A sacada

1440 Words
O silêncio do meu apartamento era quase ensurdecedor. O luxo frio e minimalista que me cercava contrastava com o turbilhão de pensamentos que me assaltavam. A imagem do corpo estirado no tapete, a conversa com Bryan, a frieza calculista que me dominava… Tudo se repetia em minha mente como um filme em loop. Não era a primeira vez que minhas mãos se manchavam de sangue, mas a sensação, embora familiar, ainda me causava um certo… desconforto. Não remorso, jamais. Mas uma necessidade de aperfeiçoamento, de garantir que a próxima vez fosse ainda mais limpa, mais eficiente. Perdido nesses pensamentos sombrios, fui abruptamente trazido de volta à realidade por um barulho vindo da minha sacada. Um som abafado, como se algo tivesse… caído ali. A adrenalina correu em minhas veias instantaneamente. Anos de treinamento policial me condicionaram a reagir a qualquer sinal de perigo. Sem hesitar, peguei minha arma, uma Glock 17, e a coloquei na cintura, sob o paletó. Caminhei silenciosamente até a porta da sacada, meus sentidos em alerta máximo. A escuridão da noite dificultava a visão do que estava acontecendo lá fora. Apenas as luzes tênues da cidade iluminavam fracamente o espaço. Com um movimento rápido e preciso, puxei a cortina, revelando a cena inusitada que se desenrolava diante de mim. Uma mulher. Uma mulher simplesmente havia… pulado para a minha sacada. Aparentemente, vinda do apartamento ao lado. A imagem era surreal, quase cômica, se a situação não fosse tão… inesperada. Ela estava ali, parada, com um sorriso nos lábios, como se pular de uma sacada para outra fosse a coisa mais natural do mundo. Meus olhos percorreram sua figura rapidamente. Linda. Era a palavra que me veio à mente. Loira, com longos cabelos que caiam em ondas sobre os ombros, e olhos claros que brilhavam sob a luz da lua. Vestia um vestido curto e escuro que realçava suas curvas. Uma visão que, em outras circunstâncias, me deixaria intrigado. Mas naquele momento, a surpresa e a cautela se misturavam em meu olhar. “O que está acontecendo?”, perguntei, minha voz firme e controlada, apesar da confusão que me tomava. Ela me encarou com um sorriso ainda mais amplo, quase travesso. “Oi, vizinho”, disse ela, com uma voz suave e melodiosa. “Eu posso explicar.” Aquelas palavras pairaram no ar, carregadas de mistério e uma certa dose de… ousadia. Quem era essa mulher? O que a levara a pular para a minha sacada no meio da noite? E, mais importante, qual era a sua explicação? Enquanto a observava, tentando decifrar suas intenções, minha mente trabalhava a mil. A arma continuava firme em minha cintura, pronta para ser usada se necessário. Mas, por enquanto, a curiosidade e a necessidade de entender a situação prevaleciam. “Eu estou ouvindo”, respondi, mantendo a postura séria e o olhar fixo nela. Ela deu um passo à frente, aproximando-se da porta de vidro que nos separava. “É uma longa história”, disse ela, com um sorriso enigmático. “Mas, basicamente, eu precisava sair de lá o mais rápido possível.” Seus olhos desviaram brevemente para o apartamento ao lado, antes de voltarem para mim. Havia um brilho de… medo?… em seu olhar. Ou talvez fosse apenas a sombra da noite. “E por que a minha sacada?”, perguntei, cruzando os braços. Ela soltou uma risadinha. “Digamos que foi a mais… conveniente”, respondeu, com um tom malicioso. “E, além disso, você parece ser o tipo de vizinho que não faz muitas perguntas.” Um sorriso quase imperceptível surgiu em meus lábios. Ela era esperta. E ousada. Uma combinação perigosa. “Você está enganada”, respondi. “Eu faço muitas perguntas. Principalmente quando uma estranha invade a minha propriedade no meio da noite.” Ela me encarou por alguns segundos, com um olhar desafiador. Então, respirou fundo e começou a falar. “Meu nome é…”, ela hesitou por um instante, como se estivesse decidindo se deveria ou não revelar sua verdadeira identidade. “…Isabella”, completou, finalmente. “E eu preciso da sua ajuda.” O mistério se adensava. Quem era Isabella? Do que ela estava fugindo? E por que me escolhera para ajudá-la? A noite prometia ser longa. E, de alguma forma, eu sentia que minha vida estava prestes a tomar um rumo… interessante. E, talvez, perigoso. Mas, como sempre, eu estava pronto para o que viesse. Afinal, eu era Henry, o delegado. E mistérios, para mim, eram apenas mais um desafio a ser superado. “Olha, eu sei que é estranho”, Isabella continuou, com um olhar suplicante, “mas será que eu posso entrar para me explicar?” Hesitei por um momento. A situação era, no mínimo, incomum. Uma mulher surge do nada, pulando da sacada do apartamento vizinho para o meu, e agora me pede permissão para entrar. Meu instinto policial gritava cautela, mas algo em seu olhar, talvez o genuíno medo que transparecia, me fez ceder. “Tudo bem”, respondi, abrindo a porta da sacada. “Mas sente-se ali”, apontei para o sofá de couro preto que dominava a sala. Assim que ela se acomodou, iniciei o interrogatório. “Aquele apartamento de onde você veio está vazio. Ou pelo menos, parecia estar quando olhei pela janela.” “Eu comprei recentemente”, ela explicou, passando as mãos pelos cabelos loiros. “Sou nova na cidade.” “Direto ao ponto, Isabella”, cortei, sem rodeios. “O que você estava fazendo na minha sacada?” Ela respirou fundo, como se reunisse coragem para contar uma história difícil. “Eu tinha um… namorado. Um tanto quanto… obsessivo.” Ela fez uma pausa, procurando as palavras certas. “Nós terminamos, mas ele não aceitou. Desde então, ele tem me perseguido, insistindo para que eu volte para ele. Diz que somos almas gêmeas, que eu pertenço a ele…” Um arrepio percorreu meu corpo. A possessividade era um dos combustíveis mais perigosos para a violência. Eu conhecia bem esse tipo. “Então você se mudou para cá para fugir dele?”, perguntei, cruzando os braços. Ela soltou uma risada nervosa, quase histérica. “Digamos que eu tentei.” Seus olhos se arregalaram levemente. “Aparentemente, ele é muito bom em me encontrar. Ele estava lá, batendo na minha porta. Então… eu precisei improvisar.” Naquele exato instante, como se o destino – ou a ironia – quisesse dar ênfase à sua história, ouvimos um barulho vindo do corredor do prédio. Uma voz masculina, embargada pelo choro, implorava: “Por favor, volta para mim! Eu te amo! Por favor…” Isabella me olhou com os olhos arregalados, um misto de medo e exasperação estampados no rosto. “Viu?”, ela sussurrou, com a voz trêmula. “Eu avisei.” A situação era surreal. Eu, Henry, delegado de polícia, me encontrava em meu luxuoso apartamento, interrogando uma mulher que acabara de pular de uma sacada, enquanto o ex-namorado obsessivo dela fazia um escândalo no corredor. A vida, às vezes, tinha um senso de humor… peculiar. Levantei-me do meu assento, sentindo o peso da minha arma na cintura. A situação havia deixado de ser apenas estranha e começava a se tornar potencialmente perigosa. Eu precisava agir. “Fique aqui”, ordenei a Isabella, com um tom firme, mas sem agressividade. “Eu vou ver o que está acontecendo.” Ela assentiu freneticamente, com os olhos fixos na porta. Peguei meu celular e disquei o número da portaria. “Preciso de reforço aqui no meu andar”, falei, com a voz baixa e profissional. “Temos um indivíduo causando perturbação. E possivelmente uma situação de risco envolvendo uma moradora.” Desliguei o celular e caminhei até a porta do meu apartamento, com a mão firme no coldre da minha arma. A voz do homem no corredor continuava, agora mais alta e desesperada. “Por favor, me escuta! Eu só quero conversar!” Respirei fundo, preparando-me para o que quer que estivesse do outro lado da porta. Eu era um policial. Era meu trabalho lidar com esse tipo de situação. Mas, pela primeira vez em muito tempo, senti uma pontada de… incerteza. A presença de Isabella, o mistério que a envolvia, o comportamento obsessivo do ex-namorado… Tudo isso criava uma atmosfera carregada, uma sensação de que algo mais estava por vir. Abri a porta lentamente, com cautela, pronto para confrontar o homem que perturbava a paz do meu lar e, sem saber, me envolvera em uma trama que prometia ser muito mais complexa do que eu imaginava.
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