Olhei para Leila novamente, procurando em seus olhos a confirmação do que eu já sentia. A vulnerabilidade em seu olhar me tocou profundamente. Não havia como dizer não.
— Claro que pode — respondi, com uma voz firme, tentando transmitir segurança. — Fique o tempo que precisar.
Um alívio visível inundou o rosto de Leila. Seus ombros relaxaram e um pequeno sorriso surgiu em seus lábios.
— Muito obrigada, Henry — repetiu, com a voz embargada pela emoção. — De verdade.
Um silêncio confortável se instalou entre nós por alguns instantes. Eu ainda segurava sua mão, e senti um leve aperto dela em resposta. A proximidade física, combinada com a intensidade dos últimos acontecimentos, criava uma atmosfera carregada de uma tensão diferente daquela que sentíamos antes. Não era mais o medo do ex-namorado dela, mas sim uma consciência da nossa proximidade, um reconhecimento tácito de que algo havia mudado entre nós.
— Vou preparar o sofá para você — disse, finalmente, quebrando o silêncio. — Tem um cobertor e alguns travesseiros no armário do corredor.
Leila assentiu com a cabeça e soltou minha mão, levantando-se do sofá.
— Quer ajuda? — perguntou.
— Não precisa — respondi, levantando também. — Pode ficar à vontade.
Enquanto eu arrumava o sofá, Leila ficou parada na sala, observando-me. Senti seu olhar sobre mim, e isso me deixou um pouco nervoso. Não era uma sensação r**m, mas era definitivamente nova. A situação era estranha, para dizer o mínimo. Eu, um delegado de polícia, abrigando uma mulher que fugia do ex-namorado abusivo, e agora, preparando um lugar para ela dormir no meu sofá. Parecia roteiro de filme.
Terminei de arrumar o sofá e me virei para Leila.
— Pronto — anunciei. — Não é a cama de um hotel cinco estrelas, mas é confortável.
Ela sorriu e se aproximou, examinando o sofá com um olhar curioso.
— Parece ótimo — disse. — Muito melhor do que qualquer lugar que eu poderia estar agora.
Olhei para ela e vi a sinceridade em seus olhos. Aquilo me confortou de alguma forma. Saber que eu estava fazendo a coisa certa, que eu estava oferecendo um porto seguro para alguém que precisava, me dava uma sensação de propósito.
— Bom — disse, coçando a nuca, um pouco sem jeito. — Acho que vou…
Não consegui terminar a frase. Não sabia exatamente o que dizer. “Vou para o meu quarto”? Parecia estranho. “Boa noite”? Parecia muito formal.
Leila pareceu perceber meu constrangimento e sorriu gentilmente.
— Boa noite, Henry — disse ela. — E mais uma vez, obrigada.
— Boa noite, Leila — respondi, finalmente. — Durma bem.
Com um último olhar para ela, me retirei para o meu quarto, fechando a porta atrás de mim. Deitei na cama, mas demorei a pegar no sono. Meus pensamentos estavam voltados para Leila, para a situação em que ela se encontrava, e para a responsabilidade que eu havia assumido ao abrigá-la. A noite prometia ser longa.
Deitado na cama, revirei-me algumas vezes, sem conseguir encontrar uma posição confortável. A imagem de Leila, com seus olhos assustados e depois gratos, não saía da minha cabeça. Aquele beijo rápido no rosto… senti o calor daquele toque novamente, uma sensação estranha e ao mesmo tempo agradável. Suspirei, tentando afastar esses pensamentos. Precisava dormir. Amanhã seria um longo dia.
Mas o sono não vinha. Levantei-me e fui até a cozinha, beber um copo d’água. A casa estava silenciosa, apenas o barulho suave da geladeira quebrando o silêncio. Olhei para o sofá na sala, onde Leila dormia. A silhueta dela era visível sob o cobertor. Senti uma pontada de preocupação. Será que ela estava conseguindo dormir?
Voltei para o quarto, mas continuei inquieto. Peguei meu celular e abri o aplicativo de mensagens. Hesitei por um momento, mas acabei digitando uma mensagem para um colega da delegacia, o detetive Miller. Expliquei a situação de forma sucinta, sem mencionar o nome de Leila, apenas dizendo que estava abrigando uma vítima de violência doméstica e que precisava de informações sobre um possível agressor. Miller respondeu quase que imediatamente, dizendo que verificaria o sistema e me retornaria assim que tivesse algo.
Guardei o celular e finalmente consegui me acalmar um pouco. Deitei na cama novamente e, dessa vez, o sono veio mais facilmente.
Acordei com o som do despertador. Desliguei-o rapidamente, tentando não acordar Leila. Levantei-me e vesti uma roupa casual. Fui até a cozinha e preparei um café forte. Enquanto o café passava, olhei para o sofá. Leila ainda dormia, encolhida sob o cobertor. Parecia tão frágil e vulnerável.
Terminei de preparar o café e coloquei uma xícara na mesa, junto com alguns biscoitos. Deixei um bilhete ao lado: “Bom dia. Café e biscoitos para você. Fique à vontade. Qualquer coisa, estou no quarto.”
Voltei para o quarto e tomei um banho rápido. Vesti meu uniforme e peguei minha arma. Antes de sair, olhei novamente para a sala. Leila continuava dormindo. Respirei fundo e saí do apartamento, trancando a porta atrás de mim.
Na delegacia, a rotina começou como de costume. Papéis para assinar, relatórios para revisar, reuniões com outros policiais. Mas minha mente estava em Leila. A cada instante, me perguntava se ela estava bem, se havia acordado, se estava se sentindo segura.
No meio da manhã, meu celular tocou. Era Miller.
— Henry, tenho algumas informações sobre o sujeito que você me pediu — disse ele, com a voz séria. — O nome dele é Ricardo Vargas. Tem um histórico de violência doméstica, com várias denúncias de agressão contra ex-namoradas. Inclusive, tem uma ordem de restrição contra ele, mas parece que ele não tem respeitado. É um cara perigoso, Henry. Fique de olho.
Aquelas palavras me gelaram a espinha. A confirmação de que Ricardo era um homem violento só aumentou minha preocupação com Leila. Agradeci a Miller pelas informações e desliguei o celular. Precisava voltar para casa o mais rápido possível.
A informação de Miller reverberava na minha mente como um trovão. Ricardo Vargas. Um histórico de violência, desrespeito a ordens judiciais… a ficha dele era pior do que eu imaginava. A urgência de voltar para casa me consumia. Precisava garantir que Leila estivesse segura.
Tentei me concentrar no trabalho, mas era impossível. Assinei alguns documentos automaticamente, respondi a algumas perguntas sem realmente prestar atenção. Meus pensamentos estavam fixos em Leila, imaginando-a sozinha no meu apartamento, vulnerável àquele homem perigoso.
Finalmente, consegui me desvencilhar das obrigações na delegacia. Inventei uma desculpa qualquer para o meu chefe e saí o mais rápido que pude. Acelerei pelas ruas, ignorando os sinais amarelos e rezando para não ser parado por uma blitz. Cada segundo parecia uma eternidade.
Cheguei ao meu prédio e subi as escadas correndo, quase tropeçando nos degraus. Destranquei a porta com as mãos tremendo e entrei no apartamento.
— Leila? — chamei, com a voz um pouco alta demais.
O silêncio respondeu ao meu chamado. Olhei para a sala e vi que o sofá estava arrumado, o cobertor dobrado cuidadosamente sobre o encosto. A xícara de café e o prato com os biscoitos haviam sumido. Ela havia acordado.
— Leila? — chamei novamente, dessa vez com um tom mais suave.
Ouvi um barulho vindo da cozinha. Aliviado, caminhei até lá e encontrei Leila lavando a louça. Ela se virou ao me ver, um sorriso tímido iluminando seu rosto.
— Oi, Henry — disse ela, secando as mãos em um pano de prato. — Desculpa a bagunça.
— Que bagunça? — perguntei, olhando em volta. A cozinha estava impecável. — Está tudo ótimo.
— Tomei café e comi alguns biscoitos — explicou ela. — Estavam ótimos. Obrigada.
— Que bom que gostou — respondi, aliviado por vê-la bem. Mas a preocupação logo voltou a me assombrar. Precisava contar a ela sobre Ricardo.
— Leila — comecei, respirando fundo. — Preciso te contar uma coisa.
Ela me olhou com uma expressão interrogativa.
— Consegui algumas informações sobre… ele — continuei, evitando pronunciar o nome de Ricardo. — Ele tem um histórico… complicado. É melhor você ficar aqui por enquanto. Não saia por nada.
O sorriso de Leila desapareceu, dando lugar a uma expressão de apreensão.
— O que você quer dizer com “complicado”? — perguntou, a voz tremendo levemente.
— Ele tem várias denúncias de agressão contra ex-namoradas — expliquei, com cuidado. — Inclusive, tem uma ordem de restrição contra ele, mas… parece que ele não tem respeitado.
Os olhos de Leila se encheram de lágrimas. Ela levou as mãos à boca, como se estivesse tentando conter um soluço.
— Eu sabia — sussurrou ela, com a voz embargada. — Eu sabia que ele não ia me deixar em paz, eu sabia que ele escondia alguma coisa, sempre me vinha com mentiras, sempre com segredos naquele celular.
Aproximei-me dela e coloquei a mão em seu ombro, tentando transmitir algum conforto.
— Você está segura aqui, Leila — garanti. — Eu não vou deixar nada acontecer com você.