alma de Bryan, corroendo a sua autoconfiança. Eu me perguntava o que fazer. Como protegê-lo sem sufocá-lo? Como mostrar a ele que ele era valorizado, que ele era importante, independentemente do que os outros dissessem? Eu queria que ele entendesse que a sua juventude e a sua aparência não definiam o seu valor, que a sua força estava em seu caráter, em sua integridade, em sua paixão pela justiça. O silêncio do meu apartamento era quase ensurdecedor. Um eco fantasmagórico em meio ao luxo frio que me cercava. As paredes brancas, a mobília de design impecável, a vista panorâmica da cidade pulsante lá embaixo… tudo gritava riqueza, sucesso, isolamento. Comprei este lugar com a herança dos meus pais. Mas convenhamos, o isolamento tem suas vantagens. Principalmente quando se tem segredos a guardar. bro a garrafa de um single malt 18 anos. O líquido âmbar desliza para o copo de cristal, um pequeno prazer em meio à rotina insossa. A verdade é que a vida de um delegado, mesmo em uma cidade como esta, pode ser terrivelmente… monótona. A burocracia, os relatórios, os pequenos crimes que não satisfazem minha… digamos… sede por adrenalina. Dou um gole no whisky, o sabor forte queimando minha garganta. Um sorriso quase imperceptível surge nos meus lábios. Adrenalina. Que palavra interessante. Ela me acompanha desde… bem, desde sempre. Lembro-me da primeira vez que a senti de verdade. A pulsação acelerada, a respiração ofegante, a sensação de controle absoluto. Uma experiência… transformadora. O apartamento é um reflexo de mim: impecável, organizado, sem vestígios de… irregularidades. Cada objeto tem seu lugar, cada detalhe foi meticulosamente pensado. A perfeição é uma obsessão. Uma necessidade. Afinal, a ordem externa reflete a ordem interna. Ou pelo menos, a ordem que tento manter sob controle. Porque, cá entre nós, o caos adora espreitar nas sombras. Outro gole de whisky. O líquido quente me aquece por dentro. Penso em Bryan novamente. Ele me lembra de uma época em que eu… acreditava em algo. Em que eu tinha… esperança. Que t**o eu era. A vida me ensinou que a esperança é uma ilusão, um conto de fadas para crianças. O que existe de verdade é o poder. O controle. A capacidade de moldar a realidade à minha vontade. Solto uma risada baixa. A cidade lá embaixo continua pulsando, alheia aos meus pensamentos. Alheia aos meus segredos. Alheia aos meus… pequenos desvios. Ninguém suspeita. Ninguém imagina. Afinal, quem desconfiaria do respeitado delegado Henry? O homem calmo, educado, sempre impecável. O perfeito cavalheiro. A ansiedade borbulha em minhas veias. Uma excitação quase palpável. Algo está prestes a acontecer. Sinto isso no ar. Uma mudança. Um novo… capítulo. E eu m*l posso esperar para ver o que o destino me reserva. Ou melhor… o que eu reservo para o destino. O caso da mulher que denunciou seu ex-marido por perseguição e tentativa de assassinato me deixou profundamente perturbado. A dor e o medo em seus olhos eram como um soco no estômago. Eu sabia que tinha que fazer algo para protegê-la. Então, com meu copo, sento na minha sacada com meu computador e começo a investigar o ex-marido dela, um homem violento e possessivo. Ele tem um histórico de agressão doméstica e já havia sido preso por violência contra a ex-mulher. Eu sabia que ele era um perigo para ela e que precisava ser parado. Esta noite, depois de um dia de trabalho exaustivo, resolvo visitar a casa do ex-marido. Eu queria me certificar de que ele estava realmente em casa. Quando cheguei, vi a luz acesa na sala. Esperei um pouco, ouvindo os sons que vinham de dentro. Não demorou muito para eu ouvir o som da TV, eu entrei na casa e o encontrei na cozinha. Ele estava bebendo cerveja e assistindo, eu me aproximei dele e o peguei de surpresa. Ele tentou lutar, mas eu era mais forte. Eu o imobilizei e o asfixiei. Eu sabia que o que eu tinha feito era errado. Eu não era um assassino. Mas eu também sabia que eu tinha que proteger aquela mulher, porque muitas não têm como se defender e acabam sofrendo na mão desses homens, eu sei que isso não justifica meus atos, mas eu fiz para defender alguém, que agora pode viver livremente, sem medo que esse cara tente matá-la novamente. Eu obviamente não deixei nenhum vestígio no lugar, eu sou policial, então é mais fácil esconder os rastros de um crime, porque eu sei exatamente onde nós iremos procurar, saí da casa e voltei para meu apartamento. Eu não contei a ninguém o que eu tinha feito. Eu guardei o segredo para mim mesmo. Alias, sempre foi assim.
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