10. Luna

1263 Words
Os últimos dias foram suportáveis. Pela primeira vez em muito tempo, consegui respirar um pouco. Não que as coisas tivessem melhorado de verdade, o morro continuava o mesmo, os becos lotados, a poeira grudando na pele. Mas dentro de casa estava mais fácil. O dinheiro que ele me deu segurou as pontas. Comprei comida decente, reforçei o botijão de gás, paguei a conta de luz que já ia cortar. A geladeira, que vivia vazia, agora tinha mistura, carne moída, salsicha, legumes e até caixa de leite. Clara estava feliz com as coisas novas, roupinha de frio, material para escola e a boneca que carregava para todo canto. Passei os dias cuidando dela, levando para escola de manhã e buscando no começo da tarde. Às vezes parávamos na vendinha para comprar um doce ou iogurte, coisas que antes não podia dar. Em casa, lavava roupa, passava pano no chão e arrumava o armário. Mantinha-me ocupada o máximo possível para não pensar no resto. À noite, depois que ela dormia, deitava no colchão olhando para o teto. Meu corpo ainda tinha marcas: coxas, quadris, pescoço, cada mancha roxa um lembrete que tentava ignorar. O celular continuava mudo, nenhum recado ou ligação. E eu seguia fingindo que isso não me incomodava. A cada dia que passava, fazia apenas o que sempre soube fazer: sobreviver. O recado veio no final da tarde. Bateram na minha porta com força. Quando abri, era um dos moleques que faziam recado para ele. — Hoje. Agora — foi só o que disse, com um sorriso torto como quem sabia exatamente o que eu faria. Meu corpo gelou. Deixei Clara com a vizinha com a desculpa de um trabalho. Era uma mentira que todas já conheciam. Cada passo dava voltas no estômago. Cheguei na casa que ele usava para as visitas, uma das várias espalhadas pelo morro. A porta estava semiaberta. Um empurrão e entrei. O cheiro dele estava por todo lado: cigarro, perfume forte, homem e perigo. Quando passei pela porta, ele já estava ali. Encostado na parede, sem camisa, calça de moletom, olhar pesado. Não me deixou respirar. — De joelhos — foi a primeira coisa que disse. Meu corpo congelou por dois segundos. Ele deu dois passos na minha direção, pegou meu queixo com força e me obrigou a olhar para ele. — Falei para ajoelhar, p***a — a voz saiu baixa, grave e venenosa. Minhas pernas cederam. Antes que percebesse, já estava no chão frio, de joelhos, com a respiração falhando. Ele soltou o cordão da calça. Grande, duro, pesado, do jeito que sempre me assustava e me deixava molhada, por mais que eu odiasse admitir. Segurou meu cabelo com uma mão, puxando para trás, enquanto a outra me guiava até sua boca. — Abre — ordenou. Obedeci. Porque ali não tinha escolha. Ele me invadiu com força, gosto amargo, peso preenchendo minha garganta. Gemidos abafados saíam enquanto tentava respirar. Ele se movia lento no começo, depois mais rápido e fundo, como se descontasse algo em mim. Sua mão controlava meus movimentos, puxava meu cabelo, me forçava a engolir cada centímetro. Seus olhos estavam cravados em mim o tempo todo. — Olha para mim enquanto engole. Quero ver o quanto tu aguenta — sussurrou entre dentes. Quando gozou, segurou minha cabeça firme até a última gota, me obrigando a engolir tudo. Ao me soltar, meu rosto estava vermelho, olhos marejados, peito subindo e descendo na tentativa de recuperar o ar. Ele me puxou do chão como se eu fosse leve demais e me jogou na cama sem delicadeza. — Tira essa roupa. Agora. Minhas mãos tremiam ao tirar peça por peça. Blusa, sutiã, short, calcinha. Fiquei nua, vulnerável, tentando entender o que viria depois. Mas eu sabia. Ele subiu por cima de mim, passou a boca pelo meu pescoço, costas, mordeu minhas coxas e barriga, deixando marcas como sempre fazia. — Você tem cheiro de minha — falou baixo, como se fosse para si mesmo. Quando me virou de bruços, já sabia o que vinha. Ele me segurou pela cintura e me invadiu com força, sem aviso ou pausa. Cada estocada era um choque. O colchão afundava, o som de nossas peles batendo, gemidos roucos dele e meus saindo sem controle. Ele me possuía como se quisesse deixar um recado dentro de mim, como se quisesse me moldar por dentro. Sua mão subiu pelas minhas costas, pegou meu cabelo e puxou minha cabeça para trás. — Não pense que vai fugir de mim nunca mais — rosnou no meu ouvido, enquanto entrava cada vez mais fundo. Minhas lágrimas escorriam sem controle, de dor, prazer, raiva, tudo junto. Quando ele gozou de novo, ficou parado dentro de mim por segundos, como se quisesse me manter presa nele. Depois me largou como se seu corpo estivesse cansado, mas não sua cabeça. Fiquei jogada, sem forças, ouvindo sua respiração pesada. Ele se levantou, pegou outro maço de dinheiro e jogou na beirada da cama. Sem olhar para mim, apenas disse: — Da próxima vez, não me faça esperar tanto. Saiu do quarto como sempre fazia. E eu continuei ali, com o corpo destruído, seu gosto ainda na boca e a certeza de que, por mais que quisesse, nunca conseguiria dizer não. Meu corpo doía. Cada parte estava marcada, coxas, quadris, costas, pescoço. Mexer era difícil, vestir as roupas um castigo. Cada peça que colocava trazia o peso do que acontecera. O maço de dinheiro continuava jogado no canto da cama, como lixo ou um prêmio indesejado. Fiquei parada, olhando para ele. Meus dedos tocaram uma das notas na tentativa automática de pegar, mas parei. Meu orgulho gritou mais alto que a necessidade. Dei um passo para trás, depois outro, e saí do quarto antes que meu corpo fizesse o contrário do que minha cabeça queria. Atravessei a sala sem olhar para os lados. Meus olhos ardiam, garganta fechada, mas mantive o rosto firme. Fui direto para a casa de dona Lurdinha. Ela abriu o portão com seu olhar curioso de sempre. — Ué, Luna, demorou hoje. Tudo bem? — perguntou, ajeitando a sandália. — Tudo certo, só um contratempo — menti, forçando um sorriso que não chegava aos olhos. Clara veio correndo assim que me viu, boneca nova agarrada no braço. — Mana! — abraçou minhas pernas, rosto suado de tanto brincar. Apertei-a forte, coração batendo rápido como se seu abraço fosse a única coisa me mantendo de pé. Beijei o topo de sua cabeça, inalando cheiro de criança limpa, sabonete simples, de tudo que passava a vida tentando proteger. — Vamos para casa, meu amor? — perguntei, passando a mão em seus cabelos para disfarçar o tremor. Ela assentiu feliz. Agradeci a Lurdinha, peguei sua mochila e caminhamos pelas vielas. A cada passo, meu corpo lembrava do que acontecera. Cada músculo gritava, a pele ardia. Por mais que tentasse me concentrar nos passos, no peso da mochila, nas perguntas bobas de Clara, era impossível ignorar. Parecia que ele ainda estava em mim. Cheguei em casa, destranquei a porta com cuidado para não fazer barulho. Soltei Clara na sala, liguei a televisão para ver desenho e fui direto ao banheiro. Tranquei a porta, tirei a roupa devagar e entrei debaixo do chuveiro como se a água gelada pudesse lavar tudo. Meus dedos passaram com força pela pele, quase machucando. Esfreguei braços, pernas, pescoço, couro cabeludo, como se pudesse arrancar seu cheiro de mim. Mas não adiantava. Seu gosto ainda estava na minha garganta. E o pior era saber que o dinheiro ainda estava lá, no quarto dele, do jeito que deixou.
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