Voltando para casa assustada

3024 Words
CECÍLIA Os dois ficaram em silêncio e eu só consegui ouvir um barulho de carro se aproximando. Só podia ser meu táxi. Me preparei para correr e foi aí que o Marcelo me viu. — Aonde pensa que vai, Cecília? — Ele me encarou com um sorriso horripilante. Tentou pegar no meu braço, mas foi impedido pelo brutamontes que eu nem sabia o nome. Aproveitei sua distração e entrei no carro. Pouco estava me importando se não fosse meu táxi. — Por favor! — ofeguei desesperada. — Saia o mais rápido possível daqui. Expliquei meu endereço e em vinte minutos já conseguia ver a fachada do meu prédio. Subi as escadas, mas não sentia minhas pernas, tamanho desespero que ainda estava em meu corpo. Peguei minha chaves na bolsa e antes de colocar na fechadura, a Kate abriu a porta. — Cecí, o que aconteceu? — me olhou preocupada e me deu passagem para que entrasse na casa. — Uma longa e fodida história, Kate. — me joguei no sofá, ainda em transe. — Você está bem? — Olhei pro lado e notei o irmão da Kate surgindo da cozinha. — Vou ficar, Pedro. — falei sem muita certeza. Ele se aproximou com uma xícara de chá e me entregou. — Amiga, eu já estava a ponto de ligar pra polícia. Te liguei várias e várias vezes e você não atendia. — suspirou preocupada. — A bateria do meu celular acabou e você não tem ideia da m***a que me aconteceu nesse meio tempo. Ela se sentou do meu lado e com mais calma, consegui explicar tudo o que havia acontecido, desde a briga com o estranho até a fuga do meu chefe assediador. — Você vai na delegacia comigo. — declarou por fim. — Precisamos fazer um boletim de ocorrência. — Duvido muito que vão fazer algo contra ele. Ele tem muito dinheiro, Kate. Ela suspirou pesado e se encostou no sofá. — Algumas funcionárias já passaram pelo mesmo que eu, mas não conseguiram fazer nada. Ele tem muitos contatos com autoridades da polícia. Sem falar que é amigo do prefeito. — Já tinha esquecido que aqui quem manda na lei são esses riquinhos mesquinhos. — Pedro se levantou e parecia indignado. — Aquele desgraçado vai pagar por ter mexido com você. — Kate andou de um lado pro outro. — Eu devia ter ido lá, só assim eu acabava com a cara dele. — E o cara que te ajudou, você não sabe o nome? — Pedro parecia intrigado com essa parte. — Nada. Eu não sei nada sobre ele. — Ele já havia frequentado a lanchonete mais vezes? — insistiu. — Nunca vi ele por lá. — Bom, o importante é que mesmo tendo discutido com você, ele te ajudou a fugir. — Kate explicou e me vi concordando. — Verdade! Você tá aqui, e é tudo que importa. — Pedro me olhou. — Mas mesmo assim eu vou dormir aqui com vocês. — Não precisa se preocupar, Pedro. Eu já tô em casa. Acho que o Marcelo não teria a cara de p*u de vir aqui. — A segurança desse prédio é uma porcaria, Cecília. Então sim, eu vou passar a noite com vocês e me assegurar que tudo vai ficar bem. — Obrigada! — agradeci e ele acenou com a cabeça. [...] — Não acredito que estão me ligando a essa hora! — resmunguei com a cara afundada no travesseiro. — Vou deixar tocando, e fingir que não ouvi. Esperei impaciente, mas como essa semana foi reservada para me irritar, o telefone continuou tocando. Olhei na tela e vi que era minha mãe. Eram tantas chamadas perdidas que eu não sei como não ouvi esse celular tocar antes. — m***a! Eu vou ouvir um sermão. — atendi. — Por que não me atendeu logo, Cecília? O que tá fazendo? Tá no trabalho? Ainda não deu a pausa pro almoço? Já são 11:40. Ok, não é tão cedo como pensei. — Bom dia, pra você também, mãe. Não atendi logo porque estava ocupada com uma coisa importante. Deus que me perdoe por mentir, mas era mentir ou contar que estava dormindo até tarde por causa que estava desempregada. — Olha, eu sei que você deve estar muito ocupada com suas coisas, mas amanhã vai ter um jantar aqui em casa. — falou animada. — Vai ser o jantar de ensaio do casamento da sua irmã, então, apareça. — É uma ordem ou um pedido? — Seria um pedido, se eu não soubesse que você iria recusar. — E quem vai está nesse jantar, além das amiguinhas da Joana? — As madrinhas e padrinhos dos noivos, você sabe que não pode faltar, mas seus tios também vão estar. Mais um motivo para eu não ir. — Tem como eu só aparecer no dia do casamento? Por favor! — implorei. Já consigo até ouvir as perguntas invasivas dos meus tios. Sem falar que meu ex vai estar lá com a Charlotte. — Sem drama, Cecília. Você não pode faltar em todas as reuniões familiares. Principalmente sendo a véspera do casamento da sua irmã. Sim, eu poderia fingir que estava trabalhando e só aparecer no dia do casamento. — Os pais da Charlotte vão vir também. Os pais da víbora? — E por que? Eles nunca aparecem. Ela ficou em silêncio por um instante, até achei que tinha desligado. — Mãe? — Eu não sei se deveria contar isso para você, mas de todo jeito você vai ficar sabendo. — um suspiro até ela prosseguir. — O seu ex, Renato, vai pedir a mão da Charlotte em casamento. Fiquei em choque, principalmente por fazer pouco tempo que terminamos. Não fazia nem cinco meses. — Você sabe que seus tios são da igreja, então já era de se esperar que exigissem um casamento. Certo, ele iria pedir a mão da sua amante em casamento, e para todo mundo ela era a garota certinha que frequentava a igreja. — Filha, eu sei que é complicado para você estar em uma situação como essa, mas foque no casamento da Joana. Você mesma me falou que vocês dois tinham concordado em terminar, por conta da vida corrida que levavam. Um dia ele iria seguir em frente e se relacionar com outra pessoa. Era uma m***a não contar a verdade pros meus pais. — É que foi muito rápido. — tentei não parecer afetada. — Só fiquei surpresa. — Eu sei, mas não quero que fique triste. Sei que daqui alguns anos será você quem estará se casando também, com uma pessoa que ame de verdade. — Já quero deixar claro que eu não quero casar tão cedo. — me apressei a dizer. Ela começou a rir de mim e pude ouvir o meu pai de fundo, agradecendo minha escolha. — Eu nem preciso te dizer que essa escolha sua deixou seu pai mais que contente, não é? — E o que o papai está fazendo aí? Ele não está trabalhando? — O Francis e a Joana resolveram vim hoje. E como a Charlotte e a madrinha de honra vai vim com o Renato. Seu pai vai pescar com os dois, á tarde. Agora ele vai participar de todos os eventos em família? Parecia brincadeira. — Filha, vou ter que desligar. Hoje sua irmã vai fazer a última prova do vestido, e vou junto. Nós nos despedimos e ela desligou. Resolvi parar com as lamentações. Já ia fazer uma semana que eu tinha me demitido. Já tá na hora de conseguir um emprego novo. As contas do apartamento que divido com a Kate, não podem esperar. Depois de um banho que me renovou, desci as escadas, rumo à cozinha. Estava com saudade de preparar minhas refeições. Procurei na dispensa algo que não fosse macarrão instantâneo, mas só tinha uma garrafa de uísque como segunda opção. — Kate, está querendo morrer só comendo isso, é? Não é possível. — me assustei ao não encontrar nada além dessas porcarias industrializadas. Nunca mais fiz compras no mercado, depois que comecei a trabalhar na lanchonete e trazer marmita de lá. Mas observando tudo isso, tô vendo que tá precisando urgente de umas comprinhas. Peguei minha bolsa, e fui rumo ao elevador, e para a minha desgraça, ainda estava com uma placa enorme de manutenção. — Não acredito que vou ter que descer toda essa escadaria. — Me lamentei já no sétimo degrau. — Por que não consertam logo essa m***a? Parei um pouco pra recuperar o fôlego, e quando ia continuar, me esbarrei em alguém. Era um homem todo de preto, com um capuz na cabeça. Ele não olhou para trás e nem retribuiu meu pedido de desculpas. Mas o que mais me intrigou, foi o cheiro do perfume. Eu conhecia esse cheiro. — Só posso está ficando louca. — ri sozinha e foi assim que o segurança do prédio me encontrou. Parabéns pra mim, agora ele com certeza acha que sou louca. — Bom dia! — comprimentei com um sorriso simpático e ele retribuiu com um aceno de cabeça. Me apareceu o táxi que me esperava e em poucos minutos cheguei no supermercado. — Meu Deus! — olhei surpresa com o preço das coisas. — Será que se eu chorar eles baixam o preço para mim? — Pode acreditar que não funciona. Olhei pra dona da voz com a mão no coração. — Kate, o que faz aqui? Quase me mata do coração. — Vim fazer algumas compras pra patroa. — apontou pro carrinho. — E você? Se eu não me engano, você tinha falado que não ia sair daquele quarto tão cedo. — Minha mãe ligou e deu o ultimato para eu comparecer no almoço de ensaio do casamento da Joana. Inclusive, você vai ter que ir comigo. — Falou em jantar, eu já tô dentro amiga. — Continuando, ela me contou que o Renato vai pedir a Charlotte em casamento. — sua boca começou a abrir em surpresa. — E você acredita que vão fazer isso no ensaio de casamento da minha irmã? Pois vão. — Eu tô em choque, sério. Faz tão pouco tempo desde que você terminou com ele, por conta da traição. — Eu sei, e também fiquei surpresa, principalmente por ele sempre falar que casamento nunca foi o sonho dele e do nada já está planejando um casamento. — suspirei. — Não fica pensando nisso, pois eu aposto que os pais dela pressionaram eles dois. Você acha mesmo que se fosse por conta própria ele iria pedir a mão dela em casamento? Eu duvido muito. — Eu nem sei mais o que esperar dos dois. — Você só tem que agradecer, Cecí, por ter se livrado de um cara abusivo igual ele. Pois eu duvido muito que quando ele se casar com ela não vá traí- lá também. — O pior de tudo é ser forçada a ver esses dois na minha casa. Onde ninguém sabe que eles dois se relacionavam enquanto ele estava comigo. — Se eu fosse você contaria tudo, desde o dia que você pegou os dois na casa dele até o dia que ele te implorou para não contar nada para ninguém. — Eu não consigo, Kate. — empurrei o carrinho para a seção de verduras. — Meu pai sempre esteve certo sobre as verdadeiras intenções do Renato, mas eu nunca dei ouvidos. Não sei como ele reagiria. — Ele não iria te apedrejar só porque você resolveu acreditar que o Renato não iria fazer tudo que fez. — As vezes me sinto uma tonta por ter acreditado em tudo que o Renato me falava. — Seu problema é esse, você transfere toda a culpa dele para você. Ele era manipulador, e não tinha como você adivinhar que por trás das palavras bonitas que ele falava te colocava um chifre com a sua prima. — Eu sei, mas também ignorei as suspeitas dele, quando ele falava que iria ter uma reunião com o marido da Joana, mesmo desconfiada deixava para lá. Também ignorei os olhares dos dois, quando a gente estava na casa dos meus pais. — Quando estamos apaixonados preferimos ignorar certas coisas, Cecí. Eu já passei por isso e te entendo. Mas não adianta ficar se culpando por não ter enxergado antes. Concordei com a cabeça e fui para a seção de cereais. — Você é jovem, bonita e tem várias qualidades. Um dia vai aparecer um homem que beije o chão que você pisa, Cecí. — Depois dessa decepção tô muito longe de me relacionar com alguém novamente. — Peguei uma caixa de cereal e coloquei no carrinho. — Você não precisa entrar em um relacionamento com a primeira pessoa que tiver interessada, mas se permita conhecer caras novos sem compromisso nenhum. — colocou várias barras de chocolate no meu carrinho. — Não sei se estou pronta. — Você não pode dizer isso quando se mora nesta cidade. Em cada esquina que eu passo me apaixono por um homem. Ri do seu exagero e ele me seguiu. — Coloca mais desse macarrão instantâneo no carrinho. — Não mesmo, Kate. Você entupiu nosso armário disso. Não sei como não consegue preparar uma refeição decente sem ter macarrão no meio. — Você sabe que eu só como na Stefania. — pegou uma bebida das caras e colocou no carrinho. — E lembre-se que foi você que me deixou responsável pelas compras, da última vez. — Eu sei, e estou me culpando por isso. Mas não achei que você fosse comprar tanta besteira. — Acontece, amiga. — deu de ombros. — Enfim, já chega de macarrão instantâneo. — Amém! — ela levantou as mãos pro céu. A Kate me ajudou a escolher algumas coisas e fomos pro caixa. — p**a que pariu, Kate. — sussurrei baixinho ao ver o preço das compras. — O restante do meu salário vai todo nessa compra. — Eu tenho o cartão da patroinha. E é sem limites. — levantou pra eu ver. — Vamos passar no cartão da Stefania. — sugeriu rindo, mas se eu não conhecesse diria que estava falando sério. — E comer na cadeia? Não. — Você que sabe. Nós pagamos e depois ela chamou o motorista e colocou nossas compras no carro. Agradeci aos céus por não ir de táxi novamente e com tão pouco dinheiro. — Você não tem medo de ser demitida não? — coloquei as sacolas na bancada, depois que chegamos. — O Ferdinando não vai contar para Stefania que te dei uma carona. — me entregou mais uma sacola. — Falando nos Lucchesi. Um dos filhos da Estefânia tá precisando de uma babá. Você poderia trabalhar lá. — Eu não tenho jeito crianças, Kate. — Não precisa ter jeito com criança, para trabalhar com criança. — Quem sabe lidar com criança já é difícil, eu duvido muito que eu sem saber consiga. Sem falar que não quero trabalhar de babá até a criança crescer. — Você não vai precisar ficar lá por muito tempo amiga, quer dizer, nem que você quisesse ficaria. — E por que? — Ninguém fica, a menina é uma peste. Todas as babás que foram contratadas não duraram mais de três meses. — Não sei não, Kate. — olhei receosa. — O salário é alto? — Mais do que você imagina. — E é só uma criança? — Acho que sim. Ele só tem dois filhos, e o mais velho já tem 17 anos. Esse você nem vai precisar se precupar. — E como faço para eles me contratarem? Deve ter várias pessoas querendo também. — Você que pensa. Ninguém quer ser babá da garota, como eu disse, a garota é uma peste. Mas não desanime. Você fica uns dois meses trabalhando lá, enquanto isso, coloca um currículo em outros lugares. — É o que eu vou fazer. — levantei a faca decida. — Eu vou falar com a Stefania. Ela quem está contratando. — pegou a bolsa e foi até a porta. — Te mando uma mensagem, dizendo se deu certo. — Mas não vai contar mentiras, hein. Porque eu não tenho jeito com criança, e não quero ninguém colocando expectativas. — Nem um padre não teria jeito com a menina, Cecí. — riu. — Fica tranquila, que eles não estão ligando se você tem jeito ou não. A Stefania falou que o Thomas já está ficando louco só porque ficou três dias sem babá. O desespero deles é maior do que um currículo de qualificação. — Você me fala essas coisas, e eu só me convenço que é uma péssima ideia. — Relaxa amiga. Lembre, é tudo pelo salário. Ela voltou pro trabalho e continuei com minha receita. Depois de umas duas horas, recebi sua mensagem de que eu começaria na segunda. Fiquei surpresa com a rapidez. — Eles estão precisando mesmo de uma babá! Resolvi seguir o conselho da Kate, e pesquisei por restaurantes que estavam contratando na região. Mas como da última vez, nenhum. Já estava ficando de noite quando a Kate apareceu na sala. — Por que tá chorando, Cecí? — ela se aproximou da mesinha e pegou a garrafa de uísque em cima. — Não acredito que você tava bebendo. Não tinha outra bebida melhor não? — Era o que tinha. — dei de ombros. — Tá chorando por homem? Pelo Renato? — Não, não. Eu estava assistindo Diários de um Vampiro. — funguei. — Ah, Kate! A Helena tem dois homens correndo atrás dela, e eu sou tão sozinha. Ela riu da minha cara. — Você está precisando muito frequentar umas festinhas, amiga. — se sentou do meu lado e deu gole no uísque. — É, eu tô precisando. — concordei pegando a garrafa e dando outro gole. — Não bebe tudo, Cecí. — tomou a garrafa da minha mão. — Você vai precisar dessa garrafa quando começar a trabalhar com a garota. — Para de brincadeira, Kate. Tô começando a me assustar. — ri do seu exagero. — Mas eu não tô brincando, amiga. — ela deu de ombros. — Por que eu sinto que vou gastar todo meu salário com calmante? — rimos juntas.
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