[NARRADO POR MURILO FERREIRA] A noite tava fria, mas meu peito, quente de memória e saudade. Desci da laje devagar, respirando fundo a quebrada, como quem volta pra casa com mais peso na alma do que no corpo. Entrei. A cozinha tinha aquele cheiro bom de comida antiga, panela no fogão e café velho na garrafa. Dona Jussara tava ali, sentada com o rádio ligado baixinho, mexendo numa vasilha como se o tempo nunca tivesse passado. — "Ele já tá dormindo," — ela disse, sem me olhar. — "Capotou." Assenti, tirando o boné. — "Vou lá dar um beijo nele… e dormir com ele também. Prometi que ia morar aqui." Ela parou o movimento da colher, olhou pra mim com aquele olhar que só mãe tem. — "Filho, aqui só tem três quartos. Um é do Júlio, o outro é o seu antigo, onde o Murilinho tá dormindo. E tem

