Capitulo 3

1641 Words
Ao entrar na propriedade, deparo-me com o hall. Há dois lances de escadas, que dão para o segundo andar, e, entre elas, uma sala de estar, que dá para outra de jantar. Sei disso porque de onde estou, consigo enxergar uma mesa grande e tão antiquada quanto o restante dos móveis que descansam ao meu redor. Porém, o que chama a minha atenção é o enorme quadro que se encontra na parede do saguão, pintado à mão, de uma mulher com um forte vermelho nos lábios e os cabelos pintados com um tom de marrom claro. Imagino ser a dona da casa. Há um relógio de coluna fincado no chão ao meu lado direito, e um grande candelabro de cristal causa-me um furor fantasmagórico, fazendo com que a sensação sinistra retorne. Ouço um pigarreio, e dou um pulinho ao encarar uma senhora com rosto pálido parada ao meu lado. De onde essa mulher saiu, meu Deus? — Prazer, Damiana — diz ao esticar seu braço enrugado na minha direção. Nos cumprimentamos, e lembro-me que esta deve ser a esposa de Josefo. Tenho essa certeza, quando eles se abraçam enquanto me encaram. — Seja bem-vinda, senhorita Laura Flores. — Obrigada. — Espero que a viagem tenha sido agradável. — Foi bastante, o Sr. Josefo falou muito sobre sua família — sorrio, vendo que ficou satisfeita ao me ouvir. — Ele é um velho esperto! — Ela sorri para o esposo e emenda: — Venha, vou lhe mostrar o seu quarto. — Assinto e tento pegar minhas malas, porém ela completa: — Pode deixá-las aqui mesmo, pedirei para alguém levá-las até os seus aposentos depois. Assinto. Subo as escadas, logo atrás dela, e viramos o corredor à direita. Damiana explica para mim que este corredor dá tanto para o meu quarto quanto para os das crianças. Passamos pelo quarto de Alice e o dos gêmeos Dora e Felipe. Há outro quarto, mas ela não diz nada, portanto, não pergunto também. O meu fica no final do corredor. Ao entrar, noto o quanto é espaçoso, acho que caberiam dez “Lauras” facilmente aqui dentro. A cama é gigante, e não vejo a hora de me jogar nela. O guarda-roupas é bem grande também, e creio que consiga encaixar todas as roupas que trouxe comigo. Há uniformes, porém de números maiores do que o meu. A governanta diz que a antiga babá já era idosa e que deixou os uniformes praticamente intactos. Pelo o que entendi, ela não havia conseguido conciliar os dias de trabalho com a família, e não se habituou. Quando pergunto o motivo, Damiana desconversa. Sou informada que no horário do almoço serei apresentada às crianças e logo depois conhecerei o restante da casa. Os Delamont já viajaram e, por esse motivo, os conhecerei apenas no domingo quando estiverem de volta. Damiana não fala muito sobre eles, e prefiro não comentar também. É meu primeiro dia e quero me manter nesse emprego pelo menos até conseguir algo melhor. Não volto para casa desempregada. Após todas essas informações, fico sozinha. Sento na cama, a fim de esperar alguém me avisar quando o almoço estiver pronto. A ansiedade me define, e não me contenho em enviar mensagens para Luce e para Pedro informando que estou viva e com saudades. Minha amiga diz que está torcendo por mim, e Pedro comenta que sentirá, muito, a minha falta. Acho meio forçado ele dizer isso nesse momento, mas não questiono. Entro em algumas redes sociais para ver se as horas passam com mais rapidez e, depois de algum tempo, o telefone finalmente toca, e sou informada que já está na hora de descer. Seja o que Deus quiser! Desço pelo mesmo caminho que fiz antes para não me perder. Assim que alcanço o último degrau, já consigo escutar algumas vozes e percebo que estão discutindo por alguma coisa. — Eu não vou comer isso, já disse! — Ouço algo ser jogado no chão e percebo que deve ter se estilhaçado em mil pedaços por causa do barulho. — Não faça isso, Dora, muitas pessoas não têm o que comer! — Damiana fala alto, mas percebo que não há firmeza na voz. Paro e continuo escutando. — Não tô nem aí, não vou comer isso e pronto. Quero ver me obrigar! — A mesma vozinha fala num rompante, e me faz arregalar os olhos. — “Cala”, você é muito chata, “melmo”! — Outra voz soa, e percebo se tratar de um menino, provavelmente, o outro gêmeo. — Será que vocês poderiam se comportar pelo menos uma vez na vida? — Outra voz anuncia, parecendo, irritada. — Aff, eu não tenho paciência, mãe! — Quem grita agora é uma mulher, e é o bastante para me fazer caminhar até eles. Dou de cara com uma bela jovem de olhos escuros — como a noite — e levemente puxados. Seu corpo é atlético e ela é pelo menos uns dez centímetros mais alta do que eu. Tudo bem que isso não quer dizer muita coisa diante dos meus 1.58 centímetros de puro egocentrismo; pareço mais a irmã postiça dos sete anões. Seus cabelos estão presos num coque, mas percebo que são tão escuros quanto os olhos. Ela me olha de cima a baixo e franze o cenho. Observo a cena a minha frente e assisto as três crianças me encararem de volta. A menina mais velha cruza os braços e seus olhos azuis me examinam. Ela possui belos cabelos loiros e ondulados, que caem sobre os ombros. Noto o quanto é magrinha e que possui o rosto cheio de sardas, igual a mim. Sorrio, mas ela não sorri de volta e emburra mais a cara. Do outro lado, há uma garotinha que ao me ver faz uma careta. Sorrio e faço uma careta para ela também. Pestinha, bonitinha, que ela é. Cabelos lisos escorridos e escuros como os do seu irmão gêmeo. Os dois possuem olhos em um tom de verde bem mais claro que os meus, que são verdes escuros. — Esta é a senhorita Flores, crianças! — diz Damiana. — A nova babá de vocês. — Não pedi por uma babá, já sou crescida e sei cuidar de mim mesma. — A emburrada diz alto e senta-se em uma das cadeiras. — É? — indago. — Então, acho que poderia cuidar dos seus irmãos por mim e limpar toda essa bagunça também, porque não tô com saco para perder meu horário de almoço. A menina me encara como se tivesse nascido chifres em minha cabeça. Ela faz menção de falar, mas Damiana a corta: — Laura, esta é minha filha, Izabela. — A governanta aponta para a garota de olhos puxados, que encara as próprias unhas. Assinto, percebendo que ela não gostou muito de mim. — É fogo? — O menino se aproxima de onde estou e levanta um dos bracinhos para pegar meus cabelos. Sorrio. Ele é fofinho! Abaixo-me devagar, a fim de ficar da mesma altura que ele, mas o pimentinha puxa com força uma mecha grossa do meu cabelo fazendo-me gritar e ainda gargalha. — O fogo “aldeu”! — Suas irmãs o acompanham na gargalhada, e escuto Izabela fazer o mesmo. Reviro os olhos. Não tenho paciência para criança mimada! Gargalho também e faço o mesmo com o dele vendo-o gritar mais alto que eu. — Ei, não faça isso com o meu irmão! — A mais velha brada, e noto Damiana me encarar com olhos arregalados. Acho que ela está acostumada a fazer todas as vontades desses pestinhas. — Vocês puxam, eu puxo. Vocês gritam, eu grito. Vocês gargalham, eu gargalho. Simples assim, toma lá dá cá! A loirinha bufa. Dou de ombros e sento-me numa das cadeiras. Observo a mesa posta e noto que há um frango assado parecendo delicioso. Ele foi envolto por algumas rodelas de laranja, e vários tomates cereja cerca-o. Após fatiar alguns pedaços, coloco-os em meu prato e aguardo os demais se sentarem. Os olhos das crianças estão esbugalhados, e os de Damiana parecem tensos. — Vocês vão se sentar ou ficarão olhando para a minha cara? Porque não me importo de comer esse frango inteiro sozinha! — digo como um meio de descontração e parece dar certo. A encrenqueira gêmea é a primeira a se sentar. Assim que vejo-a fazer isso, meus olhos são puxados automaticamente para o chão e noto que o objeto que ela quebrou, provavelmente, era uma travessa de brócolis, uma vez que há pedaços dele espalhados por todos os lados junto com estilhaços de porcelana. Reviro os olhos e continuo comendo. Logo depois, noto Felipe seguir a irmã, puxando uma das cadeiras em silêncio, enquanto Damiana serve seus pratos. Izabela sumiu do cômodo, e observo Alice começar a mastigar enquanto, uma vez ou outra, seus olhos irritados recaem sobre mim. Gargalho internamente, esses pirralhos não me conhecem. Almoçamos sem interrupções. Eles me olhando, de vez em quando com caras emburradas, e eu fazendo o mesmo, transformando um simples almoço em praticamente uma disputa dos jogos vorazes. Mexer comigo na hora do almoço é pedir para morrer. Assim que terminamos, as crianças são instruídas por Damiana a se arrumarem para a escola e a me cumprimentar, porém, elas sobem para os próprios quartos sem falar nada. Felipe é o último e, ao vê-lo dar meia volta e vir em minha direção, me animo, não quero ser inimiga deles, mas também não preciso que me desrespeitem. — Até mais, Cabelos de Fogo! — Ele ensaia uma dancinha de minhoca com dor de barriga e no fim me mostra a língua. — Arreda o pé daqui, moleque! — Levanto-me, prestes a pegá-lo e ensiná-lo boas maneiras, mas ele dá uma risadinha — até fofinha — e, antes de sair correndo, caçoa: — “Aleda”...
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