Jully
– Filme e pipoca? – Sorrio sabendo que seus olhos verdes de “cachorrinho pidão” têm um jeito de sempre me fazer ceder as suas vontades.
– Meu pai, um dia desses, ainda vai tentar matar você na pista de corrida, sabia? – Ele já está irritado por eu ter dormido fora de casa ontem, se eu for assistir filme provavelmente irei dormir no apartamento dele novamente.
– Bem, Jully, se ele tentar me matar na pista de corrida, pelo menos teremos uma história emocionante para contar aos nossos filhos – reviro os olhos, mas não consigo evitar o pequeno sorriso que se forma nos cantos de minha boca.
– Nossos filhos? – Solto uma gargalhada estridente. – Nos seus sonhos, deus grego. – Continuo a rir. –Você sempre tem uma maneira de fazer as coisas parecerem mais divertidas do que realmente são.
– É um dom que tenho – diz com um encolher de ombros brincalhão. – Tudo bem, nada de filho, mas e sobre o filme e a pipoca? – Ele pergunta novamente, mantendo o sorriso charmoso.
Eu pondero por um momento, olhando para ele de forma pensativa. A ideia de assistir a um filme com pipoca parece realmente tentadora, especialmente considerando que ele sempre sabe escolher filmes divertidos.
– Bem, se você prometer que não vou acordar com você me chamando para ir treinar, acho que podemos arriscar – respondo com uma risada, rendendo-me à sua capacidade de sempre me convencer.
Ele dá um leve suspiro de alívio e sorri amplamente.
– Você não vai se arrepender, prometo – ele diz com um brilho travesso nos olhos e me dá um beijo na bochecha.
O tempo passa rápido enquanto conversamos sobre tudo e nada, deixando de lado quaisquer preocupações e tensões que possam existir ao nosso redor. Ares, embora tenha o nome do deus da guerra na mitologia, para mim é meu ponto de paz.
Lembro-me como se fosse ontem o dia que o conheci, já se passaram mais de cinco anos, mas a lembrança permanece tão vívida quanto no momento em que ocorreu.
Estava indo ao encontro dos meus irmãos na pista de corrida, como era meu costume, quando me deparei com uma cena que me chamou a atenção. Dois carros estavam encurralando um terceiro. A curiosidade e a preocupação instantaneamente me envolveram, aquele terceiro carro era conhecido. Era o mesmo veículo que todos envolvidos em corridas queríamos saber a quem pertencia, o misterioso competidor que sempre saia vitorioso, mas permanecia com sua identidade desconhecida.
A tensão cresceu ainda mais quando vi os dois carros tentando tirar o piloto da pista. Eles pareciam determinados a eliminá-lo. O cenário mudou drasticamente quando os carros colidiram e o veículo do piloto capotou, me lembrou muito uma cena de filme. Os corredores que o encurralaram se afastaram, desaparecendo com a mesma rapidez que chegaram, assim que o estrago foi feito.
Enquanto o cheiro de pneus queimados ainda pairava no ar, eu permaneci no meu carro, oculta nas sombras, observando a cena que se desenrolava. Tudo aconteceu tão rápido e com tanta intensidade que m*l tive tempo para reagir. Assim que os agressores partiram, movi meu carro em direção ao local do acidente.
Quando finalmente cheguei perto do local onde o carro tinha capotado, avistei-o. Ele estava lá, ligeiramente afastado do destroço. Meu coração bateu mais rápido ao me aproximar dele, estava muito machucado, e uma parte metálica atravessou a lateral do seu corpo, parecia estar apenas na cintura, não tão próxima dos órgãos, mesmo assim era feio de ver.
– Não vou dizer que é a melhor maneira de conhecer uma mulher tão linda, mas oi, me chamo Ares – sua voz era fraca, mas ainda assim ele tinha energia para tentar fazer uma piada, mesmo naquela situação.
– É um prazer, Ares, mas que tal deixar as gracinhas de lado e sairmos daqui? Já imaginou se aqueles idiotas decidem voltar para verificar se conseguiram o que queriam? Não estou disposta a morrer por um desconhecido – retruquei, deixando clara minha preocupação com a nossa segurança imediata.
Um sorriso curvou os lábios dele, e havia algo nos seus olhos que indicava que aquele encontro não seria o último capítulo em nossa história.
– Seria uma grande perda para a humanidade se você morresse – disse ele com um olhar intenso, fazendo-me corar apesar da situação tensa.
– Então, ao invés de trocar elogios, que tal se apoiar em mim? Vou te levar para o hospital – sugeri, meu foco completamente voltado para ajudá-lo.
Com cuidado e gentileza, ajudei Ares a se levantar e se apoiar em mim. Ele estava visivelmente debilitado, mas sua determinação era admirável. Juntos, começamos a caminhar lentamente em direção ao meu carro estacionado a poucos metros de distância.
A cada passo, sentia sua respiração ofegante e seu esforço para manter a compostura. Não havia espaço para gracinhas ou joguinhos. A realidade crua da situação era urgente. Ele me indicou para qual hospital eu deveria ir. Durante a viagem, o silêncio pairava entre nós, interrompido ocasionalmente por gemidos de dor de Ares.
– Agora entendo por que não deixa que ninguém te veja, Ares Bacelar. – Já vi o rosto dele estampado em muitas matérias.
– Por favor. – Disse com dificuldade. – Posso pagar qualquer valor pelo seu silencio, conversamos assim que eu for atendido e...
– Não me ofenda, Sr. Bacelar, não quero seu dinheiro! – Revirei os olhos. – Só quero que fique bem, seu segredo está seguro comigo.
Fiquei com o bundão que não gosta de hospital por horas. Síndrome do jaleco branco... eu nem sabia que aquilo existia, é claro que existe, mas ele estava mentindo quando disse que tinha, Ares só não gosta de hospital.
– No que está pensando tão concentrada? – A voz dele interrompeu meus pensamentos enquanto já estávamos a caminho do apartamento.
– No dia em que nos conhecemos e no quanto você é medroso – respondi, rindo suavemente ao relembrar aquele momento.
– Não sou medroso, Jully, só não gosto, é diferente! – Ele protestou, mas sua defesa estava longe de ser convincente.
– Ah, claro. E é por isso que sempre que você vai ao médico, eu preciso ir com você e segurar sua mão, porque você não gosta... entendi – zombei, percebendo que minhas palavras o deixaram levemente constrangido. – Qual é, bebezão? Vai ficar vermelhinho... já passamos dessa fase – continuei provocando, o que só o deixava mais avermelhado.
– Odeio que me conheça assim tão bem, mas amo na mesma medida, vai entender – ele deu de ombros, aceitando sua derrota na brincadeira.
Entre os três irmãos, Ares sempre foi visto como o mais sombrio, o mais reservado, mas comigo era diferente. Comigo, ele se mostrava de um jeito que ninguém mais conhecia, uma versão mais descontraída, extrovertida. Era uma faceta que eu adorava, que me atraía de maneira irresistível e ao mesmo tempo me fazia querer manter uma distância segura.
– Você é um caso perdido, Ares Bacelar – sorri, olhando para ele.