Segunda-feira, 24 de maio de 2007.
Se havia um dia na semana feito para ser odiado, era a segunda-feira. Não que eu não gostasse do que fazia, mas as segundas sempre vinham carregadas de um peso extra. Os problemas do final de semana, as confusões que se acumulavam e a sensação de que o descanso ainda estava distante demais. Não importava o quanto eu amasse minha profissão. Desde que decidi ser delegado, quando ainda via esses profissionais como heróis, até me tornar um, sabia que dias como aquele faziam parte do pacote. Mas, mesmo com todo o empenho, algumas horas de trabalho pareciam intermináveis.
A delegacia estava calma naquele início de noite. Finalmente, o silêncio, o tipo de silêncio que eu sabia que duraria pouco. Sentei-me à minha mesa, servindo-me de um café forte, com aquele gosto amargo que parecia espantar qualquer resquício de cansaço. Olhei para o relógio: 21h33. O tempo passava lentamente, e o trabalho parecia não ter fim. Mais uma noite em claro? Talvez. Mas as segundas nunca deixavam de ser desafiadoras.
O peso dos papéis sobre minha mesa, as pilhas intermináveis de relatórios, me faziam questionar se tudo aquilo valia a pena. Quantas vezes a justiça não era feita, ou mais triste ainda, quantas vezes ela deixava criminosos soltos, como se nada tivesse acontecido? Ser delegado tinha seus momentos de glória, mas também de decepção.
Com um suspiro, peguei mais um relatório e comecei a lê-lo. Foi quando o som da porta se abriu. Era Éneas, o escrivão. Ele entrou com mais um caso para eu analisar. Mas antes que pudesse sequer começar a ler, alguém mais entrou. Um homem, com pele clara e cabelos escuros e bagunçados, vestindo uma blusa azul, quase escancarada ao peito. Seu olhar parecia aflito.
— Doutor, minha esposa está desaparecida — ele disse, a voz carregada de uma preocupação que quase podia ser tocada.
Olhei para ele, tentando reconhecer o rosto, mas não conseguia me lembrar de onde. Talvez fosse alguém que já tinha cruzado meu caminho anteriormente, mas agora, naquele momento, sua expressão desesperada me tomava toda a atenção.
— Desde que horas? — perguntei, já me preparando para lidar com mais um caso que parecia se arrastar sem fim.
Antes que ele pudesse responder, outros dois indíviduos entraram na sala. Um deles, alto, magro, com cabelos castanhos e um rosto inchado, com olhos vermelhos. A outra pessoa, uma mulher que me parecia nervosa, estava com a maquiagem borrada, usando um vestido laranja que destacava sua pele bronzeada. Ela me olhou com olhos penetrantes, e foi difícil não perceber o tom de agressividade no ar.
— Eu a deixei em casa dormindo. Quando voltei, ela não estava lá — o homem começou, de forma apática. Sua postura, ainda que desesperada, parecia não me passar confiança. Algo não estava certo.
Puxei o ar, tentando manter a calma. A presença daquela mulher ao meu lado começava a me incomodar. Seus gestos rápidos, os olhos cheios de ansiedade, tudo aquilo me dizia que havia algo mais por trás daquele caso do que uma simples esposa desaparecida.
— Tem vinte e quatro horas que ela sumiu? — perguntei, já me preparando para seguir o protocolo, embora soubesse que a resposta viria tarde demais.
Ele balançou a cabeça, impaciente.
— Nem vem com esse papo de 24 horas, moço. A minha irmã nunca sumiria assim, sem avisar ninguém! Ela é uma mulher de família, sempre avisa onde vai. Se não é para um, é para o outro — disse o homem mais alto, com um tom de voz choroso.
A tensão na sala aumentava. A mulher de pé, a tal irmã, começou a se exaltar.
— O que quer esperar? Que ela morra, é isso? — Ela bateu na mesa, sua voz cortando o ar como uma lâmina afiada.
Me segurei para não reagir bruscamente. Já estava cansado daquela atitude agressiva e impaciente. A adrenalina começou a subir, mas eu sabia que precisava manter a calma, ainda que aquela mulher estivesse testando meus limites.
— Bell, pare com isso! — o homem ao seu lado disse, tentando segurá-la pelo braço. Mas ela se soltou, completamente fora de si.
— Fale baixo, não sou surdo! — tentei controlar a situação, a voz grave e ameaçadora. — Na próxima vez que bater na minha mesa, você vai se arrepender.
Ela olhou-me com desprezo, mas ainda assim, calou-se por um momento. O marido da mulher desaparecida, Marcos, estava perto da porta, com o rosto pálido. Algo nele me parecia familiar. Eu o conhecia, não me engano facilmente, o observei até recordar que ele era envolvido com o tráfico de drogas no Barro Vermelho. Já o tinha visto antes, mas naquele momento, sua expressão desolada e perdida me fazia questionar sua real relação com a desaparecida.
— A minha irmã é empresária, movimenta dinheiro, tem filhos em casa esperando por ela — ela disse, tentando alinhar as informações, embora ainda houvesse algo na história que não me fazia sentido.
— A senhora tem alguma pista de onde ela possa estar? Já procuraram por ela? — perguntei, tentando dar um passo mais profundo na investigação. O marido respondeu, mas seus olhos pareciam perdidos, como se estivesse escondendo algo.
A mulher de pé continuava impaciente, os dois irmãos da desaparecida pareciam ter uma confiança cega nela, ambos me cheirava a pessoas direitas, embora cheiro e caratér seja algo indecifravel as vezes, a genuidade parecia nitida no individuo sentado a chorar, enquanto a mulher de pé, nem tanto, seu jeito arrogante de dizer, mandar, mas isso não me fez desconfiar tanto quanto ao homem de pé.
A cada momento, as pistas se tornavam mais embaçadas. Algo me dizia que a verdade estava mais próxima do que eu pensava.
E então, no meio do caos e da frustração, o homem perto da porta, que até então não falara muito, se aproximou de mim. Seus olhos estavam carregados de algo que eu não conseguia identificar, mas sabia que ele estava escondendo algo. Algo que ele não queria que eu soubesse.
— E você, o que tem a me dizer? — perguntei, minha voz mais firme, minha desconfiança claramente visível.
Ele hesitou, e então soube, com certeza, que ele era mais do que apenas um espectador naquela história.
Ainda sentado, digitei seu nome no computador, tendo a sua ficha criminal em minutos, preso duas vezes por crime de assassinato, até que li que a justiça o soltou por mudança no caso, sendo considerado preso injustamente. Ponderei, enquanto o escutava dizer, sobre o dia anterior, não seria estranho ter levado e a sua esposa para um passeio em família em um resorte e no dia seguinte a mesma desaperecer?
Não.
Seria o álibi perfeito! Conclui, o escutando.