A chuva caía fina sobre os vitrais da mansão Vitale, como se o céu também tivesse segredos que não ousava revelar. O som constante das gotas era o único ruído naquele início de madrugada.
Isabella estava na biblioteca, sentada em uma poltrona de couro diante da lareira. Uma xícara de chá esfriava entre seus dedos. À sua frente, um livro aberto — mas suas palavras estavam tão longe de sua mente quanto sua liberdade.
Desde o jantar de apresentação, ela e Alessandro trocavam olhares e farpas como espadas em duelo. Havia um fio invisível que os ligava — esticado, tenso, pronto para arrebentar. E ela sentia o estômago se apertar a cada novo embate.
Mas naquela noite… algo diferente pairava no ar.
A porta da biblioteca rangeu levemente.
Ela não precisou levantar os olhos para saber quem era.
— Você sempre entra sem bater? — perguntou sem tirar os olhos do fogo.
— E você sempre se esconde entre livros quando está inquieta?
A voz grave de Alessandro tinha o tom preguiçoso de quem sabe que causa impacto apenas por existir. Ele entrou devagar, os passos silenciosos, e se sentou na poltrona oposta.
— Não estou inquieta. Estou… observando.
— Observando o quê?
Ela fechou o livro devagar e o encarou.
— Você.
Um leve sorriso curvou os lábios dele.
— Corajosa. Sempre admirável.
— Não é coragem, Alessandro. É necessidade. Se vou viver ao seu lado, preciso entender o que você é.
— E o que acha que eu sou?
Ela o estudou por longos segundos. As sombras da lareira dançavam sobre o rosto dele, realçando os traços angulosos, a mandíbula firme, o olhar que escondia mais do que dizia.
— Um homem que aprendeu a controlar tudo… menos a si mesmo.
O sorriso desapareceu.
— Cuidado, Isabella. Esse tipo de leitura pode ter consequências.
— Eu não tenho medo de você, — ela respondeu, levantando-se. — Tenho medo de me perder nesse jogo que você parece dominar.
Ele também se levantou, e em um instante estavam frente a frente.
— E por que ainda joga?
Ela respirou fundo.
— Porque talvez eu queira vencer.
Os olhos de Alessandro arderam por um segundo, e sua mão subiu até tocar o rosto dela com a ponta dos dedos. O toque foi sutil, mas incendiário.
— Você não percebeu ainda, Isabella? Não se vence esse jogo. Ou se queima… ou se queima o outro.
Ela fechou os olhos por um breve instante, absorvendo aquela verdade. Quando os abriu novamente, a decisão já estava ali:
— Então queime comigo.
Mas antes que qualquer proximidade se transformasse em toque real, a porta foi aberta com brutalidade.
Um dos capangas entrou, tenso.
— Don Vitale, desculpe interromper. É urgente.
Alessandro se afastou, a mão ainda flutuando no ar onde havia tocado Isabella.
— Fale.
— Matteo Mancini foi visto nos arredores da propriedade. Com homens armados.
O nome caiu como uma bomba no ar.
Matteo era um velho inimigo dos Vitale. Um traidor que deveria estar morto, mas que agora retornava como um espectro — e ninguém traz armas sem intenção de usá-las.
— Aumente a segurança. Quero todos alertas. — Alessandro respondeu sem hesitar.
— Sim, senhor.
O capanga saiu.
Isabella cruzou os braços.
— Você me disse que estava tudo sob controle.
— Está. Mas isso é a vida que levamos. O controle é uma ilusão bem mantida.
Ela deu um passo à frente.
— E se eu morrer por causa dessa ilusão?
Alessandro a encarou.
— Então eu mato quem te tirar de mim.
Houve um silêncio cheio de significado. Pela primeira vez, ela viu algo diferente em seus olhos: não ameaça, não arrogância… mas medo.
Sim, Alessandro Vitale sentia medo. Não por ele. Por ela.
E isso a desarmou mais do que qualquer palavra.
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Horas depois, Isabella não conseguia dormir. Estava em seu quarto, sentada junto à janela, observando os guardas armados espalhados pelo jardim. Sentia-se em um campo de guerra disfarçado de castelo. E, de certa forma, era isso mesmo.
O mundo da máfia era perigoso, sim. Mas o mais perigoso era ele.
Ela. E Alessandro.
Juntos eram um campo minado, e cada passo que davam os aproximava de uma explosão inevitável.
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Alessandro, por sua vez, estava no escritório. Não lia relatórios. Não respondia chamadas. Apenas observava o fogo que ardia na lareira.
Isabella o desafiava de um jeito que ninguém jamais ousou.
Ela o fazia sentir. Questionar. Querer mais do que sangue e poder.
E isso o enfraquecia.
Mas também o transformava.
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Na manhã seguinte, Isabella desceu para o café, determinada a manter a fachada de calma. Mas quando entrou no salão, viu Alessandro sentado à mesa, já a esperando.
— Dormiu bem? — ele perguntou.
— Melhor do que esperava.
— Ótimo. Porque vamos sair hoje.
Ela arqueou a sobrancelha.
— Sair?
— Sim. Um passeio. Fora da mansão.
— Isso é um convite ou uma ordem?
— É o que você quiser que seja.
Ela cruzou os braços.
— Por que agora?
— Porque quero ver você longe desse mundo, nem que seja por algumas horas. Quero te ver… em paz.
Isabella hesitou.
Ela não confiava nele. Mas também não confiava no próprio coração que batia mais rápido quando ele falava assim, com aquela voz baixa, quase humana.
— Tudo bem. Uma tarde. Só isso.
— Prometo não sequestrá-la. Ainda.
Ela rolou os olhos, mas não conteve o leve sorriso.
Por dentro, no entanto, algo se agitava.
Porque quando Alessandro Vitale mostrava humanidade, era quando ele mais se tornava perigoso.
E ela sentia — com cada parte do seu ser — que aquela história não terminaria bem.
Mas mesmo assim, ela foi.
Porque às vezes, o desejo fala mais alto que o medo.
E os dois já estavam muito além do ponto de retorno.
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