CECÍLIA
Depois de uns vinte minutos na estrada, já estávamos na entrada da fazenda dos meus pais.
— Cecília! — meu pai me abraçou apertado assim que nos encontramos.
— Como está papai? — perguntei depois que se afastou.
— Algumas dores na coluna, mas tá tudo certo. — se virou para Kate. — E você querida? Ainda trabalhando naquela cafeteria?
— Saí daquele emprego e agora tô trabalhando na mansão da Stefania Lucchesi. — o cumprimentou com um abraço.
— Ah, os Lucchesi! — repetiu como se conhecesse.
— Conhece a família Lucchesi? — a pergunta saiu da minha boca.
— Ouvi falar que são os maiores produtores de vinhos e tabaco.
Pelo jeito, só eu que não sabia com o que trabalhavam. Também não era uma informação importante que eu deveria saber.
— E como vai seu trabalho, Cecília?
Não queria tocar nesse assunto agora, mas respirei fundo.
— Ah... eu mudei de emprego. — revelei.
Ele me olhava com o cenho franzido e uma ruga no meio da testa.
— O quê? Por quê? Desde quando? — suas perguntas confirmaram a surpresa.
— Já faz uma semana, mas não precisa se preocupar, vou começar a trabalhar de babá na segunda. — tentei não fazer muito caso.
Ele me olhou confuso e depois olhou para Kate, que só deu de ombros.
— O que houve com a lanchonete, Cecília? Você não falou nada quando te ligamos ontem.
— Não foi nada. — foquei nas minhas mãos. — É só que... o salário não era muito bom, sem falar que estava trabalhando igual uma condenada. Então, resolvi tentar outro trabalho. — falei a verdade, mas omite o principal motivo.
Meu pai mataria o Marcelo, se soubesse que ele me fez aquelas propostas sujas. E com certeza eu só queria meu ex-chefe com passagem na polícia.
— Você não tem jeito com crianças. — ele afirmou.
Diferente das outras perguntas, essa não tinha a famosa intenção de brincadeira, o que estava me deixando ainda mais nervosa.
— Eu sei, mas consigo dar conta. Acredito que vai ser fácil.
— Olha, minha filha... — ele segurou meus ombros. — Você sabe que pode contar comigo, não é? Se tiver precisando de alguma coisa, dinheiro, é só me falar.
— Obrigada pai, mas não se preocupe. Estou bem. — forcei um sorriso para amenizar sua preocupação.
Ele balançou a cabeça, mas não consegui decifrar se estava concordando ou encerrado a conversa.
— Tudo bem. — suspirou. — Agora vamos pra cozinha, sua mãe vai me m***r se eu não aparecer com as duas em dois minutos.
Entramos na casa e o cheiro maravilhoso de comida estava invadindo todo o espaço.
— Onde esto… Ted? — Kate perguntou se referindo ao nosso cachorro. — É tão estranho ele não vir correndo e pulando em mim.
— Tivemos que deixá-lo trancado no quintal. Ele não se comporta muito bem quando tem muitas visitas. Ele quase atacou a Charlotte.
Kate riu alto.
— Os animais são mesmo criaturas divinas, tio. — debochou.
Quando chegamos na cozinha, consegui visualizar todos na mesa: Meus tios falando sobre plantações, as amigas da Joana comentando sobre marcas de roupas caras. Charlotte não estava com o Renato, mas pela cadeira vazia ao seu lado deduzi que era o lugar dele.
— Filha, como foi a viagem até aqui? — minha mãe me abraçou, chamando a atenção de todos.
— Cansativa. — expliquei sem graça por todos os olhares em mim.
Minha mãe cumprimentou a Kate e nos sentamos no final da mesa.
Eu não estava afim de cumprimentar todo mundo.
— Estava muito ocupada que não veio ontem, Cecília? — minha tia Carmela perguntou, como quem não queria nada.
— Ela deve ter ficado ocupada demais na lanchonete que trabalha, mãe. — Charlotte tomou a frente e respondeu debochada.
Essa era mais uma de suas tentativas discretas de tentar me diminuir na frente de todos. Um comportamento típico de menina mimada que os pais sustentam e que possivelmente o marido sustentaria também.
— Na verdade eu estava mesmo muito ocupada. — peguei o guardanapo e dobrei sobre o meu colo. — Só quem trabalha entende que nem sempre achamos tempo para sair.
Olhei diretamente para Charlotte. Ela parecia que iria falar alguma coisa, mas desistiu quando o Renato puxou a cadeira e se sentou do seu lado.
Me recusei a olhá- los juntos. Era demais para mim.
Depois do almoço, fomos pro jardim onde seria o casamento. O ensaio foi mais demorado do que pensei que seria.
— Você tem tanta sorte que sua irmã não te chamou pra ser madrinha. — Kate comentou. — Elas já repetiram essa entrada quantas vezes?
— Mais do que eu pude contar. — suspirei.
Estávamos sentadas na última fila das cadeiras dos convidados, observando a Joana dando ordens e surtando ao mesmo tempo.
— Eu não sei você, mas eu vou aproveitar o resto da tarde no quarto tirando um cochilo. — ela se levantou e foi na direção da casa.
Fiquei distraída com meu celular que quando olhei para frente vi que todos já estavam voltando para casa.
Me levantei e quando olhei para frente o Renato estava se aproximando em minha direção.
Merda!
Tentei apressar meus passos, mas sua mão em meu braço me parou.
— Me solta. — olhei em seus olhos sem excitar a voz.
— Só quero ter uma conversa rápida com você.
— Mas eu não quero escutar nada que venha da sua boca. — tentei puxar meu braço, sem sucesso. — Me solta se não quiser que sua futura noiva tenha uma crise de ciúmes ao se deparar com essa cena.
— m***a! Quem te contou? — ele balançou a cabeça contrariado. — Deixa pra lá! Você só precisa saber que eu só vou pedir a Charlotte em casamento por conta dos pais dela.
— Isso não faz diferença para mim.
— Cecília, eu não amo ela, eu...
— Pode parar por aí. — interrompi. — O que acha que vou fazer com essas informações? Eu não ligo se você tá sendo forçado, como você mesmo disse, a se casar com ela. Você me traiu quando a gente estava juntos, e isso já é suficiente para não querer te ver na minha frente.
— Eu me arrependo de tudo que fiz, se é isso que você quer ouvir.
— Que bom para você, mas isso não muda nada. — puxei meu braço e apressei os passos.
Pensei que a gente estava sozinho, até ver a Joana em um canto, me olhando f**o.
— Você não tem vergonha não? — ela parou na minha frente. — O Renato está comprometido com a Charlotte.
— Eu sei e não é como se eu estivesse correndo atrás dele. — me exaltei com suas acusações.
— Então pare de conversinha com o Renato. — apontou o dedo na minha direção. — Não invente de fazer um showzinho na véspera do meu casamento.
— Eu não estou tentando estragar o seu dia, só que também não tenho culpa dos dois estarem na casa dos meus pais, quando ele me traiu com ela a pouco tempo.
— Então faça o possível pra ficar quieta no seu lugar. Não quero seu drama b***a ofuscando o dia mais importante da minha vida.
Poupei mais discussão e fui para dentro de casa. Não ia adiantar provar meu lado para Joana, quando ela me odiava desde de que éramos crianças e era melhor amiga da Charlotte.
Subi as escadas e quando ia passando pelo quarto de hóspedes, ouvi os pais da Charlotte tendo uma discussão com a mesma.
— Você não vai revelar nada enquanto vocês não estiverem casados na igreja. Isso seria um escândalo para uma família tão respeitada igual a nossa. — tia Carmela parecia nervosa.
— Eu sei, mãe, mas as pessoas já estão notando as mudanças no meu corpo. E não seria um escândalo já que todos sabem que estamos juntos.
Me encostei na parede para ouvir melhor.
— Certo! Ele te pedirá em noivado hoje a noite e só depois você pode dar a notícia da gravidez. — meu tio se pronunciou.
Paralisei com a revelação, mas segui para meu quarto quando escutei passos vindo da escada.
[...]
Já estávamos à mesa, jantando. Todos, menos o Renato e o pai da Charlotte. Eles saíram no meio da refeição e foram pro andar de cima. Aposto que estão discutindo o jeito que ele pediria ela em casamento, ou será de como vão falar sobre a gravidez? Não sei. Ainda era muita informação para processar.
Estava me sentindo na d***a de um filme clichê, onde eu sabia de tudo que ia acontecer.
— Não bebe muito, Ceci. — Kate pegou a taça da minha mão.
Ela tinha razão.
Peguei um pouco da sobremesa em minha frente, mas quando ia dar a primeira colherada o Renato chamou atenção de todos.
— Aproveitando esse momento de felicidade em família, que…
Ele pegou a mão da Charlotte e os dois ficaram de pé.
— Queremos anunciar que estamos noivos. — os dois falaram em uníssono.
Queria dizer que foi muito brega, sem parecer que estava sentindo inveja. Mas eu estava longe de querer estar no lugar dela, não quando eu conhecia o tipo de homem que ele era.
— E também estamos esperando um fruto do nosso amor. — Charlotte alisou a barriga.
Seu vestido solto não revelava muito e ela também era magra para ficar tão evidente assim.
— Estou tão feliz amiga. — Joana foi a primeira a abraçá-la.
Se eu não soubesse que uma era confidente da outra, diria que ela não sabia que eles dois estavam juntos e que ela estava grávida.
— Vocês fazem um casal lindo. — um dos meus tios comentou.
— Nasceram um para o outro. — tia Carmela não escondeu sua empolgação.
— E de quantos meses está, querida? — minha mãe abraçou ela.
Fiquei curiosa com a pergunta.
— Bem, eu...
— Ela está no terceiro mês. — tia Carmela se apressou a responder.
— Fico feliz pelos dois e pelo bebê. — Minha mãe foi simpática.
— Daqui a alguns anos vocês também serão avós. — Tio Arnold riu.
— Daqui a alguns meses. — Francis corrigiu. — Queremos uma cinco crianças correndo pela casa.
Todos riram.
— Vamos comemorar com um brinde do meu vinho caro que trouxe de Vega. — tio Arnold pegou a garrafa.
Tentei sair de fininho e a Kate me acompanhou até a varanda.
— Como está se sentindo? — ela se sentou do meu lado na pequena escada.
— Surpresa com tudo. — comi uma colherada da sobremesa que eu nem havia tocado ainda.
— Você tinha me contado tudo antes, mas não consegui deixar de ficar abismada com a cara de p*u dos dois.
Sim, eles haviam montado um grande circo dentro da minha casa, da casa dos meus pais.
— Pelo que eu ouvi, tia Carmela quer manter toda a reputação da família intacta com esse casamento.
— Você acha que ela sabe que a filhinha dela foi uma amante?
— Se sabe vai trancar tudo em sete chaves e fingir que ela é uma jovem da igreja, que respeita todas as regras deles.
Kate riu.
— Acho melhor a gente ir dormir. Amanhã logo cedo a casa vai estar barulhenta e com muita correria. — me levantei.
— Vai na frente. Eu vou passar na cozinha para pegar mais um bocado desses docinhos que sua mãe fez. — saiu saltitando.
Passei pela sala e todos ainda estavam comemorando na cozinha.
— Não vai ficar com a gente? — meu pai surgiu atrás de mim.
— Vou tirar um cochilo. Amanhã será um dia muito cansativo. — forcei uma risada.
— Está tudo bem com você? — analisou minha face.
— Claro que está.
Ele ficou em silêncio por um momento. Parecia que estava pensativa com o que ia dizer.
— Olha, não quero que você se deprima por conta de tudo que está acontecendo. Vocês não deram certo, mas aconteceu.
Estava tão na cara?
— Pai eu...
— Foi melhor assim, minha filha. — ele colocou as mãos no bolso da calça. — A rotina de vocês não batia, vocês dois tinham objetivos diferentes e planos diferentes. Não foi para acontecer.
Com certeza não era para acontecer.
— Você era muito nova para ele. Tem um mundo pela frente. E sei que você não iria querer casar e ter filhos como ele quis agora.
Meu pai era tão inocente nessa história.
— Obrigada pelas palavras, pai. — lancei um sorriso e subi para o quarto.
Peguei meu celular na cama, e vi uma chamada perdida de um número desconhecido.
Muito estranho. Mas deve ter sido um engano ou algo do tipo.
Escovei meus dentes e caí cansada na cama.