Assim que Túlio partiu, liguei para Cristine. Precisava da companhia de alguém que me entendesse, que pudesse me oferecer um ombro amigo, e ela era a única pessoa em quem eu realmente confiava.
Ligação:
— Bom dia, minha linda. Falou com seu sapo desencantado ontem? — Cristine atendeu com sua voz alegre.
— Oi, amiga. Preciso muito conversar contigo. O Túlio dormiu aqui ontem à noite — minha voz saiu um pouco trêmula, revelando o turbilhão de emoções que eu estava sentindo.
— Uau, por essa eu não esperava. Vocês... você sabe — ela hesitou, claramente surpresa. — Transaram?
— Não, não foi isso. Você pode vir aqui? Estou precisando muito desabafar. Eu sei que você não gosta dele, mas você é a única pessoa com quem eu posso falar sobre isso — minha voz estava quase suplicante, expressando minha necessidade urgente de apoio.
— Por mais que eu não suporte o Túlio, você é minha amiga e eu nunca te abandonaria. Mas eu não posso ir agora, vem para cá. Estou fazendo brigadeiro. Nós comemos, conversamos e colocamos essa cabeça confusa no lugar. Que tal? — Cristine propôs, sua voz transbordando carinho e compreensão.
— Parece perfeito. Estou precisando mesmo de doce e uma boa conversa. Estou indo, beijos — respondi, sentindo um leve alívio.
Desliguei a ligação e me apressei para trocar de roupa. Escolhi algo confortável, um vestido leve que refletia um pouco da leveza que eu desejava sentir. Olhei-me no espelho rapidamente, e suspirei profundamente.
Caminhei até o portão com passos rápidos, sentindo um pouco de ansiedade para desabafar com Cristine. Talvez, conversar com minha amiga, fosse exatamente o que eu precisava para clarear meus pensamentos e encontrar um caminho a seguir.
Assim que saí pelo portão, avistei Murilo. Ele caminhava calmamente pela rua. Uma onda de sentimentos contraditórios tomou conta de mim, misturando-se com a leve brisa da manhã.
— Bom dia, Murilo — cumprimentei, me esforçando para manter a calma e disfarçar a súbita agitação interna que brotou em mim, ao vê-lo passando em frente à minha casa.
Tentei parecer natural, mas aquele frio na barriga, um misto de nervosismo e expectativa, persistia em aflorar sempre que ele estava por perto, um sentimento que eu ainda não conseguia entender completamente.
— Bom dia, July — ele se aproximou, seu sorriso gentil iluminando o rosto. De forma amigável, mas com uma leve hesitação, ele tocou minha cintura e depositou um beijo suave em meu rosto. O gesto, simples e cordial, desencadeou uma estranha aceleração em meu coração. — Tudo bem com você?
— Sim, está tudo bem — respondi, ainda um pouco surpresa com o efeito de seu gesto. — E você? Ontem na lanchonete, pareceu um pouco distante. Alguma preocupação? — Indaguei, observando-o com atenção e genuína curiosidade.
— É verdade, ontem foi um pouco corrido. Mas estou bem, obrigado por perguntar. Você conseguiu falar com o Túlio? — Ele perguntou, com sua habitual calma.
— Sim, consegui. Ele esteve aqui em casa e conversamos — confessei, forçando-me a manter a voz estável, apesar do caos emocional que eu estava vivendo por dentro.
— Que bom ouvir isso, July. Espero que estejam bem — Murilo disse, com uma ponta de preocupação em seu olhar, que me transmitia uma sensação de acolhimento.
— Estamos nos esforçando para isso — suspirei, deixando escapar um sorriso frágil, tentando esconder a incerteza que ainda persistia em meu coração.
— Entendo... — ele pausou por um momento, olhando-me nos olhos com uma profundidade que me fez perder o fôlego por um instante. — Você está indo a algum lugar agora? — Ele apontou discretamente para a rua, rompendo delicadamente aquele momento de conexão intensa entre nós.
— Estou indo até a casa da Cristine — expliquei, sorrindo, enquanto indicava na direção da casa da minha amiga.
— Posso te acompanhar? Estou indo para lá também — ele propôs, com um sorriso que me fez corar levemente.
— Claro, vamos juntos — concordei e começamos a caminhar lado a lado.
Enquanto caminhávamos, eu não pude deixar de pensar na diferença gritante entre Murilo e Túlio. Murilo sempre foi tranquilo, simpático e incrivelmente bonito. Sua educação e gentileza eram qualidades que eu admirava profundamente. Ele e Túlio, apesar de serem melhores amigos, eram como noite e dia. Às vezes, eu me perguntava como duas pessoas tão diferentes poderiam ser tão próximas. Murilo tinha um jeito calmo e doce, completamente oposto ao temperamento, muitas vezes explosivo, de Túlio.
Durante a caminhada, trocamos algumas palavras casuais, mas minha mente estava a mil. Havia algo em Murilo que mexia comigo, de uma maneira que eu não conseguia explicar. Eu sabia que ele era o melhor amigo do meu namorado, e isso tornava tudo ainda mais complicado. Porém, não pude evitar me sentir confortável e à vontade ao seu lado, algo que raramente acontecia quando estava com Túlio.
Ao chegarmos à porta da casa de Cristine, Murilo se preparou para se despedir.
— Pensei que você também ia entrar — comentei, um pouco surpresa. Ele me lançou um daqueles sorrisos meigos, que tinham o poder de transformar completamente meu humor. Era um sorriso tão genuíno e cativante, que iluminava até os dias mais sombrios, e eu não podia evitar me perder nele, guardando esse encantamento como um doce segredo meu.
Ele balançou a cabeça levemente, ainda sorrindo.
— Não, desculpa, me expressei m*l — corrigiu-se, e aqueles olhos expressivos encontraram os meus, fazendo-me sorrir timidamente.
Ganhando coragem, fiz uma pergunta que vinha me inquietando.
— Você já pensou em ter algo com a Cristine? — Perguntei isso porque lembrava bem de alguns meses atrás, quando Cristine demonstrou interesse evidente por ele. Mas, apesar das investidas dela, nunca aconteceu nada entre os dois. Murilo sempre encontrava uma maneira gentil e educada de recusar as investidas da minha amiga.
Ao ouvir minha pergunta inesperada, Murilo soltou um riso, mais de surpresa do que de diversão.
— Eu e Cristine? — Questionou, espantado, eu assenti. — Não, July. A Cristine é incrível, mas não rola nada além de amizade entre nós — explicou. Eu me virei para ele, minha curiosidade aguçada.
— Por quê? Ela não é do seu tipo ou você não a acha atraente? — Indaguei, tentando entender.
Murilo balançou a cabeça, um sorriso suave em seus lábios.
— Não é isso, a Cristine é muito bonita. Mas não tem a ver com aparência.
— Então por que não rola? — Insisti, intrigada com sua resposta.
Ele me olhou com um misto de diversão e seriedade.
— Você virou cupido, é? — Brincou, e eu não pude deixar de rir com ele.
— Não, não é isso — respondi, ainda sorrindo. — Mas fiquei curiosa.
Murilo me olhou atento e suspirou, deu um passo mais perto, baixando a voz de maneira conspiratória.
— Quer saber a verdade? — Perguntou e eu acenei, ansiosa pela resposta.
Murilo permaneceu com as mãos nos bolsos, mas parou tão perto de mim que nossos corpos quase se tocavam. Seus olhos fixaram-se nos meus, e senti uma conexão quase elétrica entre nós. O ar ao nosso redor parecia carregado, intenso e, embora eu pudesse me afastar, algo me mantinha ali, imóvel, perdida no magnetismo de seu olhar.
Sua proximidade era avassaladora e, a forma como ele me olhava, fazia meu coração acelerar. Era como se cada olhar trocado entre nós desencadeasse uma descarga elétrica pelo meu corpo. Sabia que era errado, mas não conseguia evitar sentir aquelas sensações.
— A verdade, July, é que não rolou química com a Cristine — sua voz, embora suave, carregava um tom inegavelmente sedutor. — Para eu ficar com alguém, preciso sentir uma atração real, uma conexão genuína — confessou quase como um sussurro, seus olhos percorrendo meu rosto com uma intensidade que me deixava sem fôlego.
Enquanto falava, os olhos de Murilo dançavam entre os meus e minha boca, aquilo me deixava atordoada. A proximidade dele era palpável e, cada palavra sua, parecia uma carícia.
— Precisa haver química, desejo. Eu preciso querer estar com a pessoa — ele continuou, e eu engoli em seco, sentindo seu hálito fresco contra minha pele.
— Você entende, July? — Perguntou, e parecia que havia um significado oculto em suas palavras, algo que me era direcionado.
Concordei com a cabeça, ainda imóvel, absorvendo a proximidade e a intensidade do momento. Ele estava tão perto, que eu podia sentir o calor do seu corpo, isso me confundia e fascinava.
Finalmente, dei um pequeno passo para trás, buscando alguma distância segura. Era necessário, especialmente diante da turbulência que suas palavras haviam despertado em mim.
— Acho que entendo — consegui dizer, levando a mão à nuca num gesto nervoso. O ar parecia mais quente, mais denso naquele momento.
— É por isso que não fiquei com ela — ele concluiu, respirando fundo e me dando um sorriso, que parecia carregar mais do que simples amizade.
— Você é intenso — comentei, meio sem jeito, sentindo minhas bochechas corarem.
— Você não faz ideia — ele respondeu e, por um instante, fiquei com a impressão de que ele estava falando diretamente comigo, sobre nós. — Bom dia, July — despediu-se com um sorriso gentil.
— Bom dia — respondi, ainda um pouco abalada, enquanto ele retomava sua caminhada.
Fiquei ali por um momento, tentando me recompor. E, enquanto o observava se afastar, sentia o perfume dele ainda pairando no ar, um aroma que parecia me envolver e me levar para longe da realidade.