Irei fazer ronda a noite de amanhã, um dos motivos para dormir tranquila esta noite, além disso preciso terminar de arrumar as coisas do meu quarto. Está mudança me deixou maluca, algumas coisas da casa chegaram bem depois do prazo, foi uma loucura e ainda bem que agora as coisas chegaram e finalmente posso terminar de arrumar.
— Amanhã você está de folga, filha? — meu pai pergunta ao passar no meu quarto.
— É, mais ou menos! — levanto meus ombros. — Farei ronda a noite, irei aproveitar o dia para arrumar meu quarto.
— Imaginei que iria fazer isso, mas podemos almoçar juntos?
— Claro, papai! — sorrio para ele enquanto levanto minha mão aos meus cabelos para fazer um coque antes de me levantar da cama. — Já está indo se deitar?
— Estou sim.
— O que foi? Está com alguma dor? — aproximo dele preocupada.
Ultimamente ele tem tido umas dores de cabeça preocupantes, falo para ele ir no oftalmologista mas é teimoso, não quer ver se precisa usar novamente os óculos de grau. Como havia feito uma cirurgia um ano atrás, acredita que não irá precisar usar óculos ou pelo menos retornar à consulta.
— Nada demais, logo passa. — sinto sua mão no meu rosto, logo ele beija minha testa. — Tenha um bom descanso, filha.
— Bença papai, boa noite!
— Deus lhe abençoe muito, minha filha.
Quando papai deu as costas e seguiu para o seu quarto, aproveitei para pegar meu caderno de desenho e meu lápis para começar a rabiscar alguns traços, faz um tempo que não tento desenhar. Afastei muito desse meu hobby, às vezes acredito que perdi a manha e por isso eu não consigo mais desenhar, outras vezes é pura procrastinação. No quarto do meu pai tem um quadro que pintei da mamãe, ele guarda até hoje, apesar de eu mesma não conseguir ficar olhando para ele menos que cinco segundos, não tenho muitas memórias com ela, mas ainda assim, é difícil para mim.
Sento na beira da cama e começo alguns traços e rabiscos no caderno, até meus olhos pesarem dando sinal que o sono já chegou. Aproveitei o bocejo que dei para levantar, guardar o caderno com o lápis na mesa de cabeceira, apagar a luz e me deitar.
Quando o sol começou a tentar invadir o meu quarto, acordei me alongando na cama antes de sair dela. Esta manhã fiz um café para o meu pai, já que havia acordado primeiro que ele. Fui até o quarto dele para ver se ainda está dormindo, dei três toques na porta antes de abrir e entrar.
— Bom dia, pai! — vou andando devagar até a beira da cama. — Já está acordado?
— Estou sim, só a dor não passou ainda, mas nada que você precise se preocupar.
— Como não me preocupar? — sento na beira da cama aflita, passo minha mão na sua testa. — Você precisa ao menos ligar para o seu médico.
— Está tudo bem, além do mais, ele irá falar para tomar um remédio e ficar deitado no escuro.
— Então vamos fazer o seguinte. — ele resmunga em negação a algum acordo — Se esta dor não passar até meio dia, você irá ligar para o doutor Mauro.
— Filha, realmente não precisa.
— Para de ser teimoso, me preocupo com sua saúde, então vamos ligar sim para o doutor Mauro se não melhorar até meio dia. — digo firme e aproximo meu rosto do dele para dar um beijo em sua testa.
Quando meio dia chegou, papai disse que estava sem dor, admito que só deve ter falado isso para não me preocupar e nem ligar para o doutor Mauro. Irei ficar observando muito mais que antes, a qualquer mínimo detalhe que a dor não passar estarei ligando, mesmo que ele fique chateado comigo.
Nunca gostou de hospital, médico e não aceita o fato de estar ficando velho. Um pai maravilhoso, amigo do peito, posso conversar de qualquer coisa com ele, mas é um teimoso, diz que médico é desnecessário se temos Deus. Ele não concorda comigo quando digo que sofrer a dor é muito pior, que é bom saber a causa para evitar o sofrimento e cuidar no que pode.
— Tem certeza? — pergunto olhando fixamente para os olhos dele.
— Claro, minha filha.
— Eu pedi comida para nós, fiquei tão ocupada com as caixas da mudança que perdi a hora de começar a fazer o almoço. — digo pegando dois pratos de louça para mim e para ele.
— Baião de dois? — ele abre a tampa e eu faço que sim com a cabeça — Está com uma cara ótima! — sorri olhando para mim.
À noite fui fazer ronda com o Francis, que ficou encarregado em me mostrar os pontos de rondas necessários nos horários exatos. Começamos pelo calçadão que está bem movimentando, noite de sexta feira sempre está cheio segundo o policial ao meu lado.
Passamos pelas empresas já fechadas, nas calçadas posso ver os turistas voltarem para suas casas e outros seguindo para os morros onde ocorre os bailes. Francis dirige pelos bairros, verificando as mães solteiras e suas crianças nas calçadas ainda brincado na beira da calçada, e os bares que serão fechados daqui a uma três.
Quando falei para Henrique que iria ser policial como mamãe, ele foi o único que acreditou que eu conseguiria ser uma das melhores. Minha vida virou em 180° quando passei a estudar para conseguir entrar, minha determinação de querer ser a melhor sempre foi enorme, ainda mais o meu sonho de me tornar uma heroína como mamãe. Estar no meio disso tudo, me faz esquecer um pouco da dor da falta dela, de silenciar as perguntas do porquê ocorreu aquilo com ela.
Francis para a viatura em frente a um bar, vejo que é bem na entrada do famoso morro que o d***o comanda, até onde sabemos ninguém sabe quem ele é só sabem o que ele faz. Ou pelo menos manda as pessoas fazerem por ele, não é apenas trafico de drogas ou desvio de dinheiro, é a escravidão de crianças e adolescentes para fabricar as drogas, os corpos que surgem nos córregos sem sabermos o motivo real do que aconteceu e sempre vem com a marca de um d***o queimado no ombro esquerdo do corpo.
— Vai querer alguma coisa? — Francis por fim abre a boca antes de sair da viatura.
— Não, esqueci minha carteira em casa. — dou um meio sorriso.
— Não precisa pagar Morais, é só pedir.
— Como? — uno minhas sobrancelhas um pouco chocada com isso.
— Somos policiais, ser um policial tem suas vantagens e benefícios.
— Que tipo de vantagem e benefício? — questiono cruzando os braços.
— Comida, bebida, mulheres, prazeres. — Francis ri e me cutuca com o cotovelo — duvido que lá de onde veio não tenha conseguido nenhum homem só por você ser uma policial.
— Não sou nojenta como você, policial Francis. — Minha voz sai firme, por dentro quero dar um soco em seu ombro e tentar colocá-lo no lugar dele, mostrar que ser policial não é ser um babaca, mas sei que irei perder meu tempo.
— Para, Morais. — seu sorriso amarelo aparece estampado no seu rosto, não gosto desse cara — nem um cafezinho ou energético para ficar acordada durante a ronda.
— Não precisa, obrigada.
Fico dentro do carro enquanto Francis entra no bar, algumas moças se aproximam dele que parece um pavão por chamar atenção só por estar uniformizado, não consigo entender como um ser humano desse pode ser tão repugnante.
As janelas estão abertas, consigo ouvir o som alto do baile, o ar fica pesado e úmido, empurrado ocasionalmente o cheiro r**m de urina e esgoto. Até o momento não gosto muito da capital, não pretendo permanecer aqui após a operação, mas por quanto tempo? Espero que não muito, morar na capital é animador por ser movimentado, mas não é lá agradável em outros aspectos.
Meus pensamentos vão longe, nas possibilidades que podem ocorrer nesse período que estiver na capital, quando um carro passa por mim, claramente em alta velocidade, as janelas abaixadas, o rádio explodindo. Isso me leva de volta ao presente, Francis entra no carro correndo bem na hora que o rádio do carro começa um chamado.
Segundos antes do carro rasgar ao meu lado, havia acontecido um atentado, logo em seguida surgiu outro carro correndo atrás daquele e Francis ligou a sirene e fomos atrás dos dois.
— Até que enfim ocorreu algo, faz meses que em minhas rondas não ocorre nada. — ele olha para mim animado — você me deu sorte, policial Morais.