O meu pai havia feito um plano de evacuação para mim, minha mãe e meu irmão, assim como para seu Beta mais confiável e a parceira do Beta, caso nossa alcateia fosse comprometida além do reparo. A minha mente girava com suas instruções e o meu corpo em piloto automático.
Mais três passos e cheguei à cozinha, localizada nos fundos da casa, posicionada bem em cima do abrigo de cimento. Abri a porta dos fundos para parecer que eu havia saído por ali e então entrei voando na despensa ampla, fechando a porta atrás de mim.
Me jogando no chão, minhas unhas arranharam a madeira, procurando pelo trinco de segurança.
Ele clicou e abriu!
Levantando a tampa o suficiente para passar meu corpo, rapidamente desci os oito metros restantes até o chão. A queda não me machucou e mesmo sem ter me transformado, eu tinha treinado vigorosamente durante toda a minha vida. Meu pai insistiu nisso, tornando-me surpreendentemente formidável para o meu tamanho.
A porta se acomodou acima da minha cabeça e ouvi o trinco se encaixar. A rota da minha fuga não seria perceptível a menos que estivessem procurando por ela, e logo estaria coberta por uma pilha de escombros, tornando impossível para Leander encontrá-la.
Rastejando pelo porão escuro e úmido, abri a pequena porta que dava para o túnel subterrâneo que se estendia por quase um quilômetro, até o topo da montanha.
Foi nesse momento que ouvi ele correr pelo chão acima de mim e sair pela porta dos fundos. Um segundo de alívio percorreu meu corpo. Eu tinha escapado com sucesso dele!
Mas então, meu alívio se foi. Ainda havia um longo caminho pela frente para me libertar.
Atravessei o túnel completamente escuro, com meu olfato e visão extrassensoriais me guiando. O cheiro úmido da terra combinado com a madeira envelhecida das vigas de suporte arranhou minha garganta. Meu nariz se enrugou com o cheiro de mofo. Mas era cem vezes melhor do que o ar sufocante e cheio de fumaça na casa de onde eu tinha vindo. Foquei em controlar minha respiração em pânico.
Inspire. Expire. Inspire. Expire.
Eu era rápida. Levaria menos de quatro minutos para chegar à casa segura.
E se ele estivesse vivo, Luca estaria me esperando.
Não éramos irmãos de sangue, meu irmão adotivo tinha cinco anos a mais do que eu. Mas mesmo com essa diferença de idade, Luca sempre foi meu melhor amigo. Eu o seguia como um filhote implacável desde que eu tinha quatro anos e ele permitia! Mesmo durante sua transição turbulenta e hormonal de adolescente para lobo adulto, ele tolerava a pequena lobinha que o idolatrava.
Ofegante, cheguei ao fim do túnel e abri a porta com força. Meu coração pulou no peito ao ver ele.
Luca saltou da posição agachada, onde estava olhando fixamente para a porta, esperando que ela se abrisse, e me agarrou nos braços. Todo o ar escapou dele quando ele exclamou: "Que p***a!"
Meu tremor em seus braços rapidamente se transformou em tremedeira intensa. Ele me segurou mais forte. "Vai ficar tudo bem, Cinn! Eu vou te tirar daqui. Eu juro pela minha vida!"
"Lucky..." Sussurrei o apelido que eu tinha dado a ele quando tinha cinco anos, minha voz entrecortada. "E a mãe? Você a viu? Ela está vindo?"
Ele ficou em silêncio.
Empurrei contra seu peito. Ele soltou seu abraço apertado, me dando um pouco de espaço, mas ainda segurando-me. Eu estudei seu rosto cheio de dor, os olhos verdes absinto desfocados, assombrados pela memória que ele havia presenciado. Seu lábio inferior tremia, e meu coração se partiu. Ele nunca chorava.
Eu sabia a resposta e a minha perda era a perda dele. Minha dor era a dor dele. Minha mãe era a única mãe que ele conhecia. Ele disse roucamente: "Desculpe."
"Não!!!" um lamento miserável, m*l audível, escapou dos meus lábios. Eu não tinha forças para falar mais alto. Eu realmente era órfã agora. Nós dois éramos.
Lucky me segurou novamente em um abraço apertado, o peito subindo e descendo junto com suas lágrimas. Depois de um longo momento, me afastei e limpei a umidade do meu rosto com a manga da blusa.
Olhei para cima, para ele. Eu precisava saber. "Quem fez isso? Quem a matou?"
Violência contorceu sua expressão, os olhos verdes se transformando nas órbitas escuras de pinho do seu lado lobisomem enquanto ele cuspiu: "Aquele Alpha desgraçado! Eu o vi quebrar o pescoço dela e arrancar a garganta dela. O doente até sorriu enquanto fazia isso." Eu respirei fundo, o medo causando um arrepio percorrendo minha espinha.
Mal conseguia recuperar o fôlego. "É... ele. M-meu... parceiro." Gaguejei.
A expressão de Luca escureceu. Um sopro de descrença escapou do peito dele. "Seu o quê?!"
"Meu parceiro", sussurrei. Tremi insegura, sentindo tontura.
Meu estômago se revirou, e eu engoli a bile que queria jorrar da minha garganta. "Leander, e-ele me viu. Ele disse que eu sou a... companheira dele."
"De jeito nenhum", Luca rosnou como se quisesse mudar a mente da Lua. Os dedos dele afundaram ainda mais na pressão em meus braços. Eu não achava que ele nem mesmo percebia o que estava fazendo, mas minha expressão tensa deve ter dado a dica, porque ele abruptamente soltou o aperto. Ele esfregou meus braços por um segundo e depois começou a andar de um lado para outro no chão. "Cinn, isso é r**m. Ele não vai parar de procurar por você. Nunca. Não podemos ficar aqui. Nem mesmo durante a noite." As suas palavras eram verdadeiras. Eu me afundei em uma cadeira próxima à mesa de madeira e mordi o lábio, tentando controlar minha emoção. "Para onde iremos?"
Ele deu mais uma volta pelo chão, puxando distraído seu cabelo loiro escuro, que caía nos ombros, soltando os cachos ondulados, como sempre fazia quando estava pensando em um problema. Ele virou-se para me encarar, sua expressão controlada. "Você sabe que não podemos ir para outro bando."
"Eu sei" sussurrei.
O destino havia escolhido: eu seria uma loba solitária. Porém, não era justo arrastar Luca para aquele estilo de vida, não se ele não precisasse. Os lobos sofriam sem a companhia de um bando.
Eu não sabia como iria viver e sobreviver sozinha, mas faria o que fosse necessário para salvar Luca do mesmo destino horrível. Trabalhei para tornar minha voz firme. "Eu posso cuidar disso a partir daqui. Não há necessidade de você viver essa vida. Qualquer um dos outros bandos iria te aceitar. O Alpha não está te procurando. Você estará seguro."
Seus olhos estreitaram, um rosnado rasgou sua garganta. "Que p***a de bobagem é essa?"
"Não é bobagem e você sabe", retruquei. Eu precisava fazer meu irmão ver a razão. "Ainda há uma companheira lá fora esperando por você. Você precisa estar em um bando para encontrá-la, não vagando pelo país comigo. Ficar comigo só vai te machucar." Minha língua parecia grossa, m*l conseguia engolir por causa do nó em minha garganta.
Mantenha-se firme, me aconselhei.
Se eu desmoronasse, não haveria chance de ele partir.
Embora, olhando para ele agora, mandíbula apertada, olhos penetrantes, eu já soubesse qual seria sua resposta. E quando ele tomasse uma decisão, ele era ainda mais teimoso do que eu. Ele atravessou o quarto e sentou-se à mesa de frente para mim, nossos joelhos quase se tocando. Deixei que ele segurasse minhas mãos, que ainda tremiam. Ele falou baixinho, mas não havia confusão. Ele não me dava escolha. "Nós vamos juntos. Nós ficamos juntos."
Olhei para baixo para nossas mãos unidas, incapaz de falar, apenas acenei com a cabeça.
"Boa garota", ele tranquilizou. "Vamos para o norte. Vamos encontrar uma cidade remota escondida do resto da civilização e próxima às montanhas. Ainda existem muitos territórios não reivindicados por quem era minha companheira." Eu expulsei todas as emoções de mim, deixando-me entorpecida e focada na tarefa em mãos. Lucky percebeu minha mudança de comportamento e entendeu o que acontecia.
"É isso", ele me orientou ao se levantar rapidamente e prender seu cabelo de volta no pescoço. Pegamos nossas mochilas de emergência feitas especialmente para nós. Elas continham equipamentos de sobrevivência, comida, roupas, dinheiro e uma identidade alternativa para nos afastar daqui.
Jogando a mochila sobre meu ombro, segui Lucky pela saída dos fundos, onde vários veículos esperavam. Ele chamou por cima do ombro: "Carro ou motocicleta?"
Olhei para a seleção. Um carro seria conveniente em caso de chuva, mas as motocicletas nos dariam mais flexibilidade e velocidade, especialmente se precisássemos seguir por estradas não pavimentadas.
"Motocicleta."
Ele deu um aceno de concordância e então olhou para minha roupa, rasgada, de jeans e camiseta. Sua testa franziu. "Você vai precisar trocar primeiro."
"Ah, claro", murmurei e deixei cair a mochila, revirando-a até encontrar um macacão de couro preto.
Lucky se virou e se aproximou da motocicleta esperando, me dando privacidade enquanto eu trocava de roupa. Quando terminei, peguei um capacete e saltei para a minha. "Terminei".
Ele olhou por cima, já com a cabeça dentro de um capacete preto brilhante. Ele levantou a viseira, olhos cor de absinto me avaliando. "Você vai ficar bem dirigindo essa coisa?"
Aquela coisa era uma motocicleta Ducati 1098S, que ronronava atualmente sob mim. Eu tinha apenas quinze anos, mas andava de moto desde que era capaz de andar. Assenti determinada.
Avançando pela sinuosa trilha, ele chamou por cima do ombro: "Essa mochila tem uma carteira de motorista válida para você?"
Ah. Eu não tinha considerado isso. Não tínhamos tempo para parar e verificar. Apertei os dentes. "Eu não sei".
"Ok, não seja parada pela polícia. Precisamos evitar uma perseguição policial se possível."
Revirei os olhos. "Apenas tente me acompanhar."
"Vou fazer isso, Cinn. Vou fazer." Suas palavras se cortaram quando entramos na estrada de terra próxima.
Dez milhas depois, a estrada de terra se transformou em asfalto. Era noite e já estávamos longe da cidade. Lucky acenou para mim e apagou os faróis. Fiz o mesmo.
Com um simples giro de pulso, o agudo ronco dos motores pode ser ouvido, acelerando-nos a uma velocidade impressionante, enquanto ambos nos inclinávamos e aumentávamos a velocidade, mantendo nossos corpos pressionados contra a estrutura das motocicletas, eliminando o máximo possível de resistência ao vento.
Voamos pela escuridão profunda - a lua escondida por nuvens espessas - a velocidades próximas de 150 mph. Nenhum de nós precisava de luz para enxergar. Podíamos ir ainda mais rápido e ser menos perceptíveis na escuridão total.
Depois de várias horas, a adrenalina começou a diminuir. Parecia que tínhamos conseguido escapar, pelo menos por enquanto. E minha mente voltou imediatamente para a família que eu havia perdido e para o bando que eu deixarei para trás. Quantos morreram? Alguém sobreviveu? A motocicleta zumbia uma melodia de vibração em meu corpo enquanto minhas lágrimas fluíam livremente, lavando meu rosto, molhando o colete de couro preto que eu usava, antes de serem levadas pelo vento.
Tudo acabado e apenas desaparecido.
No curto espaço de algumas horas, minha vida foi reduzida a um monte de escombros e cinzas putrefatas, fervendo com pontos quentes restantes, explosões ocasionais de fumaça que se dispersavam imediatamente e eram levadas pelo vento nordeste.
E todas aquelas coisas que uma menina pequena colecionava e amava foram perdidas para sempre. Meu diário e caderno de arte. Cheios de divagações e desenhos coloridos, devaneios aleatórios de uma mente jovem.
Bilhetes de cada feira, parque de diversões e cinema, qualquer evento que eu já tinha ido. Meu animal de pelúcia favorito, um lobo preto com marcações brancas, as duas patas dianteiras e a ponta da cauda pareciam ter sido mergulhadas em tinta branca. Minha mãe me deu ele quando eu tinha quatro anos.
Na época, o animal de pelúcia era quase tão alto quanto eu. Eu gritei de alegria e envolvi meus braços pequenos ao redor dele, m*l dizendo obrigado, antes de correr para o meu quarto para brincar.
Com a tenra idade de quinze anos, eu já havia superado minhas bonecas e animais de pelúcia. Mas não o meu lobo. Nunca o meu lobo. Ele dormia ao meu lado todas as noites, me protegendo, sempre. Até agora. Agora, ele havia simplesmente desaparecido, assim como tudo mais, como se nunca tivesse existido.
Junto com minha mãe e meu pai.
Mais lágrimas rolaram dos meus olhos, meu peito doía de tanta dor.
Luca aproximou sua bicicleta, perto o suficiente para estender a mão e segurar meus dedos agarrando o acelerador. Ele sabia que eu estava chorando há horas. Seu nariz de lobo sensível podia sentir o cheiro das minhas lágrimas. Ele estava sofrendo tanto quanto eu. Eu segurei seus dedos fortemente por um momento, antes de soltar. Eu tinha que me recompor se fosse sair dessa viva.
Principalmente inteira!