Capítulo 2

2534 Words
Ponto de Vista de Lorena Cheguei na frente da sua casa e fiquei uns 10 minutos dentro do carro criando coragem. Pensei em mandar uma mensagem para dizer que ontem estávamos bêbadas e tudo que combinamos podia ser esquecido. Mas aí bateu uma vontade imensa de estar com ela e decidi ter essa conversa no final do dia, depois que eu conseguisse trocar mais de duas palavras com ela sem gaguejar e bater o meu recorde. Sai do carro antes que me faltasse coragem e toquei a campainha. Ela atendeu pouco tempo depois e foi impossível pronunciar alguma coisa diante dela. O seu corpo lindo e cheio de curvas estava destacado com o vestido que ela escolheu. Nos seus lábios, um batom rosa claro destacava a sua boca carnuda, uma maquiagem básica enfeitava o seu rosto, fazendo-me ficar mais ainda encantada com ela. Eu devo ter ficado de boca aberta, porque ela tossiu disfarçadamente e riu baixinho para me tirar do transe, deixando-me envergonhada. -O...oi, Camz. -Olá! - Disse ainda rindo de mim. - Vamos ou você quer fazer algo comigo aqui em casa? Não sei, talvez comer algo. – Disse mordendo o lábio inferior e me encarando com atenção. -N...não, vamos sim. – Respondi a ouvindo rir novamente de mim. Eu estava me sentindo uma completa i****a que não conseguia pronunciar nenhuma frase sem gaguejar. Abri o carro para ela entrar e caminhei para o outro lado, tentando controlar a ansiedade de tê-la pela primeira a sós comigo. -Vamos a qual restaurante? - Ela perguntou assim que dei partida no carro. -Na verdade, eu preparei algo para comermos em casa. Eu só preciso colocar no forno quando chegarmos. Vo...você ia preferir que fôssemos a um restaurante? -Você cozinha? - Ela perguntou espantada, ignorando a minha pergunta. -Eu adoro cozinhar, não sei se bem. - Disse um pouco envergonhada e agradeci o meu cérebro por me permitir falar sem gaguejar. - Mas eu me arrisco bastante na cozinha, eu me sinto bem e amo deixar que minha criatividade aflore. E você? -Sou mais daquelas que pedem a comida em casa ou vão a um restaurante. -Vo...você prefere que a gente vá a um restaurante? - Falei hesitante, repetindo a minha pergunta constrangida. Eu não havia pensado nisso, talvez ela gostasse mais se saíssemos. O problema era ela escolher algo mais requintado e, consequentemente, caro e eu ter que me controlar até o final do mês para não gastar nada além do previsto. -Não, eu quero provar a sua comida. - Disse sorrindo com a língua entre os dentes e eu fiquei aliviada. Sorri discretamente, tentando disfarçar o meu encantamento pelo seu ato e seguimos em silêncio o restante do caminho até o meu apartamento. Eu morava só desde que comecei a trabalhar há um ano atrás. Alugava um espaço modesto para uma só pessoa, já que minha condição financeira não era das melhores. Eu trabalhava duro num estúdio de fotografia que eu e Normani compramos e, por mais que não ganhássemos tão bem, eu fazia aquilo que amava. -Seja bem-vinda. - Disse abrindo a porta e dando espaço para ela passar. - Pode ficar à vontade, eu vou só colocar a comida no forno. Quando eu voltei, ela estava mexendo nuns porta-retratos que eu tinha espalhados na sala de estar. Eles me traziam lembranças de uns tempos bons que vivi, de uns tempos que não sabia todo drama que eu enfrentaria. -Sua família? - Perguntou e eu assenti com a cabeça. - Você tem dois irmãos? -Sim, um casal, Taylor e Chris. – Disse sorrindo ao me lembrar dos dois. -São mais novos? -Eu sou a do meio, Chris é o mais velho. -Eu tenho uma irmã mais nova, Sofia. Ela completou 18 anos mês passado. -Taylor também tem 18 anos. E está tão adulta. – Disse sorrindo nostálgica e triste. Fazia algumas semanas que não via meus irmãos. Eu sentia falta deles, dos meus pais, do amor que eles me davam quando eu era criança e alheia a tudo que estava por vir. -Sim, elas crescem rápido. Sofi está fazendo administração para assumir a vice-presidência da nossa empresa. -Legal, Taylor está trilhando esse mesmo caminho. Ela faz direito para trabalhar com o meu pai e Chris. -Então, você é a ovelha n***a da família? - Disse em tom de brincadeira mesmo eu sabendo que era exatamente isso que eu era. Eu já tinha um grande problema em me relacionar com os meus pais pelo fato de ser intersexual e eles nunca entenderem o motivo de eu não amputar o meu pênis e me tornar uma pessoa que eles acreditavam ser “normal”. O nosso relacionamento piorou quando eu decidi me formar em fotografia e não cursar direito. Eles falaram que eu passaria fome seguindo este caminho, eu insisti e, mesmo diante de tantas dificuldades, eu preferi seguir o meu coração e lutar pelos meus sonhos. Optei por não seguir os sonhos deles. Decidi sair de casa após várias vezes eles falarem que eu era sustentada com o dinheiro do escritório de advocacia que eles tinham, e que era falta de consideração eu não retribuir todo dinheiro gasto durante todos esses anos. Hoje eu quase não os visito, prefiro me manter distante e fazer visitas padrões durante algumas datas comemorativas. Minha mãe já veio me ver algumas vezes, mas em todas elas criticava meu apartamento e dizia que eu devia ter mais ambição. Até que um dia, nós brigamos feio por eu achar que Taylor estivesse sendo forçada a seguir os mesmos passos dos meus pais. Tentei conversar com ela, mas meus pais me afastaram e me proibiram de tentar qualquer aproximação. -Desculpa, eu não sabia que esse assunto era delicado. - Camile disse após o meu longo tempo em silêncio. -Não se preocupe, eu já me acostumei. Eles não concordam com o fato de eu ter me formada em fotografia e não ter seguidos seus passos. -Mas é aquilo que você ama, certo? - Camile perguntou se aproximando de mim. -Sim, mas se eu for parar para refletir naquilo que eles tanto falam, eu posso até concordar com eles. Eu não tenho a vida que eles têm, nem que o meu irmão tem e a minha irmã terá. - Disse triste em constatar o que o meu coração insistia em esconder. - Olha para esse apartamento! Ele é menor do que o quarto da minha mãe, mas é o único que posso pagar. -Você é infeliz? -Mesmo com tudo isso, não. - Disse com um sorriso discreto. - Eu amo fotografar, mas as vezes acho que é como a minha mãe sempre me disse. Eu deveria levar isso como um hobby e não como uma profissão. -Não fala isso, Lo. Ela está errada. - Disse fazendo carinho no meu rosto. - Há anos atrás, quando eu decidi fazer administração para assumir a empresa do meu pai, eu também refleti bastante sobre isso. Mas eu nunca me vi fazendo outra coisa que não fosse administração, eu sou muito feliz no que faço. -Eu também sou. -Então, é o que importa. Se você acha que não está rendendo muito, só precisa investir mais no seu negócio para ampliá-lo e fazer uma boa propaganda. - Disse tentando me alegrar. - Eu posso ajudar vocês nisso. -Não, não, muito obrigada, mas eu não posso aceitar. - Disse e quando ela ia protestar, decidi mudar de assunto. - Vamos comer antes de esfriar. Nos servimos e logo uma conversa melhor surgiu, fazendo o tempo passar rapidamente. Ao acabarmos, ela insistiu em lavar a louça e eu a ajudei. Resolvemos ver um filme juntas na sala, mas eu preferi não tentar nada, somente conversamos. -Aceita sair para jantar comigo? – Ela perguntou quando o filme acabou. Merda! Eu não podia me dar o luxo de sair para comer. Não quando eu tinha o mês inteiro ainda para sair com ela e tentar conquistá-la. -É que...eu... -Não tem problema se não quiser. - Disse se levantando. - Eu vou indo então. -Não, Camz. Espera. - Disse segurando o seu braço. - Você não gostaria de comer o que almoçamos? Q...quer dizer, podemos pedir algo ou... Merda! Eu só estava piorando as coisas. -Lorena... -Eu aceito, vamos jantar fora sim. - Qualquer coisa eu tirava um pouco das minhas economias. Eu estava juntando para aumentar o nosso estúdio, mas seria um sacrifício por uma boa causa. -Vamos comer o que sobrou então. Eu amei o almoço. - Disse sorrindo. -Sério? Tem certeza que não quer sair? -Sim, eu prefiro comer aqui. Esquentei o restante do almoço e depois ficamos um bom tempo conversando sobre diversos assuntos. No final da noite, preferi deixar de lado a parte em que era para dormirmos juntas. Despedi-me dela combinando um passeio no parque no dia seguinte. Eu costumava fazer uma corrida no final da tarde e tê-la como companhia seria ótimo. Fui dormir pensando na ótima tarde que tivemos. Mesmo que o plano não dê certo, sei que a terei como amiga. Ponto de Vista de Camile Eu nunca havia reparado em Lorena, mas o pouco que conversamos ontem, eu pude ver o quanto ela é uma pessoa encantadora. Não que ela não fosse atraente ou interessante, mas na época da escola ela se mostrava tão envergonhada e introspectiva que não consegui nenhuma aproximação, nenhuma conversa que ela falasse sem gaguejar ou abaixar a cabeça e fugir do meu olhar. Eu confesso que amava lhe encarar, seus olhos verdes me hipnotizavam e encantavam. Sua pele branquinha era uma combinação perfeita com os seus cabelos negros ondulados, seus lábios carnudos e bochechas rosadas atraíam o meu olhar. Porém, não tinha a menor possibilidade de manter uma conversa longa com ela. As meninas conseguiam conversar com Lorena, mas na minha presença ela se fechava, mantinha a sua cabeça abaixada, sempre calada ou gaguejando meia dúzia de palavras. Não sei se por falta de afinidade ou por não gostar muito de mim. Porém, tenho notado que, diferente do que havia imaginado depois do que as meninas insinuaram ao seu respeito, ela era ainda mais acuada do que na época da escola. Em nenhum momento tentou alguma aproximação e eu gostei disso. Eu sabia que essa aposta, na verdade, só serviria para conhecer uma pessoa maravilhosa e criar um laço de amizade. Ela era uma pessoa que valia a pena ter na vida. Pensando nisso, sai para trabalhar já imaginando o nosso passeio no parque. Eu confesso que não estava acostumada com esses programas. Quando alguém estava tentando me conquistar ou vice-versa, eu sempre pensava em restaurantes, baladas ou barzinhos. O almoço e jantar na sua casa já me surpreenderam e confesso que foi uma surpresa maravilhosa. Inclusive me deixou curiosa sobre a sua vida e reflexiva sobre algumas questões. Não conhecia o drama em que ela vivia em relação sua família e confesso que fiquei apreensiva por sua irmã e ansiosa para ter essa conversa com Sofi. Nunca conversamos sobre esse assunto, pelo simples fato dela saber que assumiria a vice-presidência no momento em que se formasse. Mas será que era isso que ela queria? Eu teria que entrar em contato com ela o quanto antes e ajudar Lorena a resolver esse drama com sua irmã mais nova. Mesmo tendo acabado de conhecer um pouco mais da sua vida, eu já me sentia responsável por seus problemas, talvez comovida. Sai dos meus devaneios ao chegar na empresa e passei o restante do dia me concentrando no serviço. No final do dia, peguei pela primeira vez o meu celular e tinha algumas mensagens de Lorena. Oi, é a Lorena! Bom dia! (10:13) O passeio está de pé? Espero que não esteja tão cansada... (10:13) Vou interpretar o seu silêncio como uma desistência, certo? Quer marcar outra coisa? (14:06) A aposta foi meio boba, né? Melhor deixar para lá. Foi bom te conhecer um pouco mais, Camz... Espero te ver qualquer dia desses. Beijos... (17:26) Merda! Melhor ligar para ela, o dia foi tão trabalhoso que nem peguei o meu celular. Mas eu não imaginava que ela fosse mandar mensagem confirmando algo que achava que estava certo. Insegurança? Sei lá, eu só sei que a Lorena que as meninas pintaram não tem nada a ver com essa que estou conhecendo. O celular chamou algumas vezes e quando eu ia desistir, ela atendeu. -Camile? -Oi, Lorena! Eu acabei de ver as suas mensagens, hoje o dia foi extremamente corrido. Você ainda está em casa? -Sim, ia começar a me ajeitar agora. -Ainda está de pé o passeio? -Vo... você quer ir? - Ela estava nervosa e eu amava isso nela. -Sim, será bom espairecer um pouco. Eu passo aí? -Não, eu passo na sua casa, pode ser? -Está bem. Vou sair do trabalho agora. Você me dá meia hora para eu tomar banho e me trocar? -Claro. -Até daqui a pouco então. -Até. Desliguei e corri para casa. Troquei-me o mais rápido que pude e quando ia mandar mensagem para Lorena, havia uma dela me avisando que já estava na porta da minha casa esperando. Ao sair, reparei no seu short mediano que deixava as suas pernas grossas amostra. Ela era, definitivamente, gostosa. E reparei que ela também havia me achado ao lhe flagrar encarando meu corpo, deixando-a extremamente envergonhada. -Demorei muito? - Perguntei para ela depois de nos cumprimentarmos e ela abrir a porta do carro para eu entrar. Fiz questão de sorrir de lado rebolando ao andar a seu encontro e subir no carro empinando a minha b***a para que ela me analisasse melhor. - Lo? – Perguntei rindo da sua cara envergonhada de quem havia sido pega no flagra. -O...oi? -Demorei? – Perguntei mordendo meu lábio inferior. Esse estava se tornando o meu gesto preferido, gostava de seduzí-la. -N...não, acabei de chegar. -Na próxima vez, prometo ser mais rápida. – Disse tocando na sua perna, sentindo sua pele arrepiar. -S...sem problemas. – Disse ficando vermelha. Durante o caminho até o parque conversamos um pouco e notei o quanto eu ficava a vontade com ela. Conversávamos com tantos assuntos aleatórios que se notava a nossa conexão. Com certeza, seríamos ótimas amigas após esses dias. Caminhamos por volta de 1 hora, trocamos opiniões sobre diversos assuntos e me surpreendi no quanto parecíamos. A sua vergonha em determinadas situações chegava a ser sexy. Ela conseguia se transformar de mulherão a garota insegura em um piscar de olhos. E eu estava amando conhecer todas as suas faces. -Aceita ver um filme comigo ou tem planos para amanhã? - Ela perguntou enquanto tomávamos uma água de coco e nos dirigíamos ao carro. -Filme? Faz um tempo que não vou ao cinema. O que está passando? -Eu, na verdade, estava pensando em vermos na minha casa mesmo. - Disse meio envergonhada. - Mas caso queira ir ao cinema, eu não me oponho. -Gostei da ideia, eu levo o brigadeiro. - Disse ignorando a sua insegurança, eu começava a entender o motivo dela evitar sair para gastar dinheiro. -Farei a melhor pipoca da sua vida. -Estou ansiosa. – Disse tentando a seduzir uma última vez com um sorriso de lado, fazendo-a sorrir com as bochechas avermelhadas. No final, eu estava amando essa aposta.
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