— Mas não se preocupe, está tudo bem, eu já superei — ele tentou sorrir, forçando uma expressão de tranquilidade que seus olhos tristes traíam. O sorriso não chegava a iluminar seu rosto, era evidente a falta de convicção em suas palavras.
— Eu só não quero que ele force a barra. Ele escolheu seu caminho e agora deve arcar com as consequências. Eu não tenho que aceitar nada disso — Murilo continuou, sua voz firmando-se com a determinação de quem tentava convencer a si mesmo tanto quanto a mim.
— Deve ser realmente complicado — falei, oferecendo a ele um olhar compreensivo. Minhas palavras eram sinceras; eu queria que ele soubesse que estava ali para o que precisasse. Era difícil imaginar completamente o que ele estava passando, mas meu desejo era ser um porto seguro onde ele pudesse ancorar suas preocupações.
Murilo se recostou no sofá, as almofadas absorvendo parte de sua tensão. Ele parecia aliviado por compartilhar uma parte do seu drama, como se o simples ato de verbalizar seus sentimentos diminuísse o peso deles. Sua postura relaxou um pouco, os ombros descendo enquanto ele respirava mais profundamente, encontrando algum conforto no ambiente seguro que tentávamos criar ali.
— Obrigado pelo momento, July — ele disse, agora olhando diretamente para mim, um brilho de gratidão misturado com a melancolia em seus olhos.
Eu acenei, entendendo a importância daquele momento de vulnerabilidade.
— Claro. Você sempre pode falar comigo sobre qualquer coisa. Estou aqui para te apoiar, somos amigos — involuntariamente, segurei sua mão, meus olhos fixos nos dele como se quisesse guardar aquele momento. Nos olhamos por minutos, era estranho como eu me sentia bem com aquele olhar, meu único desejo era ficar ali, presa neles, mas sabia que precisava afastar os sentimentos que se inquietavam dentro de mim, então, em um movimento repentino, soltei suas mãos e desviei meus olhos dos dele.
— E sua irmã, como ela está lidando com tudo isso? — Questionei, tentando suavizar a intensidade do momento e expandir o contexto da conversa.
— Por ela, está tudo bem, isso é o que mais me irrita. Minha irmã aceitou sem protestar, até quer que o Mateus, meu sobrinho, conheça nosso meio-irmão. Ela acha que eles podem ter uma boa relação, já que são da mesma idade — ele explicou, forçando um sorriso que falhava em mascarar a tristeza por trás de suas palavras. Havia uma complexidade em seu olhar, um misto de resignação e desapontamento. — É estranho pensar que tenho um irmão que é praticamente da idade do meu sobrinho.
A luz da sala parecia absorver a melancolia de suas palavras, lançando sombras suaves que refletiam a complexidade dos sentimentos de Murilo.
— Você já pensou em conversar com seu pai? Compartilhar com ele sua visão de toda a história? — Sugeri delicadamente, tentando oferecer uma perspectiva que talvez não tivesse sido considerada, buscando entender melhor sua posição.
— Não, July. Eu não tenho nada para conversar com ele. Ele nos deixou. Foi embora e isso é tudo que importa para mim — Murilo respondeu com firmeza, sua voz ressoando com uma certeza dolorosa. Seus olhos escureceram um pouco, refletindo a profundidade de sua resolução.
— Mas durante esses anos, ele tentou se aproximar de você, certo? — Perguntei, lembrando de algo que ouvi sobre a situação, procurando trazer à tona aspectos talvez esquecidos da história.
— Tentou, mas não estou interessado nas desculpas dele. O que ele poderia dizer? Que preferiu outra mulher à própria família? Não quero saber disso — sua voz estava carregada de rancor, cada palavra era como uma pedra sendo lançada com força contra uma parede invisível de frustração e mágoa.
Murilo olhou para o vazio por um momento, respirando fundo. A tensão em seu corpo era evidente; os músculos de seus ombros estavam tensos e ele apertava os dedos ao redor da taça de suco como se buscasse algo em que se ancorar.
Eu me aproximei discretamente, oferecendo não apenas minha presença física como suporte, mas também minha empatia.
— Seja lá o que decidir fazer, saiba que estou aqui para você. Não precisa passar por isso sozinho — disse, minha voz baixa e sincera, colocando uma mão sobre a dele em um gesto de apoio. Murilo acenou com a cabeça, agradecido, por um momento permitiu-se ser vulnerável, mostrando o quanto aquela situação o afetava. Foi um lembrete de que, apesar da força que frequentemente demonstramos ao mundo, há momentos em que todos precisamos de um porto seguro onde possamos expressar nossas verdadeiras emoções.
— Posso perguntar como sua mãe está lidando com a volta dele? — Perguntei, meu tom carregado de genuína curiosidade, enquanto tentava compreender melhor a dinâmica familiar que influenciava tão profundamente as emoções de Murilo.
— Ela está bem, até indiferente, eu diria. Ela refez a vida dela e diz que perdoou o que ele fez — ele explicou, seu rosto expressando uma mistura de perplexidade e talvez uma pitada de admiração relutante pela resiliência da mãe. Ele parecia lutar internamente com a ideia de que alguém pudesse simplesmente perdoar e seguir em frente após uma traição tão profunda.
— Talvez você devesse conversar com ele. Não seria bom para você também? Guardar esse ressentimento só te faz m@l — aconselhei, minha voz suave mas firme, tentando incutir um senso de possibilidade, de que talvez houvesse uma forma de aliviar a carga emocional que ele carregava.
— Eu sei, July, mas é muito difícil, eu não consigo simplesmente perdoar o que ele fez como elas. Ele me abandonou — ele confessou, as palavras carregadas de dor. Seus olhos encontraram os meus, naquele olhar havia uma sinceridade tocante.
Continuamos nossa conversa por mais algum tempo, abordando vários aspectos de seu relacionamento com o pai, mas ficou claro que Murilo não estava pronto para reconsiderar sua posição. Cada menção ao assunto parecia reacender uma chama de mágoa que ainda ardia forte dentro dele.
Eu entendia sua dor e uma parte de mim desejava ardentemente que ele encontrasse um caminho para a cura e a reconciliação. Observando-o ali, tão consumido pela mágoa, eu sentia uma mistura de compaixão e frustração. Queria ajudá-lo, mas sabia que algumas jornadas precisavam ser trilhadas ao próprio tempo de cada um.