Uma noite, depois de um longo passeio à beira-mar, Leila me convidou para subir ao seu apartamento. Hesitei por um instante, mas acabei aceitando. Lá dentro, a atmosfera era diferente. Havia um clima de cumplicidade e desejo no ar. Leila se aproximou de mim, seus olhos brilhando à luz da lua que entrava pela janela.
— Henry — sussurrou ela, aproximando seu rosto do meu. — Eu… eu sinto algo muito forte por você.
Naquele momento, eu sabia que não podia mais adiar o inevitável. A atração era mútua, intensa, mas eu carregava um fardo pesado demais para compartilhar com ela. Eu a amava, à minha maneira torta e silenciosa, mas sabia que não podia tê-la. O segredo que eu guardava me separava dela para sempre.
— Leila — comecei, com a voz embargada. — Você é uma pessoa incrível. Mas… eu não posso…
As palavras morreram em minha garganta. Eu não conseguia confessar meu crime. Não conseguia destruir a imagem que ela tinha de mim.
— O que foi, Henry? — perguntou ela, com os olhos cheios de preocupação.
— Não é nada — respondi, desviando o olhar. — Eu só… preciso ir.
Virei as costas e saí do apartamento, deixando Leila para trás, com um olhar confuso e magoado. Eu sabia que havia perdido a chance de ser feliz com ela, mas era um preço que eu estava disposto a pagar. Afinal, eu havia feito o que era necessário para protegê-la. E esse era o meu fardo. A minha penitência.
A distância entre nós cresceu rapidamente após aquela noite. Leila tentou me procurar algumas vezes, com um olhar interrogativo e uma tristeza contida. Eu inventava desculpas, evasivas, qualquer coisa para evitar o confronto. A cada recusa minha, a chama em seus olhos diminuía, dando lugar a uma resignação dolorosa.
Eu a via de longe, às vezes, cruzando a rua ou em algum café. Nossos olhares se encontravam por um breve instante, um reconhecimento silencioso e carregado de mágoa. Eu sentia um aperto no peito a cada vez, a culpa corroendo minhas entranhas. Mas eu me mantinha firme em minha decisão. Era melhor assim. Ela merecia ser feliz, livre do peso do meu segredo.
O tempo continuou a passar. A vida seguiu seu curso, implacável. Eu continuei meu trabalho na delegacia, resolvendo crimes, mantendo a ordem. Por fora, eu era o mesmo Henry de sempre, o delegado eficiente e respeitado. Por dentro, porém, eu carregava um fardo cada vez mais pesado. O fantasma de Ricardo não me assombrava mais em sonhos, mas sua presença era constante em minha consciência.
Um dia, recebi uma ligação inesperada. Era Miller, meu antigo colega.
— Henry, preciso falar com você — disse ele, com a voz grave. — É sobre o caso do Ricardo Vargas.
Meu coração gelou. Meses haviam se passado desde o desaparecimento de Ricardo. Eu acreditava que o caso havia sido arquivado, esquecido.
— O que aconteceu? — perguntei, tentando manter a calma.
— Encontramos o carro dele — respondeu Miller. — Em uma área isolada na zona rural. Completamente carbonizado.
Um silêncio pesado se instalou entre nós. Eu sabia o que aquilo significava. A polícia havia encontrado os restos mortais de Ricardo.
— Encontramos também alguns vestígios no local — continuou Miller. — Nada conclusivo, mas… estamos reabrindo o caso.
Senti um frio percorrer meu corpo. A máscara que eu havia construído com tanto cuidado ameaçava ruir.
— Entendo — respondi, tentando manter a voz firme. — Se precisarem de alguma coisa, é só me chamar.
— Na verdade, Henry — disse Miller, com um tom de voz que me fez estremecer. — Precisamos conversar com você.
O encontro com Miller foi tenso. Ele me fez perguntas sobre o caso, sobre meu relacionamento com Leila, sobre meus movimentos na época do desaparecimento de Ricardo. Eu respondi com calma e precisão, usando meu conhecimento do sistema legal para me defender. Não havia provas concretas contra mim, apenas suspeitas.
Após o interrogatório, Miller me deixou ir, mas a sensação de estar sendo observado permaneceu. Eu sabia que estava sob investigação. A qualquer momento, a verdade poderia vir à tona.
A partir daquele dia, vivi em constante estado de alerta. Cada telefonema, cada batida na porta, me fazia temer o pior. A sombra do meu crime pairava sobre mim, ameaçando me consumir.
Um dia, enquanto revisava alguns arquivos antigos na delegacia, encontrei um relatório sobre o caso de Ricardo. Havia uma anotação que me chamou a atenção: “Testemunha anônima relatou ter visto um carro preto deixando a área na noite do desaparecimento.”
Meu coração disparou. Um carro preto. O meu carro.
Naquele momento, eu soube que meu segredo não estava mais seguro. A teia que eu havia tecido com tanto cuidado estava se desfazendo, e eu estava preso nela, sem escapatória. A justiça, que eu tanto representei, agora me perseguia. E eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, ela me alcançaria.
A noite chegou com uma promessa silenciosa. Eu estava chegando em casa, o ar fresco da noite me envolvendo como um manto. A imagem de Leila, seu sorriso, seus olhos brilhantes, pairava em minha mente. A culpa, constante e lancinante, me corroía por dentro, mas a necessidade de protegê-la superava qualquer remorso.
De repente, ouvi passos atrás de mim. Meu coração disparou. Olhei para trás e a vi. Leila. Ali, sob a luz do luar, ela parecia ainda mais linda, etérea. Um misto de surpresa e apreensão me invadiu. O que ela estaria fazendo ali a essa hora?
Ela seguiu em minha direção lentamente, seus olhos fixos nos meus. Em seu rosto, não havia acusação, apenas uma mistura de saudade e uma certa hesitação.
— Henry… — sua voz era um sussurro.
— Leila… — consegui dizer, a voz embargada.
Um silêncio constrangedor se instalou entre nós. A tensão era palpável. Eu podia sentir o peso do meu segredo pairando no ar, uma barreira invisível nos separando.
— Eu… eu senti sua falta — ela disse, finalmente, quebrando o silêncio.
Meu coração se apertou. Eu também sentia muita falta dela. Cada dia, cada hora, cada minuto pareciam uma eternidade sem sua presença. Mas eu sabia que não podia me aproximar. Não podia arriscar envolvê-la ainda mais na minha teia de mentiras.
— Eu também senti sua falta, Leila — respondi, com a voz baixa.
Ela se aproximou mais, parando a poucos centímetros de mim. Seus olhos encontraram os meus, e por um instante, o tempo pareceu parar. A atração entre nós era inegável, uma força poderosa que nos puxava um para o outro.
— Eu… eu pensei muito em você — ela continuou, sua voz tremendo levemente. — E… eu percebi que não consigo ficar longe.
Naquele momento, todas as minhas defesas ruíram. A culpa, o medo, a necessidade de protegê-la… tudo desapareceu diante daquele olhar. Eu não podia mais negar o que sentia.
Aproximei meu rosto do dela, lentamente, dando a ela a chance de se afastar, caso quisesse. Mas ela não se moveu. Nossos lábios se encontraram em um beijo suave, carregado de saudade e desejo. Um beijo que expressava tudo o que não podíamos dizer em palavras.
O beijo se intensificou, tornando-se mais urgente, mais apaixonado. Nossos corpos se aproximaram, e eu a abracei forte, sentindo seu calor me invadir. Era como se estivéssemos nos reencontrando depois de uma longa jornada, finalmente em casa.
Nos separamos, ofegantes, nossos olhares ainda conectados. A lua iluminava seus traços delicados, e eu não conseguia parar de admirá-la.
— Eu… eu não sei o que dizer — ela murmurou, com um sorriso tímido nos lábios.
— Não precisa dizer nada — respondi, acariciando seu rosto. — Apenas… fique comigo.
Ela assentiu, e eu a puxei para mais perto, beijando-a novamente. Entramos em casa, e a noite se transformou em um refúgio de amor e paixão. Fizemos amor com a intensidade de quem se reencontra depois de uma longa separação, com a urgência de quem teme perder o outro a qualquer momento.
Na manhã seguinte, acordei com Leila dormindo em meus braços. A observei por um instante, seu rosto sereno, alheio aos meus tormentos. Acariciei seus cabelos suavemente, sentindo uma onda de ternura me invadir.
Eu sabia que o que tínhamos era frágil, construído sobre um segredo obscuro. Mas naquele momento, enquanto a tinha em meus braços, eu me permiti acreditar que, talvez, o amor pudesse superar qualquer obstáculo. Talvez, pudéssemos encontrar um caminho para a felicidade, mesmo em meio às sombras.