Narrado por Murilo Ferreira A boca seguia rodando. Mesmo ritmo. Mesmo corre. Mas eu, por dentro, era outra coisa. Encostado na mureta da entrada, fuzil na perna, dedo batucando no ferro como quem marcava tempo com os mortos. — “Vou dar um pulo em casa…” — murmurei, sem levantar a voz. Pulga, que ajeitava o rádio na frequência do Neguim, virou o rosto com a cara torta: — “Faz dias que tu quase não aparece por lá, né não?” Eu travei. Um segundo. Só um. Olhei pro chão. Depois pro céu. Depois pra parte nenhuma. — “Tudo lá me lembra ele,” — respondi seco, mas a voz veio falha. — “O cheiro do café, a cadeira que range, o chinelo virado na porta... até o latido do cachorro parece carregar a ausência.” Neguim ficou quieto. Faísca passou o pano no cano da arma, mas não olhava ninguém nos

