Janel - final

4471 Words
                                                                                               ♀                                                              "OKLAHOMA UNISSEX – MAU COMEÇO"                                                                                   Semanas Depois. Era o dia do meu décimo sexto aniversário. O Circo entrou em uma rápida tour, durante dez dias, entre Oklahoma e o Arkansas. Era férias, como sempre, e eu havia conseguido convencer Tammim e Wren, que estavam em casa enquanto as aulas de suas faculdades não recomeçavam, a ir nessa tour, a última deles, segundo eles. Para completar, Theodore também estava lá por livre e espontânea pressão. Nós quatro conversávamos nos bastidores do palco enquanto David fazia mais um número de malabarismo com Leonard. — Eu disse ao meu pai que não viria. Nunca mais. Mas, ele me pediu uma razão para isso. Acabou que eu fiquei sem ter o que dizer. — Acha que ele não te aceita? — Tammim perguntou. — Não. Nem pensar. Não posso contar nada. Meu namorado está bem desconfortável, sabe? Eu contei tudo a ele. Tudo o que aconteceu. — Dave não irá falar nada. Nem fazer nada. Fique tranquilo. — assegurei. — O problema não é esse, Jane. — Theo explicou. — Só de estar aqui... Todo o ambiente... — Se você está m*l por ter que estar no mesmo lugar que ele, imagine eu, que levei um soco bem no meio da cara. — Wren riu, comentando. — O que ele fez comigo doeu muito mais que um simples soco... — Theo disse, e todos nós ficamos lá sem saber o que dizer, por poucos minutos. Eu até pensei em dizer algo sobre isso, mas eu já havia perdoado Thedore. Escolhi o silêncio assim como os outros. Tamm quebrou o gelo e começou a falar sobre outras coisas, sobre os números do circo. Por fim, chegamos ao assunto do meu aniversário. — O que vamos fazer depois daqui? Não vai ter festa, Jane? — Wren perguntou. — Claro que vai. Nós vamos ao Oklahom's! — Eu queria tanto ir... Mas, aproveitem por mim! — Vai, Theo. Não acha que é melhor encarar o problema de frente? — Tamm sugeriu. — Acho melhor não. — Acho que vai ficar um clima estranho... — comentei. — Se fosse assim, eu também não iria. — Wren afirmou. — É diferente. — falei, e meus olhos esbarraram em Theo. — Melhor não. — Theo reforçou. — Bobeira. — e Tammim revirou os olhos. Mas, no fim, Theo foi. Tammim perturbou tanto que ele acabou indo. E o clima foi agradável, na maior parte do tempo, até. Dave sabe ser agradável quando quer, ou quando é conveniente. Nós pedimos batatas com bacons, hambúrgueres e refrigerante para todos. Meus pais, os pais de Dave, meus amigos e mais dois ou três circenses além do pai de Theodore também foram. Já perto do fim, David resolveu fazer uma surpresa. Um presente, o seu presente. Já era quase meia-noite, o meu aniversário já quase dando adeus, quando Dave se levantou com uma pequena caixa azul e bege com um laço branco. — Antes que seu aniversário termine... Queria fechar a festa com chave de ouro. — ele disse, e todos prestaram atenção nele. Exceto Theodore, que olhava para o seu prato de bacons. — Que fofos! — a senhora Cornard, minha sogra, disse num tom fofo. — Quem olha assim, até pensa... — mamãe riu, jogando uma indireta. Engoli em seco. Dave me encarou, já supondo mil e uma coisas. — Meu filho é maravilhoso. É isso que pensam. — a mãe de Dave rebateu, também rindo. — O que é? Diz logo, filho! — meu pai disse, e não o dele. — Bem... — Dave disfarçou a expressão de preocupação. — Jane vai dizer. Aqui, amor. — disse ele, olhando de forma temerosa no fundo dos meu olhos. — Pra você. Estávamos lado a lado, na ponta da mesa. Meus amigos estavam de frente para nós. Daí em diante, meus pais, meus sogros e os outros circenses. Levantei-me, abri a caixa e sorri. Todos esperavam, ansiosos, mesmo sendo óbvio de que seria algo do tipo. — É lindo. — e levantei o cordão de ouro para que todos pudesses ver. Uma coroa dourada, com pequenas pedras de prata e pequenos detalhes em rosa. — Para a minha rainha. — David sorriu. — Gostou? — Muito. — Amo você. — levantei, e ele me abraçou; aproveitando o momento, sussurou em meu ouvido. — Você contou a ela, não contou? — Depois conversamos. — sussurrei, dando um beijo em sua bochecha como disfarce. — Vai pro banheiro. É unissex aqui. — ele respondeu, segurando meu corpo no seu. — Te sigo logo em seguida. — Não. Depois conversamos. — Agora. — de leve, ele apertou o meu braço esquerdo. — Meu namorado é incrível, gente. — falei, saindo do abraço sorrindo para todos na mesa.  E nos sentamos.  — A mulher da loja disse que isso afasta os caras sacanas. — Podemos saber como? — papai perguntou. — É que um cara b****a não é digno de uma rainha. — e ele riu, assim como todos na mesa. — Eu não ando com esse tipo de cara. — falei, meio sem graça. Tammim quis rir. — Mas, tem uns que tentam se aproximar. Caras com o Keegan Harding, sabe? Acreditam que esse cara tentou roubar a Jane de mim? Ela contou isso a vocês? — Quem é esse? E o que você fez? — a mãe de Dave indagou. — Achei que esse assunto estivesse encerrado. — falei, irritada.  — E está, meu amor. Você é minha. — Então por que citar o Keegan justo agora, David? — Aconteceu alguma coisa entre você e esse Keegan, filha? — mamãe perguntou, e de repente eu só queria desaparecer dali. — Isso não é da conta de vocês. — resmunguei. Tammim e Wren trocavam olhares assustados. — Você traiu o meu filho, Janel? — Já está tudo resolvido. Já a perdoei. — Dave disse friamente. Olhei para ele, decepcionada. Por que ele estava fazendo aquilo? — Eu não estava sabendo disso. — Tammim resolveu abrir a boca. — Mas, já que é pra falar de decepções entre o casal... David, não quer contar pra gente alguma m***a que você fez? Afinal, traição não é muita novidade entre o casal, não? — EU NÃO TRAÍ. EU ESTAVA SOLTEIRA! — gritei, exaltada. — Nós tínhamos brigado e eu fiquei com o Keegan. Satisfeitos?  — Vai se f***r, garota. Quem te chamou pra conversa? — Dave respondeu Tamm. — Dave, olhe a boca! — a mãe dele o repreendeu. — Que palhaçada é essa de traição entre os dois? — meu pai perguntou sério e furioso. — Saibam que vamos conversar depois. — Não vou perder saliva com você, seu pirralho m*l educado. — Tammim disse, levantando-se com os punhos fechados. — Boa noite. Wren e Theodore a acompanharam na saída do Oklahom's. Eu não sabia onde enfiava a minha cara naquele momento. Depois de um minuto de silêncio, mamãe soltou um "Vamos embora?", e então todos se levantaram rapidamente. ... Naquela noite, eu tentei fugir do nosso furgão e dormir com Tammim e Wren, mas mamãe me segurou com um propósito. Eu me joguei na cama e dormi assim que chegamos, para fugir de meu pai e uma possível conversa com David no dia do meu aniversário. No meio da noite, quando todos dormiam, mamãe foi até a nossa beliche e nos acordou. Com muito cuidado, saímos do furgão e nos distanciamos consideravelmente para uma conversa privada. — Ela me contou. E ela fez o certo. Você vai pagar o aborto dela? — Eu não vou abortar! — resmunguei. — Achei que contaria... — Dave disse, de cabeça baixa. — Se eu já tivesse contado ao seu pai, — mamãe olhou para mim. — vocês já estariam mortos. — Eu daria um jeito. Ia começar a trabalhar, sei lá. — Não finja que não precisa de mim, pois precisa. Eu vou resolver isso pra vocês. E eu acho bom vocês terminarem depois disso. Já que vocês não têm responsabilidade, melhor acabar com isso. E que safadeza é essa de um trair o outro? É assim o namoro de hoje em dia? — Eu não traí. — resmunguei mais uma vez. — Já entendi, filha. — mamãe respondeu, debochada. — Você não vai se meter na nossa relação. Vamos continuar juntos. Nascemos um pro outro. — Dave passou o braço pelos meus ombros. — Ah, é? Imagino que a 38 do seu pai seja capaz de separar, então. — Mãe, para com isso. — Você vai abortar. E logo. Antes que seja tarde demais. Eu com toda a ignorância do mundo não engravidei tão cedo. Agora, você, filha? — Aconteceu. Acontece. Essas coisas acontecem. — Com pessoas burras e irresponsáveis. Sim, acontece muito. — Amor, você precisa fazer isso. Ou estamos fodidos. — Dave disse de forma calma. — Respeito, por favor. Quer dizer, você não respeita nem seus pais, não é mesmo? E nem a minha filha. — mamãe cuspiu, irada. Agora, as coisas eram diferentes. Quando ela descobriu por acidente que eu estava grávida, eu acabei desabafando tudo, contando tudo que David faz e já fizera. — Acho que a senhora deve saber muito bem que filho não se faz sozinho. Eu não forcei a sua filha a dar pra mim não, sabia? — Moleque... — mamãe mordeu os lábios. — Eu vou voltar pra cama. — falei, me desvencilhando de Dave. — A conversa não acabou. — mamãe me segurou pelo braço. — Já está decidido. Eu não vou fazer isso. — Deixa de ser burra, garota! A discussão durou mais alguns minutos. Tudo estava terrivelmente em maus caminhos. Eram as últimas férias de Dave no Kansas, já que ele tinha conseguido uma faculdade em Ohio. Ou seja, eu teria um pai ausente, já que ele ainda passaria mais de quatro anos por lá depois do nascimento do bebê. Foi quando mamãe chegou a essa conclusão. Por um lado, ela até tinha razão, já que iria acabar sobrando para ela me ajudar a cuidar da criança. Eu ainda estava no ensino médio. E me sentia burra. Depois que ela me disse isso, tudo ficou claro. Burra. Era o que eu era. — Desculpa por hoje. Eu não queria ser um b****a.  — Mas você foi. —  respondi a ele. Nós já estávamos deitados novamente em nossas camas. Ele estava pendurado de cabeça para baixo, como o homem aranha, para falar comigo da cama de cima.  —  Foi uma atitude i****a. Eu só não queria ser a única decepção pro seu pai...  Fui incapaz de responder. Eu só virei para o outro lado e dormir. Foi quando comecei a odiar David Cornard.                                                                                               ♀ Não tive coragem de contar a Tammim e Wren que estava grávida. Principalmente depois de ter decidido fazer o aborto. Seria uma decepção a menos para eles, no fim. Mamãe me convenceu dias depois daquela conversa. Também, com as ameaças terríveis dela, foi quase impossível não tomar essa decisão. Eu chorava só de pensar em meu pai descobrindo de minha gravidez. E, para que mamãe não entregasse tudo, eu precisava acompanhá-la até aquele lugar. Porém, nós não chegamos a ir verdadeiramente. Porque na semana em que paramos de brigar feito cão e gato, ela se foi. Uma dilatação anormal em uma das paredes de seus vasos sanguíneos no cérebro a pegou de surpresa, causando uma hemorragia. Papai disse que ela escondia dores de cabeça fortes e constantes de todos; eu não sabia. Os médicos disseram que a probabilidade de um acidente vascular acontecer cresce depois dos 40 anos.  Mamãe ficou em coma por doze dias. Mas não resistiu. Assim, de repente, quando ninguém esperava. Ninguém nunca espera pela morte, verdade. E muito menos perder a própria mãe tão cedo. O seu enterro foi uma mistura de emoções muito grande. Me senti um pouco em paz por termos parado de brigar antes de sua morte. Nós nos abraçamos, ela me beijou na testa e disse que "eu estava fazendo a decisão certa". Mamãe até marcou o dia para irmos à clínica naquele mesmo dia. Dave e eu estávamos abraçados. O padre falava algumas coisas enquanto os presentes se lamentavam. Pessoas do circo, poucos amigos e alguns familiares. O caixão já estava debaixo da terra. Flores o cobriam. As folhas caídas das árvores voavam de um lado para o outro. Papai, que estava ao nosso lado, se afastou por um momento, debruçando-se próximo ao caixão. De joelhos, ele tirou sua aliança de casamento, a beijou, e a jogou para ela. — Eu... Jane. Desculpe. Desculpe por ter te pressionado a abortar. O que fizemos — ele disse, olhando rapidamente em direção ao caixão — não foi certo. Não mesmo. Nós enchemos sua cabeça, e... — Eu não quero falar sobre isso agora. — falei, olhando para ele. — Qual é o seu problema? Estamos no enterro da minha mãe. Que d***a. — Fale baixo, amor. — disse ele. O padre chamou a irmã mais velha de minha mãe para que fizesse o seu discurso fúnebre. — Depois a gente conversa. — Não, amor. Olha, eu parei pra pensar. Tudo acontece com um propósito. Nada é por acaso, sabe? — Cale a boca enquanto é tempo. — revirei os olhos, vermelhos de tantas lágrimas. — Acho que precisamos ter esse filho... Meu cérebro congelou. Como ele era capaz de falar aquilo, ali, bem ali? Mais uma vez, senti nojo. Virei-me, furiosa, me soltando de seus braços. Todos olharam para mim. Pensei em correr dali, mas minha mãe não merecia aquilo. Não por culpa dele. Foi quando corri até o padre e interrompi o discurso de minha tia. — Eu preciso falar. Por favor. Me desculpem. — falei, e todos se movimentaram sutilmente. Tia Nice não ligou. Abraçou-me, e me deu a oportunidade. Eu até tinha preparado um pequeno texto, que estava guardado em meu bolso. Mas o deixei para trás naquele momento. Eu só pus para fora o que sentia. Foi espontâneo e verdadeiro. E papai chorou muito. Só sei que, no final, David não estava mais lá. E, incrivelmente, eu me senti m*l por aquilo. Finalizei o discurso correndo pelas gramas verdes do cemitério atrás de David.                                                                                               ♀ De uma forma doentia, David me fez ver algum sentido na morte de minha mãe. Ele era manipulador. Desde sempre. E, até onde sei, permanece assim. Segundo a sua "liberdade poética", refletiu sobre o acontecido e concluiu que deveríamos ter a criança. Dias antes dela partir, ele abominava a ideia tanto quanto ela. Mas, segundo ele, "o aborto só aconteceria através dela.''. E era verdade. Eu não teria coragem de fazer o aborto sem minha mãe. Com ela ao meu lado seria completamente diferente. Mas eu, sozinha, uma adolescente imatura com o garoto irresponsável? As coisas seriam difíceis... Não tinha mais muito tempo. Logo, logo a barriga apareceria. David contou a sua mãe antes e ela ficou surpreendentemente OK. Não fez escândalo, nem nada. Só veio com aquele papo moral de adulto, sobre responsabilidade. Depois que minha sogra deu o seu aval com "eu ajudo a cuidar da criança", tudo estava praticamente resolvido. Foi quando tivemos coragem de contar ao meu pai. A essa altura, Tammim, Wren e Theo também já sabiam. Ficaram tão furiosos quanto meu pai. — p**a que pariu, Janel. p**a que pariu. p**a que pariu. — ele se levantou, bravo, e começou a andar de um lado para o outro na sala. — Tenta se acalmar, por favor. — Dave disse, levantando-se também. — Seu filho da p**a! — e, inesperadamente, meu pai avançou em David, socando-o. Wren riu quando contei isso a ele depois. — Pai, meu Deus, para! — gritei, agora de pé. — Seu desgraçado, filho da p**a! Filho da p**a! — ele continuava, socando-o com as duas mãos, agora, ambos no chão. — Eu vou ligar pra Polícia! — gritei, pegando o celular em meu bolso. — Desgraçado... Filho da puta... Imbecil... Isso terminou com o meu pai pagando fiança após dois dias dormindo atrás das grades. David, no hospital, com pequenos pontos entre uma as bochechas e os olhos. Os meses que se passaram foram excepcionalmente horríveis. Meu pai em depressão, eu sendo comentada pela escola inteira como "a grávida do segundo ano", e Dave, em outro estado, cursando sua faculdade de Física. Foram os piores meses de toda minha vida. Quase todas as minhas amigas da escola se afastaram de mim. Somente Alison ficou verdadeiramente ao meu lado. Fora ela, Tammim e Wren continuavam me auxiliando, mesmo à distância, sempre preocupados em me dar conselhos e me xingar por tamanha burrice. David? Nós m*l nos falamos. Ele sempre estava muito ocupado. Nossas rápidas conversas durante o final de semana duravam, no máximo, cinco minutos. Em janeiro, quando Luí nasceu com semanas de antecedência, David não estava lá. Ele não conseguiu a liberação para sair fora de época, por ser calouro. Foi o que ele disse. A sensação de ser mãe é algo inexplicável. É uma coisa que se é sentido com muita intensidade, e, geralmente, por muito tempo; mas não foi o meu caso. Luí nasceu com complicações no pulmão. Lembro-me do exato momento em que o médico o colocou em meus braços. Ele chorava muito, vermelho como um tomate. Era muito parecido com o pai. Sorri, dando um beijo em sua pequena testa sangrenta. Ele viveu por algumas horas, mas viveu. Como dizem, têm coisas na vida que acontece como tem de acontecer. O destino está lá, apenas esperando que nós esbarremos com ele. Luí se foi após 47 horas de vida, me dando alegria por um rápido momento, por sua pureza e bondade. Eu pudia enxergá-las através de seus pequenos gestos, de suas pernas levemente tortas; os seus olhos fechados... Algumas semanas depois, Dave voltou para Wichita num final de semana. O clima não foi legal. Só ficamos abraçados, pensando em coisas que éramos incapazes de dizer. Ele sentiu a morte do filho. Porém, não tanto quanto eu.                                                                                         ♀                                                                                    "O FIM"                                                                          Um ano e meio depois. Eu já estava próxima dos 18 e formada no Ensino Médio. Era o dia da minha esperada festa de formatura, o baile de máscaras de Pretty Lake. Estava pronta em minha casa, à espera de David. Quando ele chegou e bateu os olhos em mim, deu um passo para trás. Fechando a porta do carro com força, ele girou as chaves nos dedos, tentando disfarçar seu desespero. — Que vestido é esse, Janel? — Lindo, não é? — falei, fechando a porta de casa por completo. — Você vai com isso? — indignou-se. — Qual o problema com isso? — O seu pai está em casa? Ele não disse nada? — Não, ele não está. E, o vestido é meu. Ele não me impediria de usar absolutamente nada. — Pena que eu não sou o seu pai, não é? — Ainda bem que você sabe. — Acho que está faltando um pedaço de pano aí nas suas pernas. Depois alguém vai acabar mexendo com você. E você não vai gostar disso. Muito menos eu! — Não está faltando nada! — Você não vai assim. Desse jeito. — Cala a boca e dirige. — falei, abrindo a porta do carona e me sentando. Ele olhou para mim, para o carro, e balançou a cabeça. Deu umas batidas em sua própria cabeça antes de entrar no carro e fechar a porta do carro agressivamente. Já na festa, colocamos nossas máscaras e tomamos alguns drinks. Dave estava com um smoking cinza, elegante. Reparei algumas de minhas antigas amigas olhando pra ele. Mas, não liguei. Eu estava focada em aproveitar aquele momento especial. Alison e eu dançamos juntas, tiramos fotos e rimos muito. Já próximo do fim, esbarrei com ninguém menos que Keegan Hardin'. Estava meio bêbado e irritado. David havia sumido. — Parabéns, gata.  — ele disse, apoiando-se em mim. — É. Obrigada.  — falei, desconfortável pelo cheiro de álcool. — Sinto muito pela criança. — Obrigada... — Também, você foi escolher o pior cara do mundo pra namorar, Janel! Logo ele? Por quê? — Keegan, acho melhor eu ir. — Se eu te contasse tudo que sei... — ele riu, me dando um empurrão de leve. E ele disse, e depois vomitou em meus sapatos caros de formatura. Corri atrás de David feito louca por toda a escola. Eu o encontrei beijando uma garota no último andar. Sinceramente, eu estava com tanta raiva, que aquilo ali não significou absolutamente nada. Eu o peguei pela gola de sua blusa social e o arrastei para o laboratório mais próximo. — Como você foi capaz disso? Como... Como eu nunca percebi o quão h******l você é, David? — O Keegan tá bêbado, Jane. Eu estou bêbado. Isso não é verdade. Esse cara é louco, Jane. Ele só tem inveja e quer separar a gente. Porque sabe que nunca terá outra chance com você. — Não. Não... — falei, e comecei a chorar quando me lembrei de suas palavras. — Ele foi claro, David. Seu filho da p**a. "Eu não sou uma pessoa r**m, sabe, Janel? Mas eu fiz isso por um amigo, que também era amigo de David. Ele insistiu, e... ...desculpa. Mas, sim, foi tudo combinado. Dave estava te controlando, mesmo de longe. Ou melhor, ele não estava longe, Janel. Janel... David tinha controle daquela noite, aquela festa estava nas mãos dele. E eu era um de seus "colaboradores". Você não ficou bêbada por acaso. Quando nos beijamos, ele já sabia, estava pronto para ir te buscar, como um herói. Ele causou aquilo para você se sentisse m*l. Você sabe, ele nunca pode estar errado. Você sofreu uma armação, Jane. Uma ilusão. Foi apenas uma armadilha para que você o perdoasse daquele quase e*****o. E não me pergunte como eu sei disso. Há muitas coisas que você não sabe.  Você foi muito corajosa, aliás. Desculpa." — Amor... — David, um pouco bêbado, se esforçava para ficar de pé, caminhando em minha direção — Isso já passou. Já faz tanto tempo... — Fique longe de mim. — falei,dando passos para trás, para o fim da sala. — f**a-se o passado. Nós temos um lindo futuro pela frente. Luí se foi para que a gente tenha uma nova chance. Um recomeço. — Luí se foi porque o universo, Deus, quis assim. Ele seria a única ligação infinita entre nós. Agora, não há mais nada, Dave. Nada. — Janel, Jane. Minha Jane. — ele se aproximava, a agora a parede limitava o meu recuo. Olhei para os lados. A mesa mais próxima com objetos de vidro era a terceira, da última para o começo. Eu só precisava avançar um pouco para chegar até ela. Foi quando corri em direção à mesa que David me segurou pelos braços e começamos uma luta corporal. Eu o batia em seu peito, com socos e mais socos, enquanto ele me chamava de amor. A cada palavra emitida por ele, minha raiva crescia. Quando fomos parar no chão,  lutando, lembrei-me do dia em que contei a minha mãe tudo sobre David. Lembrei-me dela chorando enquanto eu contava o motivo da minha pequena cicatriz em minha testa.  Aqueles pedaços de vidro no chão do meu quarto, David sarrando o seu pênis em mim enquanto eu tentava me livrar dele...  Depois de muito me movimentar, eu consegui me soltar dele, e corri até a mesa. Peguei o funil médio, apontando para frente em forma de defesa. Ele se levantou, com dificuldade, rindo. — A que ponto chegamos, Jane... — ele sorriu, abotoando um de seus botões. — Isso não precisa acabar assim. Você sabe que nascemos um para o outro. — Eu te odeio. — cuspi. — Não, você não me odeia. — ele disse, imitando a minha voz, revirando os olhos. Riu da minha cara. — Eu te odeio. Eu te odeio mais que tudo nesse mundo. — Você fica tão sexy quando me xinga. — Dave disse. — Com esse vestido então... — Cala a boca, David. — Que tal um s**o aqui, no laboratório de química. Eu te jogo pra cima da mesa, como naqueles pornôs, e... Eu não me lembro de muito depois disso. De tanta raiva, eu corri até ele, armada com aquele funil do laboratório de química da escola. Nós lutamos. E relutamos. E aquele pedaço de vidro quebrou-se em minha cabeça. E foi assim que a minha formatura terminou. E o meu relacionamento com David. E eu agradeço ao Universo, à Deus, por aquele funil ter se chocado com minha cabeça. Depois daquilo, eu acordei e nunca mais olhei para David, a criança dos cabelos verdes. Meus amigos, Wren e Tammim, ficaram muito feliz por mim. E Theo também. E meu pai, é claro.  David, que era bolsista através do esporte, perdeu o direito de estudar na Universidade. Não vou dizer que fiquei feliz por isso, pois ele simplesmente morreu para mim depois daquela noite de formatura do Ensino Médio. Mas, ele teve o que mereceu.  Meses depois, quando entrei na faculdade, conheci Troian, hoje, minha melhor amiga. Estou no último ano do curso de Artes. Assim que entrei, eu ainda tinha resquícios daquela antiga vida, onde eu vivi um relacionamento abusivo durante toda minha adolescência, de um namoro que começou praticamente na infância. Hoje, a velha Janel se foi. Foi através de Troian que eu conheci o  Feminismo, um movimento que você provavelmente deve conhecer e fazer parte.  Se é mulher, você deve, afinal, é para o nosso benefício. Ao contrário do que muitos pensam, feminismo não é o contrário de machismo. É uma luta por igualdade de gêneros, não de superioridade. Com a minha história, eu quis mostrar que um relacionamento abusivo não está apenas nos casos em que mulheres casadas apanham de seus maridos. O machismo vai muito além disso. Eu, uma criança, já sofria esse tipo de coisa e m*l sabia. Eu não tinha uma referência de relacionamento. Foi o meu primeiro, então, por mais que eu sentisse que aquilo não era bom, eu não achava anormal. Afinal, David se mascarou para minha família. Quantas meninas não passam por isso? Para a família, ele é o cara perfeito, mas só você sabe o que está se passando entre vocês. Somente você sabe quem ele realmente é. Hoje, a pequena cicatriz em minha testa serve para me lembrar, todos os dias ao me ver no espelho, que eu mudei. E que jamais passarei por nada daquilo novamente. Nunca.   Não deixe que nenhum cara te sufoque, que te diga o que vestir, que afaste os seus amigos de você e nada do tipo. Você não é propriedade de ninguém. E a sua roupa não é um convite. Você é livre para vestir o que quiser! Precisamos fugir disso. Mulher feliz é aquela que faz o que quer. 
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