Cérbero Narrando
Fala sério, pørra... ainda sem acreditar que a Gleice meteu o louco e colou na boca antes das sete da matina. Ela sabe que eu nunca fui de recusar bøceta, mas também não boto essa pørra antes dos meus corres. Ainda mais quando é figurinha repetida, pørra. A putä tava toda se oferecendo, tentou me encostar, mas já dei logo um passo pra trás e mandei o papo.
Nem deu tempo de eu terminar a frase direito, o rádio chiou — era o Boquinha avisando que já tava me esperando pro corre. Aí já falei pra ela meter o pé.
Ela ainda quis insistir…
— Tu insiste e perde a chance de ser fødida mais tarde, tá me ouvindo? Tu sabe que comigo é uma palavra só.
Ela revirou os olhos, puxou o fumo com força, e saiu de cara fechada, batendo o pé igual criança birrenta. Bati a cabeça em negação e entrei logo na boca. Disparei uma mensagem pro chefe, avisando que já tava no pique, e fiquei um tempo largado na cadeira, trocando umas ideia com o Esquerda por mensagem, dando uns tapas no beck, enquanto o Perüorganizava os malotes do lucro do plantão passado.
Fiquei só na minha, observando o movimento. Olhei no relógio e vi que tá na minha hora, me levantei.
— Tô saindo, cês dois — tu e o Macabro — são os responsa enquanto eu tiver no corre, certo? — Mandei a visão, encarando o Perü enquanto dava a última tragada no baseado e jogava a bituca na lixeira.
Ele só balançou a cabeça com o cordão no pescoço pesando, e voltou a contar a grana sem desviar o foco.
— Antes de tu sair — ele soltou, fazendo eu dar um passo pra trás, já ligeiro. — Só pra avisar que a mina já tá alojada. O Boquinha deixou ela no barraco das grade vermelha.
— O barraco perto do Studio da Érika, né? — perguntei seco, e ele confirmou com a cabeça. Dei de volta aquele aceno curto, ajeitei a peça na cintura e peguei a chave da moto.
Desci a ladeira que dá direto pro galpão onde os blindados ficam. A gente usa o furgão só pros corres pesados — buscar e levar o material fora do morro.
Acelerei cortando a quebrada, e quando tava perto do beco do Studio, dei uma freadinha, senti logo o clima mudar. A Érika tava atravessando e do lado dela uma mina nova… não me lembro de ter visto aquela cara por aqui.
Dei uma segurada, tomei distância... e foi aí. O bagulho foi estranho. Do nada meu corpo arrepiou, um gelo subiu pela espinha como se o tempo tivesse parado. Olhei pra trás sem nem entender por quê, e vi ela acabando de atravessar. Caralhø… que fita foi essa, viadø?
Balancei a cabeça, tentando tirar o peso da mente, e acelerei de novo. Cheguei no galpão, encostei a moto, e antes mesmo de desligar, a porta já abriu. O Boquinha já tá no pique, com o furgão ligado tô no volante.
— Que cara é essa, chefe? Viu fantasma, foi? — soltou ele, zoando assim que entrei e bati a porta.
Encarei ele na seca. Ele levantou as duas mãos como quem diz “foi m*l, não falei nada”, e ficou na dele. Só dei aquele sinal de cabeça, e ele já acionou o portão pra fechar atrás da gente.
— Passa pela Serrinha. O Esquerda e o Toddynho tão esperando a gente lá — soltei o papo, curto e reto.
Ele chinelou, saindo do morro. Fiquei no banco, só com a pørra da testa franzida, remoendo aquele calafrio bizarro que bateu quando eu cruzei com a doida que quase atropelei.
Passamos pela Serrinha no ponto marcado. Assim que a gente encostou, o Esquerda e o Boquinha já tão no ponto, só esperando. Os dois entram no furgão, batem aquele toque firme comigo.
— Bora — falei.
Boquinha mete marcha, já sabendo o destino: Ele cruzou a avenida Brasil no veneno. Porto do Rio, onde ficam os galpões e os contêiner tudo empilhado, cenário de negócio sujo e dinheiro alto. Quando a gente encosta, o clima já muda.
— Geral de olho aberto — avisei, abrindo a porta devagar.
Olhei pra eles e deixei claro:
— Vocês tão ligados que quando o chefe me manda é porque ele sabe. Aqui comigo não tem perdão, ninguém me pega desprevenido. Se uma pessoa tentar qualquer gracinha contra minha vida, vai rodar sem aviso.
Boquinha e Esquerda só confirmam com a cabeça. A gente desce junto. Já puxei a pistola, engatilhei. Eu segui na frente, puxando a tropa. Nisso, um carro preto, sem placa, encosta de lado. Meus olhos já foram lá pra parte alta dos galpões, e eu vi — homem armado no alto.
Dei o toque.
— Boquinha.
— Já vi, Cérbero. Tô ciente. Os cara tão na vantagem mas não me pegam não — respondeu ele, se encostando na lateral do container, pronto pra agir.
Toddynho veio seco:
— Tu vai na frente, Cérbero, eu e Boquinha ficamos aqui segurando. — Passou a visão e eu concordei.
Entrei no galpão com Esquerda do meu lado. Quando a gente pisou dentro, os russos já se aproximaram. Um deles já veio metendo aquele russo rápido, aquele que eles gostam de cuspir pra tentar amedrontar.
— Para com essa pørra. Fala português. Eu sei que vocês falam minha língua, caralhø — cortei logo.
O russo fez uma cara feia, mas pediu desculpa e mudou pro português, direto:
— Sem problemas, estamos aqui pra fazer negócio.
Sem nem desviar o olhar do dele. Eu percebi que outro carro encostou do lado de fora. Sorri de leve, só no veneno. Ouvindo a freada de leve como se chegasse na maciota. Essa pørra esquece que eu tenho o ouvido do próprio diabø.
— Cuidado. Não tenta armar nas minhas costas. Tu sabe o que tem a perder. Não é à toa que sou eu que tô aqui fazendo negócio contigo — falei firme, olhando no olho dele.
Levei a mão na cintura, puxei a outra arma. Mirei pro chão, mas geral sabe que minha mira é rápida.
— Antes de qualquer homem teu dar o primeiro tiro, teu corpo vai ser o primeiro a cair. Tu sabe que minha mira não erra.
O russo gargalhou alto:
— Eu não vim aqui pra te trair, mas vim prevenido.
— Só espero que tu não tente a sorte — respondi com aquele sorriso gelado que só aparece quando eu tô prestes a puxar o gatilho.
O russo fez um sinal. Os homens dele, todos armados, vieram com uns caixotes, colocaram sobre a mesa. Esquerda já foi na contenção, e eu dei o sinal pra ele verificar tudo.
— Tá tudo certo — ele confirmou.
— Tu acha mesmo que eu ia armar pro demônio do tráfico? — O russo soltou.
— Eu sei que tu tem consciência, pørra. E mais: tem amor à tua vida... e à tua família também — disparei, gelado.
O russo soltou mais uma gargalhada, dessa vez mais contida. Esticou a mão. Guardei uma das pistolas na cintura, puxei o braço e apertei a mão dele com força.
Negócio fechado.
Fui direto na mercadoria, verifiquei cada caixa. Tava tudo conforme.
— Agora mete o pé.
— Vamos sair junto — ele sugeriu.
— Falei que é pra meter o pé agora. Negócio acabou, cada um pro seu canto.
O russo fez sinal. Os homens dele recuaram, voltando pro carro. Quando ele se virou, o celular dele vibrou.
— Teu dinheiro tá na conta — falei, sem nem olhar pra cara dele.
Dei o sinal com a cabeça e os cria já começaram a colocar o material no furgão, tudo no esquema. Cada um com sua função, cada um no seu silêncio. Aqui não tem brecha pra erro. Enquanto eles metiam as caixas lá pra dentro, fiquei de olho em tudo. Só de respirar, eu já sacava quem tava firme e quem tava querendo vacilar.
— Bora, bora, bora… mete o pé — falei baixo, mas firme, enquanto puxava a camisa pro lado e ajeitava a Glock na cintura.
A gente já tá voltando pro Turano. Cruzamos a avenida Brasil, olho vidrado nas vielas, atento aos detalhes, escutando o som das ruas como se elas falassem comigo. Quando a gente virou na curva que dá pra Serrinha, mesmo ponto onde levamos Toddynho e o Esquerda. Um só olhar foi o suficiente, não precisou palavra.
Levantei o queixo em direção a eles. Que abriram a porta e desceram.
— Tudo vai ser dividido certinho entre os morros depois do aval do chefe. Até lá, é silêncio e foco — falei, mais pra mim mesmo do que pros outros, mas Boquinha ouviu.
Toddynho fez um gesto discreto, dedo girando no ar, e Esquerda só deu um leve aceno com a cabeça. Fiz um sinal com a cabeça concordando com eles. Bati forte no painel do furgão, duas vezes, e Boquinha entendeu o recado na hora.
— Mete marcha, filhote!
Ele manobrou sem perder tempo. Quando chegamos no galpão, ele me olhou pelo retrovisor, já sabendo.
— Chefe, é naquele esquema?
Só balancei a cabeça, fiz o toque com ele e desci. Subi na moto sem pressa.
— O chefe deve colar aqui mais tarde ou amanhã. Se ele não der as cara, a gente vai até ele. — Soltei olhando por cima do ombro, antes de sair.
Boquinha entendeu, piscou com respeito, e voltou pro foco.
Meti marcha. Acelerando como quem conhece cada buraco da quebrada. O vento batendo na cara, o pensamento no que tava por vir. Sorri, balançando a cabeça com raiva e deboche.
— Russo achando que ia dar esse papinho torto logo pra cima de mim… vacilão — murmurei.
Manobrei forte, jogando a moto na direção da boca. Passei devagar só pra deixar minha presença marcada. Não precisava falar nada. Os menor só abaixavam a cabeça, sabem quem é que tá aqui.
Segui direto pro barraco da Gleice. Parei na porta, meti a mão na buzina três vezes. Ela abriu com aquele sorrisão de orelha a orelha.
— Sem massagem, sem gracinha — avisei logo de cara, descendo da moto e empurrando a porta com o ombro. — Quero só aliviar a pørra da tensão do corre.
Ela nem respondeu. Só mordeu o lábio e puxou o vestido. Ela sabia o que eu queria. Sabia o que eu precisava. E eu… precisava esquecer o mundo, mesmo que fosse só por uns minutos.
Continua....