Zara
Eu quase caí da cama quando o despertador soou.
O dia não seria divertido, muito menos bem humorado. O trabalho me chama e compete com minha cama, dinheiro e soneca são coisas que tentam a todo tempo. De qualquer forma, a primeira opção é a melhor.
Enquanto ia para a cozinha, Thiana miou atrás de mim e correu na frente, esperando eu encher seu pote com ração.
— Bom dia, pequena feiosa.
Ela era realmente f**a, sua raça era aquela Sphynx, que não possui pelos. Meu pai teve a brilhante ideia de dar um gato desse para minha mãe, já que a mesma é alérgica a gatos. Só que, ao contrário do que ele pensava, mamãe não tinha alergia aos pelos, e sim a proteína da saliva que vai para todo o corpo quando realizam a higiene. Tenho que tomar conta dela até achar um lar bom, entretanto, não é todo dia que alguém quer um gatinho pelado com o contraste de rosa e preto, como se fosse um siamês.
Thiana se esfregou em minha perna, indo até seu pote e comendo o que eu havia despejado. Comecei a preparar o café, pegando o celular e conferindo o horário, não estava muito atrasada, tinha tempo.
No mesmo momento em que o café era feito na cafeteira, subi para tomar um banho e me arrumar. Pensei em vários momentos aleatórios, dias de trabalho cansativos e um chefe mais i*****l do que se é possível imaginar. Assim que saí do banho e terminei de me vestir, olhei o relógio.
— m***a!
Corri até a cozinha, colocando rapidamente um pouco de café na xícara, apressada para não me atrasar logo em dia de reunião. Tentei beber um gole de café e calçar o salto em um pé ao mesmo tempo, e sim, eu quase me queimei. Bebi rapidamente e consegui me manter viva.
— Vigie a casa para a mamãe, está bem? Eu volto assim que meu horário acabar. Torça também para que eu consiga um emprego rápido depois desse.
Fiz um carinho na cabeça de Thiana e puxei minha bolsa, pedindo um táxi. Não chegaria tão atrasada, porém, atrasos não fazem parte da minha vida. Mesmo que eu esteja dando adeus a essa empresa, ainda acho estranho alguma demora a mais.
Talvez fosse mais fácil ter ido em uma cafeteria…
¨
— Sabe do que você precisa? — Megan mordeu seu sanduíche logo após lançar sua pergunta, entretanto, não me deu tempo para que respondesse. — Isso mesmo, de férias!
— Achei que diria namorado. — mexi o líquido do copo em círculos. — Obrigada por não ter dado essa ideia.
— Quem é que precisa de homem quando se é você? Zara, temos que pensar que são eles que precisam da gente, assim como eles pensam que somos nós que precisamos deles.
Soltei um muxoxo, mas sorri com o que ela disse. Sem dúvidas, férias nesse momento seria ótimo.
— Eu preciso de outro emprego, Megan. Apesar de que férias seria bem bacana.
— Nossa, quando você arranjar um emprego melhor do que esse, com um chefe melhor do que o nosso, vamos ter que comemorar!
Com um sorriso brincando nos lábios, me inclinei para frente e sussurrei:
— Como qualquer um é melhor que o nosso chefe, pode ter certeza, querida Megan, nós iremos comemorar!
Ela riu divertida, concordando com o fato. Passamos o resto do almoço conversando e procurando empresas, tentando achar algo melhor ou pelo menos na mesma proporção.
Durante o tempo que passamos juntas, consegui alguns lugares para tentar, só teria que enviar currículos e torcer para me encaixar no que esperam.
¨
No fim da tarde, enquanto finalmente voltava para minha casa, passei em uma lanchonete para um café, já que ainda me encontrava decepcionada com o início e meio do dia. Qual é, hoje a minha sorte decidiu ficar debaixo da cama.
Esperei pacientemente o meu sanduíche ficar pronto, vendo toda a movimentação de uma sexta a noite. Se eu conseguisse um táxi para casa seria minha maior conquista no dia. Pagando pela comida e pelo café expresso, saí para tentar chegar em casa o mais rápido possível.
Apesar de eu achar que teria que pegar metrô, não ocorreu, consegui um táxi até que rapidamente.
O caminho todo eu tentei relaxar e pensar em algo melhor do que somente pregar a b***a na cama e assistir séries tomando sorvete. Se bem que essa ideia era ótima e combinava muito com uma sexta à noite, mas sair para pensar enquanto bebe algo qualquer, é semelhantemente bom. Acho que a Thiana já estava sentindo saudades de ficar em casa sem mim. Há, pobre feiosa!
Quando cheguei em casa, tirei os sapatos e fui recebida com um miado e os olhos de minha gatinha brilhando no escuro. Acendi a luz e suspirei aliviada por estar em meu conforto.
— Voltei, Thiana, não te abandonei. — sorri para ela, acariciando sua cabeça sem pelos. — Por mais que eu ache que gatos não liguem muito se o humano vai voltar ou não… mas vai que você é diferente, né?
Segui para dentro, conversando com ela como se fossemos grandes amigas, como se ela realmente me entendesse.
— Olha, hoje eu não vou passar a noite ao seu lado, mas prometo que amanhã vamos ficar juntas!
Thiana piscou seus olhos azuis para mim, virando a cabeça para o lado e miando baixinho. Para quem seria somente uma gatinha temporária, está tomando um bom espaço dentro de mim, e em minha casa também.
— Não vou dormir fora, volto antes da meia noite.
Coloquei mais um bocado de ração para ela, fazendo um último carinho e indo para o último banho do dia.
••
Estava tomando um drink qualquer, não sabia nem do que era aquilo, eu só pedi o que mais pediam e o barman me serviu isso. Não é nada r**m, muito pelo contrário, é ótimo! Tudo parecia mil maravilhas, era realmente incrível estar sozinha e aproveitando da própria companhia, até me aparecer o motivo de pensar que ficar com a Thiana fosse o mais indicado.
— Ei, você é a Zara, né? — Uma voz masculina super animada chamou minha atenção.
— Hm, sim, sou eu… — não fazia a menor ideia de quem era o sujeito, porém, foi só forçar um pouco a mente que me lembrei: Josh, o branquelo da faculdade.
Ai, m***a!
— Nossa, que demais te reencontrar! — Uau, era realmente incrível encontrar alguém que eu não lembrava da existência.
— Ah, sim, demais! — tentei sorrir e parecer mais gentil.
Sério? Justo no dia que eu queria ficar na minha sem ninguém por perto?
— Como já estamos aqui, podemos fazer companhia um ao outro, o que me diz?
Não! Dê o fora daqui agora!
Eu queria chorar e pedir o colo da minha mãe. d***a, d***a, d***a!
— Hm… — resmunguei, apavorada em agora ter companhia de um cara visivelmente chato.
Ele se sentou, começando a puxar assuntos aleatórios, até que chegou em um muito interessante: sua irmã e sua mãe.
Eu só queria minha cama e minha gatinha.
••
Enquanto minha cabeça latejava ao lembrar do magnífico patrão que eu não possuo, o cara tagarela em minha frente continuava a falar. Ah, como ele é chato! Não tinha intenção alguma de encontrar com um antigo colega da faculdade, sério, eu só queria tirar da cabeça - ou pelo menos tentar - a péssima última semana no trabalho. Porém, eu não tive sorte alguma, e com isso, eu obviamente não atingi meu objetivo esta noite.
— Vou ao banheiro — anunciei, já me colocando de pé e seguindo para longe dele.
No corredor do toalete, peguei o celular e disquei uma mensagem rápida para minha amiga.
Zara:
Spencer, preciso de você e é agora! Pelo amor de Deus, me liga e diz que, sei lá, quebrou o dedinho e não consegue pisar o pé no chão para ir ao hospital.
Esperei alguns minutos e a mensagem sequer chegou. A única saída foi usar o método mais antigo de todos: ligação.
Chamou uma, duas, três… cinco vezes e nada dela me atender. Deixei uma mensagem mesmo assim.
— Spencer, só me liga e finge alguma emergência, preciso sair desse encontro indesejado o mais rápido possível. Por favor, me ajuda.
Suspirei pesadamente e me encostei na parede, querendo a ligação de Spencer e torcendo para que quando voltasse a minha mesa, aquele cara não estivesse mais lá.
—d***a, Zara! Por que nem mesmo um dia afogando as mágoas dá certo para você?
Resmunguei, inconformada com o que estava acontecendo justo no dia que já havia tudo dado errado. Acho que nunca será suficiente apenas um desastre, tem que ocorrer vários.
— Sério que está cogitando fugir assim? — uma voz soou forte, quando olhei, vi um homem com o ombro encostado na parede um pouco mais a frente do que eu.
Satanás, é você?
— Hm, desculpe, eu te conheço? — tentei soar o mais educada possível.
O homem ergueu o rosto e abaixou novamente, encarando o celular.
— Acho que não, deveríamos nos conhecer? — revirei os olhos e dei de sair, mas ele voltou a falar. — Se é um encontro indesejado, por que dá atenção ao que ele irá pensar se pode simplesmente pagar sua conta e deixá-lo para trás?
Era uma ótima pergunta.
— Não sei.
Ele continuou mexendo no celular e falando comigo.
— Talvez você tenha sido esnobe e tenha o deixado nervoso.
Ah, fala sério! A última coisa que eu precisava nesse momento era um alguém que eu sequer havia visto o rosto me chamando de esnobe.
— Esnobe? Sério? Quem é que estava escutando minha conversa e ainda por cima dando conselhos do que eu deveria fazer? Nem fizemos um mísero contato visual, você só soube olhar para a tela do celular e se meter.
O i****a se virou para mim e andou em minha direção. Com a pouca claridade de luz, pude vê-lo, e não, não era o que esperava. Com aquela voz rouca e ignorância toda, imaginava um homem velho com um terno h******l, típico de senhores que se acham os perfeitos, mas o cara era jovem. Jovem e lindo. O terno estava sendo segurado por seu antebraço direito, a camisa social lhe caia perfeitamente bem; os cabelos loiros estavam bagunçados com um ar de quem não dá a mínima e os olhos tão azuis que pareciam o céu.
— Quer que eu coloque as mãos na cabeça para que possa me revistar? — ele era lindo, mas, definitivamente, um i****a. Revirei os olhos, ele sorriu pequeno. — Curta seu encontro, linda.
Depois que o i****a saiu, eu também saí. Passei por ele e o vi dar um sorriso. Me sentei novamente, e para meu enorme azar, o cara ainda estava lá.
Enquanto ele ainda tagarelava sobre o silicone m*l feito da irmã, meus olhos voltaram para o loiro que bebericava alguma coisa que não soube decifrar. Quando me viu o encarando, ergueu sua bebida em minha direção e sorriu de canto, revirei os olhos e dei um último gole em meu drinque. Pensei em Spencer me ligando e me tirando de lá, mas nada dela aparecer.
Foi então, que quando menos esperei, o mesmo loiro do banheiro vinha em minha direção.
Era o que me faltava. O que ele faria? Entregaria o que ouviu no corredor para aquele ser chato e s*******o?
— Zara? — ai, meu Deus. — Puxa, quanto tempo! — eu estava sem qualquer tipo de reação. — Sou eu, Sebastian!
Então esse era o seu nome?
Antes que eu respondesse qualquer coisa, Sebastian me puxou para um abraço de urso. O abracei de volta, ainda digerindo tudo aquilo, então ele sussurrou:
— Entre na onda, linda. Vamos deixar sua noite divertida.
Olhando o tagarela a nossa frente, Sebastian estendeu a mão e se apresentou:
— Sebastian McCarthy, antigo amigo de Zara. — estendeu sua mão.
— Josh Wood, antigo amigo de Zara também. — apertou a mão do loiro bonitão.
Meu antigo amigo? Nós nem nos falávamos!
— Não se importa se eu me sentar com vocês, né? É que faz tempo que não vejo a Zara. — sorriu para mim. — De onde a conhece? Não me lembro de você na época do colégio.
Nossa, ele mentia tão bem que me assustava.
— Não, tudo bem. — ele dizia isso, mas parecia decepcionado. — Nós nos conhecemos da faculdade, nos formamos juntos e tudo mais.
— Entendo. Bons amigos, então? — me olhou, como se esperasse que eu dissesse algo, parecia gostar de me pressionar.
— Oh, grandes amigos! — Josh exclamou.
Sebastian continuou me olhando, então, olhando em seus lindos olhos azuis, eu proferi com certo sarcasmo:
— Excelentes grandes amigos, eu diria!
Aquilo pareceu bastar para o loiro, que sorriu ladino e olhou para meu excelente grande amigo da faculdade.
— E você, conhece Zara do colégio, certo?
— Hm, sim, temos um início de amizade muito marcante, não é, Zara?
Ele só podia estar tirando onda com a minha cara.
— Claro — mas eu entrei na dele, óbvio. — Altos acontecimentos.
Bebi mais um pouco do licor que havia em meu copo, o esperando e deixando, continuar.
— Sim! Zara foi minha primeira namorada quando cheguei no colégio — quase cuspi o que havia em minha boca com o que escutei, porém, me contive e permaneci sem dizer nada. — Ela era linda, mas agora… agora ela tem alguns atributos ao seu favor.
Se ele achava que queria dizer que eu era f**a na época do colégio, não deixaria que ficasse por cima.
— Você está usando lentes de contato, Seb? — Me encarando, bebeu um pouco de seu drinque. — Lembro bem de seus óculos enormes e desproporcionais ao seu rosto.
Sebastian me olhava como se tudo fosse exatamente o que ele queria me ouvir dizer, e eu concluí mentalmente que esse homem era louco.
Lindo? Demais! Louco? Na mesma proporção.
— Sim, depois que entrei na faculdade, percebi que ninguém iria me querer porque nenhuma era tão louca como você.
Mordi o lábio inferior e contive uma risada, apenas parei de o encarar e voltei a minha posição inicial.
— Enfim, foi um ótimo momento das nossas vidas. Fizemos tudo juntos e a experiência foi incrível, sensação única, eu diria.
— Eu diria o mesmo.
Josh olhava para nós dois com certa estranheza. Tá, talvez seja extremamente estranho, mas ainda assim, era engraçado.
— Eu costumava chamá-la de Florzinha.
Eu e o falador olhamos juntos para Sebastian. Como ele conseguiu inventar mais coisas em menos de um minuto?
— Florzinha? — Josh perguntou, meio sem entender.
— Sim, é pelo significado do nome dela, flor e tudo mais. Decidi dar um apelido que talvez outro cara não pensasse em usar.
Ok, eu estava bem impressionada, como ele sabia até o significado do meu nome?
— É realmente um ótimo apelido, até combina com você, sabia?
Dei um sorrisinho, somente para não parecer chata e antipática, porque a única coisa que eu queria no momento era deixá-lo de lado e terminar a conversa com o loiro bonitão.
¨
Minha barriga doía com as histórias contadas por Sebastian. Eram cada uma mais louca e absurda que a outra. Josh por sua vez, parecia desconfortável e sem saber o que dizer, acho que não era assim que ele imaginava acabar nossa noite. Bom, não sei como ele imaginava, mas eu prefiro bem mais do jeito que estamos.
— Não querendo parecer um chato, mas… vou indo nessa. — Quando Josh soltou as palavras, eu quis muito sorrir. — Foi um prazer te rever, Zara. Espero que possamos repetir isso.
— Ah, claro… foi ótimo te rever também, Josh.
Me levantei rapidamente e o abracei, não durou muito, já que logo dei um passo atrás e voltei a sentar. Josh apertou a mão de Sebastian e fez um sinal de tchau.
Quando o vi longe da mesa, soltei um longo suspiro e ri baixinho.
— Qual a graça, hein?
— Você me salvou. Jurava que isso só aconteceria se eu fosse para um mundo diferente, onde existe o super-homem.
— Boa colocação, Florzinha, mas eu somente achei que deixar uma garota na mão com alguém feito ele falando horrores, não seria um ato muito heróico. — lançou um sorriso singelo.
— Não seria nada heróico! — ri pouco. — Obrigada mesmo, foi muito melhor com sua companhia.
Seus lábios se curvaram em um sorriso bonito, me fazendo sorrir também.
— Ele era pior do que eu pensava. Como alguém quer ter chances com uma mulher desse jeito?
Suspirei, também tentando entender.
— O engraçado foi ele dizer que éramos grandes amigos. Nós nem nos falávamos!
— Será que ele já namorou? Porque com esse humor e flerte, não arranja nem uma velha com hipertensão.
Dei risada, não dava mesmo para imaginá-lo com alguma mulher séria e bem resolvida.
— Bom, acho que vou para casa, já deu minha hora.
— Eu também já vou, agora que me livrei, é melhor não tentar a sorte.
Enquanto ele se levantava, pude guardar mais alguns detalhes de seu belo rosto. Provavelmente não o veria nunca mais, ou, pelo menos, não tão rápido.
— Meu fim de noite foi ótimo, obrigado por sua ilustre companhia.
— Eu quem te agradeço.
Quando me levantei, ele me puxou para um abraço, me fazendo sorrir.
— Se cuida, Florzinha. — proferiu baixinho. — Tem como chegar em casa?
Eu iria pedir um táxi, mas não diria isso a ele para não o incomodar e me levar até em casa, Sebastian já me ajudou demais.
— Tenho sim, não se preocupe.
— Certo, então eu vou indo, querida namorada do colégio.
— Dirija com cuidado, querido namorado do colégio.
Sorrindo, ele piscou e pegou a chave do carro no ar.
— Pode deixar!
Assim que o vi afastado o suficiente, puxei o celular e pedi um táxi. Não demoraria muito, por isso, paguei minha conta e andei vagarosamente até a saída.
Do lado de fora, suspirei pesadamente e relaxei totalmente minha postura. No fim das contas, foi um ótimo fim de noite.