O dia m*l tinha clareado quando entrei na sala do trono, que já se encontrava cheia de membros da guarda. Assim que me notaram o silêncio impôs-se e a tensão na sala cresceu, deixando-me sem palavras por um momento. Expliquei-lhes tudo o que soubera até àquela hora e o que pretendia que fizessem até que aparecesse uma solução melhor, ouvindo entretanto as suas sugestões e preocupações e identificando-me com elas, relembrando-os que era imperativo reforçar a segurança de todo o reino e informando-lhes que Laila lhes iria distribuir cartas com certar medidas a tomar, que deveriam ser entregues nas várias aldeias espalhadas pelo reino. Ao me perguntarem por Elliot apenas respondi que o abalo com a morte da sua mãe o tinha feito afastar-se durante algum tempo, sabendo que tal não era plenamente verdade pois o meu marido estava apenas a evitar-me enquanto lutava com a sua própria dor e me culpava por isso.
Richard não tardou a ir avisar Jennifer, Holly e os meus pais adoptivos que o perigo tinha, aparentemente, passado. Eric continuava a ver todos aqueles que precisavam de cuidados, incluindo Aurora, que ainda se encontrava num sono enfeitiçado. Todas as aias se encontravam dispersas pelo castelo, ajudando no que fosse preciso, indo muito além das suas funções assim como os cozinheiros, que haviam reduzido o pessoal necessário e transformado as refeições grandiosas em pratos muito mais rápidos, para que os restantes pudessem ajudar na reconstrução de alguns pontos do palácio que haviam ficado destruídos.
Ao entardecer o cansaço começava a transparecer em todos os rostos que encontrava. Os meus pais adoptivos haviam regressado com Melody, que estava no seu quarto acompanhada de Mia, e ajudavam a instalar todos aqueles que os tinham seguido com os seus filhos e cujos aposentos estavam danificados. Sabia que Eliot estava a tratar de todos os funerais em simultâneo, embora ainda não me tivesse cruzado com ele, desejando que tudo não passasse de um pesadelo.
Ao conseguir ficar livre por alguns minutos dirigi-me ao quarto de Aurora, encontrando Laila sentada na beirada da cama acariciando-lhe a mão. De imediato percebeu o que eu tinha ido ali fazer perguntando-me se queria que nos deixasse sós, o que neguei de imediato. Laila levantou-se, cedendo-me o lugar e dar início ao feitiço que a acordaria a minha mãe. Um despertar exaltado tomou conta de Aurora, que começou de imediato a chorar e a clamar que tinha toda a culpa do ocorrido.
- Não percebes Emily! Fui eu!
- Calma – desesperada por não saber o que fazer decidi deixá-la continuar.
- Tudo isto! A profecia, a vingança… É tudo culpa minha por ter nomeado o Dylan como teu prometido.
- A profecia tem mais de cem anos…
- Não invalida que só se torna-se verdade agora! – Antes que pudesse abrir a boca já Aurora continuava. – Ele estava apaixonado!
- O Dylan é incapaz de gostar de alguém.
- Neste momento isso é verdade, mas quando tinha quinze anos ele realmente apaixonou-se. – O meu ar de incompreensão era visível. – Ele contou-me o porquê de nos atacar. Até tu te casares ele nunca o poderia fazer e teve de dizer adeus à rapariga que lhe conquistou o coração.
- Isso não é motivo para declarar guerra a Cyon. E se bem me lembro ele sempre tentou que eu me casasse com ele.
- Ela morreu. – O olhar da minha mãe desfocou-se por um momento, provavelmente lembrando-se de Eileen. Laila prendia a respiração, visivelmente nervosa, fazendo-me antever o pior. – Aos dezassete anos ela casou-se. Tu tinhas treze anos e ela não queria esperar sete anos até ter a certeza de que o Dylan não seria obrigado a casar-se contigo.
- Então tudo isto é porque ele não pôde casar com quem queria? – Levantei-me num salto, completamente baralhada, perante tal pergunta da minha prima.
- Sim e não, Laila. O que provocou o d****o de vingança do Dylan não foi propriamente o casamento, mas sim a morte.
- Como é que ela morreu? – A falta de emoção da minha voz era tanta que as duas mulheres olharam para mim.
- Aos dezoito ia ter um filho e o Dylan, que já estava extremamente triste por ela o ter deixado mas ainda ambicionava que ela se separasse do marido, ficou deprimido quando ela morreu no parto. Ele jurou que se ia vingar de mim por lhe ter tirado a oportunidade de ficar com a amada, mas sempre pensou em faze-lo quando se tornasse rei. Só que tu chegaste a este reino três dias depois da morte da Megan, declaraste que não irias casar com ele e ainda ficaste com o irmão que ele odiava.
- Por isso ele quer vingar-se de todos nós – finalizei.
- m***r a Eileen foi o primeiro passo – respondeu com lágrimas nos olhos. – Ele nunca a perdoou por se relacionar com o seu pai e fere o Eliot ao mesmo tempo.
- O Eliot culpa-me pelo que aconteceu – desabafei. – Ele acha que se não tivéssemos saído do castelo isto nunca teria acontecido, e tem alguma razão. – Vendo que Aurora não compreendia, expliquei. – A barreira foi quebrada ao trazermos os habitantes de Erell para cá. Eu achei que não devíamos correr esse risco mas não consegui demover o Eliot da ideia. Eles viviam em condições deploráveis eu sei, mas deveríamos ter tido mais atenção ao faze-los entrar em Cyon.
- A culpa não é tua nem do Eliot querida. Ele está mais forte que os gémeos, arranjaria maneira de aqui chegar. – Sentando-se na cama, com as cores a desaparecerem-lhe do rosto, pediu: - posso falar com o Eliot?
- Acho que sim. É a mim que ele não quer ver.
- Deixa-o fazer o luto. Ele procurar-te-á quando se sentir preparado.
- Vou procura-lo. – Laila encaminhou-se para a porta. – Não me parece que o Eliot negue esse pedido.
- Não o obrigues a vir Laila – acrescentou com uma lágrima solitária a rolar-lhe pelo rosto. – Deixa-o fazê-lo a seu tempo.
- Não o farei – garantiu antes de se ausentar.
Dirigi-me para as grandes portas de acesso à varanda rindo, perante o ar espantado de Aurora. Comecei a gargalhar de tal maneira que tive de me agarrar à barriga pois não conseguia parar, até que senti uma mão no meu ombro.
- Não te devias ter levantado – disse entre risos.
- Estás nervosa – afirmou, abraçando-me. – Ainda tenho forças para te confortar, filha.
- Um coração partido! Tudo isto por um namoro que não deu certo!
- Emily…
- Não! Eu não vou ter compaixão por isso! Ele matou a Eileen! – Vendo o rosto magoado da minha mãe aprecei-me a desculpar-me. – Falei sem pensar. Perdoa-me, eu sei que te está a custar mais a ti do que a mim.
- Sim, estou a sofrer com a perda da minha melhor amiga, mas isso não quer dizer que também não o estejas a sentir. Afinal a Eileen tratou-te muito melhor do que eu quando aqui chegaste, e eu sei bem que lhe tens muito carinho. – Limpando as lágrimas voltou para a cama, extremamente pálida.
- É melhor descansares. Volto amanhã de manhã para ver como estás. – Beijei-a no rosto e caminhei em direcção ao quarto de Melody.
Laila sentara-se no chão em frente à petiza, que tagarelava sem parar, sorrindo um pouco. Juntei-me às duas, brincando com a minha filha enquanto conversava mentalmente com Laila.
- Como está o Elliot?
- Abatido. Estava a preparar os funerais para amanhã ao pôr-do-sol.
- Devemos esperar bastante gente… A Eileen era bastante querida nas redondezas e as famílias das outras vítimas também estarão presentes.
- A Holly está a encarregar-se disso.
- E a Jen?
- Continua a estudar os controladores, mas sem grande sucesso. O Nathan não a tem deixado dormir e ela está exausta, mas recusasse a descansar até descobrir como bloquear os impulsos do controlador.
- Ela tem mesmo de aprender a se pôr em primeiro lugar às vezes. – Suspirei, sabendo que a teimosia de Jennifer não a deixaria descansar até acabar aquilo a que se tinha proposto. - E como estás tu? Não tens parado um único minuto desde que voltámos.
- Não sei. Apática, talvez? Estou triste pela Eileen é claro, mas sinto que as minhas emoções são demasiado fracas para o que se está a passar.
- Não sejas tão dura contigo mesma Laila. As últimas semanas têm sido desgastantes para ti. Descobriste que a tua mãe está viva e que é uma pessoa totalmente diferente do que pensavas, que o teu sobrinho está bem e que uma das pessoas mais chegadas a ti foi assassinada. Estás esgotada e a tua mente está a tentar lidar com isso como pode.
- Acho que tens razão. Mas tu também passaste por muito e não estás em colapso.
- Quando saíste do quarto da Aurora comecei a rir que nem uma doida. – O ar de espanto da minha prima fez com que Melody parasse de brincar por um segundo, mas logo voltou ao normal. – Sim, eu ri! Perante toda a desgraça eu ri! Achas mesmo que não estamos todos num estado de ansiedade tão grande que já não sabemos bem o que fazer? És humana Laila, tal como todos nós, e já passaste por tanto!
- Sinto que não estou a ser de grande ajuda – desabafou. – Só o simples facto de puder ter de lidar com o Dylan deixa-me petrificada, mas ao mesmo tempo o meu único d****o é acabar com ele de vez. Como posso ser útil se só de ouvir o nome dele entro em pânico?
- O que tu podes ou não fazer é o que menos me interessa, só quero que te sintas bem. É óbvio que quanto mais rapidamente derrotarmos o Dylan mais depressa voltamos a ter paz, mas isso não quer dizer que tenhas de sofrer ainda mais para que o consigamos. Não te quero perder a ti também Laila!
- Nem eu quero perder mais ninguém, mas é por isso mesmo que tenho de ser capaz de fazer algo a respeito do Dylan. – Ao se levantar, um sorriso apareceu no rosto de Laila, contagiando-me. Desta vez a sua voz fez-se ouvir: - Vou ultrapassar isto, eu sei que sim.
- Claro que vais – repliquei ao abraçá-la. – Pode não ser hoje nem amanhã, mas um dia vais fazê-lo.
Caminhei pelos corredores, parando aqui e acolá para resolver alguns assuntos mais urgentes, até chegar ao quarto de Jennifer. m*l tinha batido na porta quando esta se escancara, revelando a minha amiga com as maiores olheiras que já tinha visto na vida. Ao entrar no aposento não queria crer no que via: várias mesas espalhadas pelo cómodo a abarrotar de pequenos engenhos, montes de papéis com vários desenhos e esquemas espalhado pelo chão e ainda o berço de Nathan a um canto completamente atulhado com as coisas do petiz. Jennifer parecia nem ter prestado atenção a quem tinha entrado no quarto, pois ao me ver reagiu com surpresa.
- Emily? Estás aí há muito tempo?
- Acabaste de chegar Jen – respondi fechando a porta. – Precisas de descansar.
- Não posso, não agora. – Sentei-me num cadeirão, observando-a enquanto buscava algo. – Finalmente descobri como os controladores agem no cérebro e estou perto de conseguir bloqueá-los. – Antes que pudesse mostrar entusiasmo ela continuou: - o problema é que não tenho conhecimentos suficientes para o fazer. Preciso de alguém com conhecimentos em medicina mágica para o fazer.
- Porque não pedes ao Eric que te ajude? Ou ao Robert?
- Já falei com o Eric e ele está disposto a ajudar-me, mas só após o funeral da Eileen. Ele tem acompanhado o Eliot nas visitas às famílias das vítimas para dar apoio.
- Então, por favor, repousa até lá. A Laila contou-me que quase não tens dormido. – Antes que ela refutasse acrescentei: - vou dizer à Mia para tomar conta do Nathan esta noite. Aproveita para passares algum tempo com o Richard e para dormires pelo menos uma noite. Eu sei que recusaste ter uma ama para a noite, mas assim vais acabar derrotada pela exaustão muito brevemente.
- Está bem – assentiu. – Uma noite.
- Duas. E todo o dia de amanhã também. Vai ser um dia longo para todos, prefiro que não penses neste assunto até que o Eric te possa ajudar.
- Nem um dia a mais – avisou. – Não estou inválida.
- Combinado.