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829 Words
Maria Clara Narrando - Nem nos meus piores pesadelos imaginei viver o que vivi durante esses meses, as minhas forças praticamente se esgotaram, estava sobrevivendo do jeito que dava, mas eu não tinha mais esperanças de que um dia conseguiria me livrar das mãos desde homem psicopata. Tem basicamente 6 meses que perdi meu pai, até hoje não entendo o motivo ao certo, a única coisa que martela todos os dias na minha cabeça é que ele possivelmente estava doente e não quis me falar nada, só me fez assinar um papel sobre minha tutela, caso um dia ele faltasse. Lembro como se fosse hoje, ele me chamando pra conversar e disse que era necessário fazer isso, porque não sabia o dia de amanhã, mas geralmente quem tem pensamentos assim, é quem é envolvido com o tráfico ou está doente e em uma fase terminal. Tenho 17 anos, mas perder a mãe no próprio parto e morar em uma comunidade, faz a gente ter experiências e cicatrizes ao ponto de nos fazer amadurecer muito. - Meu pai me fez assinar e disse que era por questões de precaução, assinei mesmo contra minha vontade, até porque eu sentia que assinando aquilo, era como se eu tivesse total ciência de que meu pai estava se despedindo aos poucos. Minha mãe me deixou no meu próprio nascimento e até hoje me culpo por isso, ela teve pré eclampsia e não teve muito o que ser feito, ela me escolheu. Entre a vida ela e a minha, ela preferiu a minha, ela não deveria ter feito isso, filhos eles poderiam ter um monte logo após de mim, mas mãe é uma só e por isso, não tenho mais ela. É uma dor tão grande que as vezes me sufoca, desde então era meu pai e eu pra tudo. Meu pai sempre foi um homem trabalhador, honesto, íntegro e um ótimo pai, não tenho nada pra falar dele. Ele fez o papel de pai e mãe direitinho, sem me deixar faltar nada, mas infelizmente na vida, não tem como a gente ocupar um espaço que é do outro, e o da minha mãe, é só dela. Ele fez tudo o que podia e na medida do possível pra essa dor não me trazer traumas, também nunca escondeu a verdade de mim. Sei que Deus sabe de todas as coisas, e os planos dele são melhores que os nossos, mas é impossível não questionar a Deus na minha situação. - Em um dia comum, já estava no final do terceiro ano, mesmo com bastante lutas, meu pai nunca deixou de pagar uma escola pra mim para que eu pudesse ter um futuro promissor. Voltei da escola e comecei a fazer minhas rotinas do dia a dia, ele não me mandou mensagem, imaginei que estava cheio de trabalhos. Anoiteceu, fiz nossa janta e nada dele. Até que uma mulher que trabalha com ele, me ligou e pediu para eu comparecer no postinho da Rocinha. Quando cheguei lá, meu mundo desabou. Meu pai teve um enfarto e não resistiu, mas como assim um enfarto do nada? Aí que vem sempre meus questionamentos, ele poderia estar doente e não me contou nada, também sei que é difícil pra ele viver durante esses anos todos longe do amor da sua vida, e ter que fazer o papel dos dois sozinho. - A empresa dele custeou todas as partes burocráticas do velório e a rescisão da empresa, enviaram pra minha conta conjunta como dependente dele. Mas até hoje não consegui colocar as mãos no dinheiro. Não tenho familiares próximos a gente, e eu já estava cheia de incomodar as pessoas com a minha vida insignificante, então resolvi continuar na minha casa e do meu pai, vivendo do jeito que dava e vivendo o meu luto, pela segunda vez na vida. - quando fez uma semana após o falecimento do meu pai, o dono do morro veio na minha casa dizendo que meu pai estava devendo a boca uma contia altíssima, o que me deixou em choque. Mesmo que eu pegasse o dinheiro da rescisão todo, ainda sim faltaria dinheiro. Aí veio o sentimento de ódio e culpa ao mesmo tempo, talvez meu pai estava metido com coisas erradas e me fez assinar a minha tutela sabendo que ele poderia faltar de alguma forma, o enfarto pode ter vindo de preocupação por essa dívida. Mas meu pai não era usuário de drogas, ele nem beber, bebia. Minha mente ficou uma confusão e o dono do morro me deu 24h para pagar, se não iria me pegar como pagamento da dívida, fiquei em choque, chorei tanto, mas tanto que apaguei no quarto de exaustão. Eu não iria conseguir pagar, pedi até mesmo para que parcelasse e eu pagaria arrumando um trabalho, juntando com a rescisão. Mesmo que viveria uma boa parte da minha vida pagando essa dívida, mas pelo menos não iria me vender como moeda de troca para uma dívida infundada.
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